Busca amorosa pelo servo perdido por Srila Sridhara Maharaj

          PREFACIO

Um teólogo cristäo predisse que o cristianismo estava à beira de uma revoluçäo coperniquiana.  Antes de Copérnico, acreditava-se que a terra era o centro do universo, e que o sol e outros planetas orbitavam a terra.  Até recentemente, no mundo ocidental se pensava que o cristianismo era a concepçäo central da divindade no universo teísta.  Mas como o homem ocidental começou a olhar para o oriente, descobriu uma pluralidade de concepçöes teístas orbitando a Suprema Verdade.

Aceitando essa pluralidade, devemos também aceitar as gradaçöes de teísmo que vem acompanhando, superior e inferior.  Como os planetas estäo situados de acordo com sua atraçäo gravitacional pelo sol, as variedades de concepçäo teísta situam-se na esfera superior ou inferior conforme sua atraçäo pelo Centro Absoluto.  A concepçäo Krishna da divindade é de ser irresistivelmente atraído numa atraçäo pelo centro infinito de todo amor, beleza e harmonia.


 
           

   A BUSCA AMOROSA PELO SERVO PERDIDO




                               por
                    Om Vishnupada Paramahamsa
                     Parivrajakacharya Varya
                   Sarva Shastra Siddhanta Vit
                    Astottara Sata Sri Srimad
                      SRILA BHAKTI RAKSAKA
                 SRIDHARA DEVA GOSWAMI MAHARAJA



 








                 traduçäo de Indumukhi devi dasi
                   Curitiba, setembro de 1998


                            PREFACIO

Um teólogo cristäo predisse que o cristianismo estava à beira de uma revoluçäo coperniquiana.  Antes de Copérnico, acreditava-se que a terra era o centro do universo, e que o sol e outros planetas orbitavam a terra.  Até recentemente, no mundo ocidental se pensava que o cristianismo era a concepçäo central da divindade no universo teísta.  Mas como o homem ocidental começou a olhar para o oriente, descobriu uma pluralidade de concepçöes teístas orbitando a Suprema Verdade.

Aceitando essa pluralidade, devemos também aceitar as gradaçöes de teísmo que vem acompanhando, superior e inferior.  Como os planetas estäo situados de acordo com sua atraçäo gravitacional pelo sol, as variedades de concepçäo teísta situam-se na esfera superior ou inferior conforme sua atraçäo pelo Centro Absoluto.  A concepçäo Krishna da divindade é de ser irresistivelmente atraído numa atraçäo pelo centro infinito de todo amor, beleza e harmonia.

O infinito pode Se dar a conhecer ao finito, e o agente divino através de quem essa funçäo se manifesta é Sri Guru ou o guia divino.  Sua Divina Graça Srila Bhakti Raksaka Sridhara Deva Goswami é um agente da divindade e um mensageiro dessa realidade suprema.  Ele nos lembrou que somos todos "filhos do néctar" e que teremos que "morrer para viver", "mergulhar fundo na realidade" e entrar na "terra da dedicaçäo".  Na medida em que nos sacrificamos neste plano, nos tornaremos libertos de sua influência e seremos atraídos através da dedicaçäo para o plano mais elevado da realidade onde os divinos passatempos "se movimentam de maneira tortuosa".  E ali encontraremos o "tesouro oculto do Doce Absoluto" no serviço de Srimati Radharani.

Sua Divina Graça nos informou que o anelo íntimo do coraçäo pelo êxtase, encanto e doçura, guia o na busca por Sri Krishna - a Realidade, o Belo.  A concepçäo Krishna da divindade é täo irresistível que até mesmo o próprio Krishna é subjugado por Sua própria potência e está loucamente ocupado em provar de Sua própria doçura, dançando extaticamente, e assim distribuindo essa doçura aos outros.

No Sri Chaitanya-charitamrta, Srila Krsnadasa Kaviraja Goswami descreve que enquanto dançava no Ratha-yatra, Sri Chaitanya Mahaprabhu às vezes caía num desmaio extático e parecia "uma montanha dourada rolando no chäo".  Srila Sridhara Maharaja descreve que:  "Na agonia da separaçäo de Krishna, erupçöes extáticas de êxtase fluíam como lava do coraçäo do Vulcäo Dourado de Amor Divino, Sri Chaitanya Mahaprabhu."

E agora na Busca Amorosa Pelo Servo Perdido, descobrimos que o coraçäo do Senhor é tal, que Ele também sente a agonia da separaçäo de Seus devotos caídos, e como eles estäo ocupados em procurar por Ele, também Ele se ocupa numa busca amorosa por Seus servos perdidos.
                                   Bhakti Sudhira Goswami

                            HISTORIA

A BUSCA AMOROSA PELO SERVO PERDIDO FOI COMPILADA DE PALESTRAS DADAS POR SUA DIVINA GRAÇA SRILA BHAKTI RAKSAKA SRIDHARA DEVA GOSWAMI NO LINDO SRI CHAITANYA SARASWAT MATH AS MARGENS DO SAGRADO RIO GANGES EM NAVADWIP DHAM, INDIA.  A DATA DE SUA MANIFESTAÇÄO É 14 DE MARÇO DE 1987, DIA DO DIVINO APARECIMENTO DE SRI CHAITANYA MAHAPRABHU.








                             INDICE

                                                  Página

INVOCAÇÄO                                              4

INTRODUÇÄO                                             6

PLANETAS DE FÉ                                        11

O MEIO-AMBIENTE                                       22

SOB O OLHAR AMOROSO DE DEUS                           34

SENHOR DAS VACAS                                      41

A ILUSÄO DE BRAHMA                                    45

DEUS COMO FILHO                                       57

DEVOÇÄO LIVRE DE CONHECIMENTO                         66

O SANTO NOME                                          81

O SERVIÇO DE SRI RADHA                                92

 que foi sancionado por Sri Chaitanya através de Seu advento era conhecido intimamente apenas por Svarupa Damodara.  Foi adorado por Sanatan e servido por Rupa e seus seguidores.

Raghunatha Dasa  provou  plenamente dessa coisa maravilhosa e realçou-a com sua própria realizaçäo.  E Jiva Goswami apoiou e protegeu-a citando as escrituras.  O sabor dessa verdade divina é a aspiraçäo de Brahma, Shiva e Uddhava, que a respeitam como a meta suprema da vida.  Qual é essa maravilhosa verdade? Que o mais alto néctar de nossa vida é o serviço de Sri Radha.  É a mais elevada dádiva jamais conhecida pelo mundo. ó Bhaktivinoda Thakura, está em teu poder permitir que concedam a graça Dela a nós.  Bhaktivinoda Thakura, por favor seja bondoso para conosco e conceda-nos tua misericórdia.

                           *    *    *

Uma vez, enquanto Krishna e as vacas estavam retornando da floresta de Vrndavana ao final do dia, um menino acabava de alcançar a emancipaçäo espiritual e entrou em Vrndavana como um vaqueirinho.  Vendo Seu servo há muito perdido, Krishna abraçou-o e ambos desmaiaram de êxtase.



                            INVOCAÇÄO

                 amnayah praha tattvam harim iha
                 paramam sarva-shaktim rasabdhim
               tad bhinnamshams ca jivan prakrti-
               kavalitan tad vimuktamsh ca bhavat
                bhedabheda-prakasham sakalam api
                 hareh sadhanam shuddha-bhaktim
               sadhyam tat pritim evety upadishati
                   harir-gauracandro bhaje tam

Aqui, num só verso, Bhaktivinoda Thakura forneceu a própria essência da filosofia Gaudiya Vaisnava.  Ele diz:  "Näo estamos interessados na opiniäo de qualquer pessoa comum:  näo há valor em qualquer opiniäo além do que é verdade revelada (amnaya). Amnaya significa verdade revelada ou escritura que está vindo de uma fonte confiável:  o guru-parampara, uma genuína sucessäo de gurus.

E o que dizem?  Eles enumeram estes fatos:  Hari é o todo de tudo (harim iha paramam).  Qual é a natureza Dele?  Ele é o mestre de todas potências (sarva-shaktim).  E Ele mesmo é o oceano da rasa, êxtase (rasabdhim).

E a alma jiva näo é parte direta Dele, mas uma parte de Sua potência (tad bhinnamshams ca jivan).  Näo uma porçäo plenária (shvamsha), mas uma porçäo parcial (vibhinnamsha).  Tudo é parte de Hari, porém shvamsha significa um avatara e vibhinnamsha significa uma parte de Sua potência, tatastha-shakti.  E por natureza, algumas almas estäo absortas na potência externa, e encontramos algumas no colo da potência interna (prakrti kavalitan tad vimuktams ca bhavat).  Por sua própria existência, algumas almas estäo dentro da svarupa-shakti.  Algumas almas säo liberadas e algumas näo liberadas (mukta e amukta).  Tudo é uma parte de Hari e tem algo em comum com Ele e algo diferente (bhedabheda-prakasham sakalam api hareh).  E o único meio de alcança-Lo é devoçäo pura, devoçäo exclusiva (sadhanam shuddha-bhaktim).  O próprio Hari, na forma de Gaurachandra, está dando a compreensäo de que o amor divino é a meta mais elevada da vida (sadhyam tat pritim evety upadishati harir-gauracandro bhaje tam)

                           *    *    *

















BRHAD-BHAGAVATAMRTA

Porque te afastaste?  Porque estiveste vivendo longe do lar por tanto tempo?  Como foi possível para ti?  Como suportaste a separaçäo de Mim?  Tu Me deixaste e estiveste passando vida após vida sem Mim?  Todavia sei do esforço que empreendeste para retornar a Mim.  Buscaste por Mim em todo lugar, e foste mendigar de casa em casa, e foste repreendido por muitos, ridicularizado por muitos, e derramaste lágrimas por Mim.  Sei de todas essas coisas.  Eu estava contigo.  E agora, após grande dificuldade, novamente retornaste para Mim."
                                  



                           INTRODUÇÄO

A Busca Amorosa do Senhor pelos Seus Servos Perdidos:  Grande intensidade se expressa aqui, de maneira simples.  É uma busca louca - uma campanha urgente.  Com grande sinceridade Krishna vem para salvar Seus servos perdidos.  Krishna vem para nos levar para casa.

No Brhad-Bhagatamrta, está escrito que uma vez, enquanto Krishna e as vacas estavam  retornando da floresta de Vrndavana ao final do dia, um menino acabava de alcançar a emancipaçäo espiritual e entrou em Vrndavana como um vaqueirinho (sakhya rasa).  Vendo Seu servo há muito perdido, Krishna abraçou-o e ambos desmaiaram de êxtase.

Todos outros vaqueirinhos amigos de Krishna ficaram espantados, pensando:  "O que é isso?  Krishna perdeu Seus sentidos por abraçar um novato?  Como isso é possível!"  Entäo, todos os vaqueirinhos presenciaram atônitos, que Balarama veio ao socorro de Krishna e de alguma forma conseguiu acordá-Lo.

Entäo Krishna se dirigiu a Seu amigo com grande afeiçäo:  "Porque te afastaste?  Porque estiveste vivendo longe do lar por tanto tempo?  Como foi possível para ti?  Como suportaste a separaçäo de Mim?  Tu Me deixaste e estiveste passando vida após vida sem Mim?  Todavia sei do esforço que empreendeste para retornar a Mim.  Buscaste por Mim em todo lugar, e foste mendigar de casa em casa, e foste repreendido por muitos, ridicularizado por muitos, e derramaste lágrimas por Mim.  Sei de todas essas coisas.  Eu estava contigo.  E agora, após grande dificuldade, novamente retornaste para Mim."  Dessa maneira, Krishna dirigiu-se a Seu servo há muito perdido e o acolheu dando boas-vindas.  E quando Krishna retornou à casa, levou o novato junto Consigo para tomar prasadam.  Desse modo, um novo recruta é recebido sinceramente pelo próprio Krishna.

Assim a busca do Senhor por Seus servos perdidos é uma busca amorosa; näo é comum, mas sim do coraçäo.  E o coraçäo do Senhor näo é um coraçäo comum.  Quem pode avaliar qual o tipo de busca na qual Ele está ocupado?  Embora Ele seja pleno em todos aspectos, ainda assim sente as dores da separaçäo de cada um de nós, por menores que sejamos.  Apesar de Sua posiçäo suprema, Ele tem lugar para nós num canto de Seu coraçäo amoroso.  Essa é natureza do infinito.   Tal autocrata absoluto, bem absoluto, é Krishna.

Um autocrata näo está sob a Lei.  Näo é que se Krishna Se der para um, outro ficará carente.  O infinito näo é assim; em vez disso, há um infinito suprimento a Seu comando.  Portanto Ele é o empório de rasa (akhila-rasamrta-murtih).  E Ele está buscando por Seus servos perdidos, para trazê-los ao lar.

Senäo näo temos esperança.  Nosso consolo, nosso lenitivo na vida, é que afinal estamos sob os cuidados de um Senhor amoroso.  Os amigos de Krishna pensam:  "Prá que ligar para outros?  Temos Krishna, nosso amigo."  Esse tipo de encorajamento interno, esse encorajamento desesperado, vem de dentro.  "Krishna está ali, Ele é nosso amigo.  Para o quê ligamos?  Podemos tomar veneno, podemos pular na cabeça daquela grande serpente Kaliya, podemos fazer qualquer coisa.  Com Krishna por trás da gente, para que ligarmos?"  Esse sentimento é expressado por Bhaktivinoda Thakura em seu Sharanagati.

                raksa koribo tuhum nishcaya jani
                  pana korobun hama yamuna pani

"Destemido e confiante na Tua proteçäo, hei de beber as águas do Yamuna, quer estejam envenenadas ou näo.

"Sou Tua propriedade.  Deves cuidar de mim; näo podes abandonar-me."

                   kaliya-dokha korobi binasha
                 shodobhi nadi-jala badobi asha
                 bhakativinoda tuwa gokula-dhana
                 rakhobi keshava!  korato janana

"Embora o veneno da serpente Kaliya tenha envenenado as águas do Yamuna, sei que o veneno näo atuará.  Tua presença limpará as águas e assim aumentará nossa confiança na Tua proteçäo.  Bhaktivinoda agora é propriedade de Gokula, Tua morada sagrada.  ó Keshava, bondosamente proteja-o com cuidado."

Como faremos para entrar numa relaçäo amorosa assim com o Senhor?  Por meio da graça de Sri Gauranga.  Um devoto disse:  "Se Gauranga näo tivesse vindo, como poderíamos viver?  E quem nos informaria sobre a perspectiva final da vida?"  Temos essa grande perspectiva.  E no entanto, sem Gauranga, quem teria vindo nos informar de que temos tanta fortuna internamente?  E Sri Gauranga diz:  "Näo sabeis, mas tendes essa grande magnitude de fortuna."  A vinda Dele para nos informar é como o astrólogo que lê o horóscopo de um pobre e lhe diz:  "Porque estás vivendo esta vida pobre?  Tens imensa fortuna enterrada no solo.  Tenta recuperá-la.  És täo grande e teu guardiäo é täo amoroso e täo elevado, e no entanto estás vagando como um pobretäo na rua?  Que é isso!  Näo és um desamparado, näo é que näo tens um guardiäo.  Apenas tens que lembrar de teu misericordioso guardiäo."

No Srimad-Bhagavatam 11.5.32 onde se menciona o Kali-yuga avatara, encontramos evidência do advento de Sri Chaitanya Mahaprabhu.  Ali está escrito:

                   krsna-varnam tvisha 'krsnam
                    sangopangastra-parshadam
                   yajnaih sankirtana-prayair
                     yajanti hi su-medhasah

"Na era de Kali, pessoas de grande piedade e inteligência iräo adorar o Senhor como Sri Chaitanya Mahaprabhu.  Ele aparecerá numa forma dourada cantando o nome de Krishna, acompanhado por Seus associados e séquito."

E depois disso, há dois outros versos sobre Sri Chaitanya Mahaprabhu:

                  dhyeyam sada paribhava-ghnam
                         abhishta-doham
           trithaspadam shiva-virinci-nutam sharanyam
                   bhrtyarti-ham pranata-pala
                         bhavabdhi-potam
              vande maha-purusha te caranaravindam

O Srimad-Bhagavatam 11.5.33 explica aqui, que "aquela mesma personalidade que veio como Ramachandra e Krishna novamente apareceu.  Ele veio para nos dirigir na verdadeira realizaçäo da vida.  Ele está atraindo o mais doce néctar lá do alto para todos.  Meditem só Nele e todos problemas acabaräo.  Ele purifica todos locais sagrados de peregrinaçäo e grandes pessoas santas através de Seu toque e por meio de Seu sankirtana.  Ele atrai para cá as coisas mais elevadas lá do plano mais alto.  E mesmo Brahma e Shiva, confundidos por Sua nobre dádiva, começaräo a louvá-Lo.  Eles aspiraräo ansiosamente por tomar refúgio sob Seus pés de lótus, em rendiçäo.  As dores de todos que vêm para serví-Lo seräo removidas, e suas necessidades internas seräo realizadas.  E Ele tomará conta daqueles que tomam refúgio Nele; eles receberäo proteçäo bem como tudo que possam precisar.  Nesse mundo no qual a mortalidade governa, onde estamos continuamente experimentando as indesejáveis mudanças de repetidos nascimentos e morte, nessa área onde ninguém quer viver, um grande navio virá por nossa causa e nos levará para dentro, e carregará para longe dessa desagradável posiçäo.  Caiamos aos pés dessa grande personalidade que veio para nos dar o mais elevado néctar."

                  tyaktva sudustyaja-surepsita
                          rajya-laksmim
             dharmistha arya-vacasa yad agad aranyam
              maya-mrgam dayitayepsitam anvadhavad
              vande maha-purusha te caranaravindam

"ó Senhor Supremo, deixaste a deusa da fortuna e sua grande opulência, que é muito difícil de abandonar, e é buscada até mesmo pelos deuses.  A fim de estabelecer perfeitamente os princípios da religiäo, saíste para a floresta a fim de honrar a maldiçäo de um brahmana.  Para salvar as almas pecaminosas que perseguem prazeres ilusórios, procuras por elas e lhes concedes Teu serviço devocional.  Ao mesmo tempo, estás ocupado numa busca por Ti próprio, numa busca por Sri Krishna, a Realidade, o Belo."

Esse verso em geral se aplica ao Senhor Ramachandra, que deixou Seu reino, e depois de ir para a floresta com Sitadevi para cumprir com seus deveres designados por Seu pai, perseguiu o maya-mrgam, veado dourado.  Srila Visvanatha Chakravarti Thakura entretanto, mostra como esse verso também se aplica a Sri Chaitanya Mahaprabhu.  Ele diz que a palavra maya-mrgam significa que Sri Chaitanya Mahaprabhu corria atrás das almas que estäo envolvidas por maya ou a concepçäo equivocada.   A palavra maya-mrgam, quando aplicada a Ramachandra, significa que Ele correu atrás de Marici, que tomara a forma de um veado dourado.  Quando aplicadas no caso de Sri Chaitanya Mahaprabhu, as palavras maya-mrgam anvadhavat significam "Ele perseguiu aquelas almas que estäo na ilusäo a fim de salvá-las.  Ele correu no encalço das almas caídas como um salvador, para salvá-las da maya ou ilusäo."

Visvanatha Chakravarti Thakura também deu outra interpretaçäo:  ele diz que dayitaya ipsitam significa "é desejado pelo amado", isto é, a busca por Krishna.  Dessa forma, ele identifica duas qualidades no Chaitanya avatara:  Ele alivia as almas caídas, e Ele busca por Krishna no humor de Sua amada (dayitayepsitam anvadhavat).  Inspirado pelo humor de dayita, Sua amada, Srimati Radharani, Ele correu atrás das almas aprisionadas para salvá-las.  Aqui encontramos a referência escritural, a semente dessa concepçäo.  Ele está em busca das almas perdidas, absorvido numa procura amorosa por Seus servos perdidos.

E por toda vida de Sri Chaitanya Mahaprabhu e de Seu outro ser, Nityananda, é muito claro que Eles, sendo Eles próprios a Suprema Entidade, estäo procurando pelas almas caídas para salvá-las.  Isto será a espinha dorsal de nossa concepçäo da busca amorosa do Senhor por Seus servos perdidos.

E também foi dito:

                     yada yada hi dharmasya
                     glanir bhavati bharata
                     abhyuthanam adharmasya
                      tadatmanam srjamyaham

                      paritranaya sadhunam
                     vinashaya ca dushkrtam
                    dharma-samsthapanarthaya
                      sambhavami yuge yuge

"Onde quer que haja declínio na religiäo e a irreligiäo prevaleça, Eu apareço.  A fim de proteger as pessoas santas e punir os maus, bem como restabelecer os princípios religiosos, Eu apareço milênio após milênio."  Aqui Krishna diz:  "Eu venho aqui de vez em quando para ajudar a reestabelecer as injunçöes escriturais, bem como para acabar com os demoníacos."  Estas säo as referências das escrituras que descrevem como Krishna vem em busca de Seus servos.  Aceitando estas declaraçöes como nosso ponto de partida, podemos ver que Ele está sempre vindo a esse mundo para ajudar as almas caídas, Seus próprios servos.

Qual é a posiçäo das almas caídas?  No Sri Chaitanya-caritamrta, Srila Krsnadasa Kaviraja registra Sri Chaitanya Mahaprabhu instruindo Sanatana Goswami:

           jivera 'svarupa 'haya - krsnera 'nitya-dasa
          krsnera 'tatastha-shakti  bhedabheda-prakasha

              krsna bhuli sei jiva anadi-bahirmukha
               ataeva maya tare deya samsara dukha

"A natureza constitucional da alma jiva é de uma serva eterna de Krishna; a alma jiva é uma manifestaçäo da divindade que é una com Krishna e diferente Dele.  As almas jivas säo a potência marginal do Senhor.  Embora na realidade sejam servas de Krishna, desde tempos imemoriais, elas tem se ocupado na concepçäo equivocada, como agentes exploradores."  A fim de salvar Seus servos perdidos, o Senhor vem de vez em quando para levá-los de volta para Seu próprio lar.

Em outras religiöes podemos encontrar muitos messias vindo para auxiliar-nos a reencontrar nosso caminho de volta para a consciência de Deus, a partir da consciência mundana.  Entretanto embora vejamos essa concepçäo em outros países e outras tradiçöes religiosas, na India a encontramos de modo mui profuso e sistemático.

No Srimad-Bhagavatam 11.14.3 Krishna diz:

                      kalena nasta pralaye
                      vaniyam veda-samjnita
                     mayadau brahmane prokta
                    dharmo yasyam mad-atmakah

"Pela influência do tempo, o som transcendental do conhecimento védico foi perdido na época da devastaçäo.  Novamente, na época da criaçäo, Eu primeiro inspirei Brahma, o criador, de dentro de seu coraçäo.  E entäo, através de Brahma, tantos discípulos foram iluminados.  Estes por sua vez iluminaram seus discípulos.  E dessa maneira, a linhagem da verdade revelada descende de Mim."

E no Bhagavad-gita Krishna diz:

                      imam vivasvate yogam
                     proktavan aham avyayam
                      vivasvan manave praha
                     manur iksvakave' bravit
                     evam parampara-praptam
                      imam rajarshayo viduh
                       sa kaleneha mahata
                      yogo nastah parantapa

"Primeiro, instruí o deus do sol Surya nesse conhecimento, e de Surya foi passado para Manu, e de Manu para Iksvaku; assim desde os primórdios do tempo, estou dando Meus ensinamentos a outros, transmitindo a verdade de que Eu sou a meta por meio dessa sucessäo discipular, geraçäo após geraçäo."

Dessa maneira, Krishna aparece repetidamente para reinvindicar Seus servos desde muito perdidos.  E, como Sri Chaitanya Mahaprabhu, Krishna também está provando Sua própria doçura.  Quando deseja distribuí-la aos devotos, a causa é Sua potência extática (hladini-shakti).  Quando Krishna Se combina com Sua potência como Sri Chaitanya Mahaprabhu, Ele Se torna o acharya.  Assim Krishna diz:  acharyam mam vijaniyan:  "Saibam que Eu sou o acharya".  Sua acharya-lila é Sua auto-distribuiçäo, e através disso Ele está levando Seus servos perdidos para casa.  Sua forma de recrutar é distribuir conhecimento sobre Si mesmo e devoçäo por Si próprio, e entäo levá-los ao lar.

Em Vrndavana, Krishna está saboreando rasa dentro de Seu próprio círculo, e em Navadvipa, como Sri Gauranga e Seu grupo, Ele está saboreando a Si próprio e distribuindo o sabor para outros.  Sua distribuiçäo e recrutamento säo uma e mesma coisa.  Distribuindo a Si mesmo, Ele está atraindo nossos coraçöes para Ele, levando-nos para o lar.  A auto-distribuiçäo do Absoluto destina-se a atrair-nos de volta para casa, de volta para Deus, e desta maneira, o Senhor está eternamente ocupado em Sua busca amorosa por Seus servos perdidos.

                           *    *    *

                           A GRADAÇÄO

Assim como no mundo tangível existe o sol, a lua, e tantos outros planetas, no mundo da fé há uma gradaçäo de sistemas planetários.  Temos que examinar cuidadosamente as escrituras, aproveitar da orientaçäo dada por santos e entender como o progresso da fé até o plano mais elevado é alcançado por eliminar planos inferiores.

                           *    *    *

                         PLANETAS DA FÉ
Fé é o único meio pelo qual podemos ver, ouvir ou sentir o mundo superior; senäo fica tudo sem sentido para nós.  Para entender aquele plano, é necessário um despertar interno.  Podemos conectar com o mundo superior apenas através de uma fonte mais elevada.  Por isso divyam jnanam, conhecimento do plano superior, näo é conhecimento comum; é transcendental, sentimento e sentido supramental.
Mas para perceber isso, a rendiçäo é compulsória.  Depois disso, poderemos continuar a ouvir e cantar, lembrar e adorar e louvar o Senhor, ou prestar tantos outros tipos de serviço, mas a primeira coisa - o fundamento da devoçäo - deve ser auto-rendiçäo.  Senäo nada se efetuará; nossa demonstraçäo de devoçäo será tudo imitaçäo.

Devemos sentir sinceramente:  "Serei fiel em meu serviço ao Senhor Supremo.  Destino-me a Ele.  Estou pronto para morrer a fim de viver.  Quero viver para Ele apenas e näo para realizar qualquer interesse separado.  Näo quero nada menos que o absoluto.  Quero ser todo Dele."  Este tipo de intensidade é uma necessidade indispensável para um devoto.  Um devoto tem que conceber, sentir, que se destina a Krishna.  Ele näo é uma entidade independente; ele depende de Krishna - o mais elevado centro absoluto - e nada mais.

Identificar-nos com nossa família, sociedade ou país é egoísmo estendido, contudo toda falsa identificaçäo deve ser eliminada.  Temos que ser nem egoístas nem enredados em egoísmo extrapolado.  Em vez disso, toda sorte de contaminaçäo externa deve ser eliminada de nossa concepçäo do eu.  Todas demandas exteriores devem ser canceladas.  Entäo sentiremos na intimidade de nossos coraçöes que estamos conectados com todo o infinito, o absoluto.

E nada externo é necessário para nosso sucesso.  A única coisa que se pede da nossa parte é que desmantelemos a cobertura do ego.  O ego está acumulando alguns elementos externos, mas essa caixa coletora externa tem que ser dissolvida - destruída - e entäo, no âmago de nossos coraçöes, encontraremos nossa conecçäo com o plano fundamental de serviço amoroso ao todo orgânico.

Tanto o gozo como a renúncia säo abnormais.  Säo dois tipos de demônios:  desfrute ou exploraçäo, e eterno descanso ou renúncia.  Estas duas tendências säo nossas inimigas.  Uma vida positiva mais elevada só é possível quando nos tornamos totalmente independentes tanto da exploraçäo quanto da renúncia.

Tudo nos auxiliará se conseguirmos ver em conecçäo com o centro.  Por outro lado, o tipo de renúncia exclusiva praticada pelos shankaritas e budistas näo é recomendada por nossa linha.  Estamos interessados em harmonizar as coisas de modo que tudo nos lembre de nosso dever para com o absoluto, e nos encoraje a nos dedicar a Ele.

                     prapancikataya buddhya
                     hari-sambandhi-vastunah
                     mumukshubhih parityago
                    vairagyam phalgu kathyate

                       anasaktasya visayan
                     yatharham upanyunjatah
                   nirbandhah krsna-sambandhe
                     yuktam vairagyam ucyate
                                   (Bhakti-rasamrta-sindhu)

Negligenciar o meio-ambiente, pensando que está cheio de coisas materiais indesejáveis, näo nos auxiliará.  Isso näo é correto.  Tudo dentro do meio-ambiente deve nos lembrar do absoluto.  Nesse espírito devemos nos movimentar, pensando:  "Aceite e conecte-me com o serviço de nosso Senhor."  Quando o meio-ambiente é visto com a visäo correta, tudo ajudará a encorajar e incitar-nos em nosso serviço ao centro.  Estamos vivendo num todo orgânico, um sistema.  E esse sistema é composto de proprietário e propriedade, o possuidor da potência e os diferentes tipos de potências (shakti-shaktiman).

EMPORIO DE RASA

A potência do Senhor é dinâmica, e esse dinamismo está sempre produzindo rasa ou o sabor do êxtase.  A lila inteira está produzindo êxtase (anandam, rasam).  O próprio Krishna é o empório de rasa (akhila rasamrta murtih... anan-damaya vilasa).  Movimento dinâmico é uma necessidade em Sua lila; näo pode ser eliminado.  E esse movimento está sempre produzindo um novo êxtase que alimenta cada átomo do mundo espiritual.  Nessa morada transcendental, Krishna é o centro que atrai tudo e provoca rasa e anandam, êxtase e júbilo dentro de tudo.  Essa é a natureza do movimento do absoluto.  Näo é extático, mas dinâmico - cheio de movimento.  E esse movimento é prati-padam-purnamrtasvadanam:  a cada ponto, a cada passo, produz um novo tipo de alegria que é infinita.  Näo é a velha e estéril alegria que encontramos por aqui. 

Essa é a devida concepçäo do absoluto.  O todo orgânico, que está sempre trabalhando e movendo, é pleno, e sua plenitude é sempre nova.  Näo está parado ou estático.  Move-se de tal maneira que a cada segundo, cada minuto, está sempre produzindo júbilo novo, desconhecido, infinito.  E podemos adquirir esse júbilo apenas pagando o mais alto preço:  auto-sacrifício.  Esse bilhete é muito valioso, pode conseguir nosso ingresso no plano do júbilo automaticamente movimentado, que é sempre novo a cada segundo.  E o bilhete é o auto-sacrifício integral.

Esse sacrifício é jubiloso, e pode-se provar desse maravilhoso júbilo até mesmo aqui nesse mundo, onde a cada momento tudo está morrendo.  É dar e tomar.  Se quisermos obter algo nobre, devemos também dar.  Temos que ser generosos em nossa dedicaçäo, e entäo receberemos amplamente daquele lado.  Auto-sacrifício integral é o preço, e em troca, seremos abarrotados de êxtase:  anandam budhi-vardanam.  Sentiremos que estamos em meio a um oceano de júbilo.  No presente, estamos procurando um sentimento jubiloso - tal como quem procura por um copo d'água no meio do deserto.  Porém pela dedicaçäo, descobriremos que estamos num oceano de júbilo cuja doçura suavizante está aumentando a cada momento.

A qualidade do júbilo possui variedade, e vem para nos auxiliar em nossa atitude de servir, de modo que a cada momento poderemos sentir novo encorajamento.  Assim temos que indagar do devido agente, seguir seu conselho, e tentar entender como melhorar nossa condiçäo.  Ao mesmo tempo, devemos estar conscientes de que a chance que temos de prestar serviço devocional se encontra raramente.  Näo é muito barato.  Portanto, temos que utilizar cada minuto, cada segundo, cada momento.  Devemos estar muito alertas para näo perder sequer um momento, para que nossa tentativa de nos dedicar possa continuar constantemente sem ser interrompida.  Esse estágio de dedicaçäo se chama nistha, e quando alcançamos esse estágio, nosso paladar melhora mais e seremos mais e mais encorajados a ir adiante e fazer progresso rumo à realizaçäo máxima.

SETE DIAS PARA VIVER

Sukadeva Goswami disse para Pariksit Maharaja que sete dias de longevidade é suficiente para obter a perfeiçäo.  Ele disse:  "Restam-lhe apenas sete dias de vida; acha que é pouco tempo?  É tempo suficiente.  O que é de importância máxima é a devida utilizaçäo de cada segundo."  Quanto tempo temos em nossas mäos é incerto, mas temos que tentar o melhor que pudermos, utilizar corretamente cada segundo.  Isso näo deve ser negligenciado.  Näo devemos pensar: "O futuro está diante de mim; qualquer hora que eu queira, posso me ocupar no vantajoso assunto da vida espiritual."  Näo se deve perder um segundo.  Longfellow escreveu:

Näo confia em nenhum futuro, por mais agradável que seja!
Que o Passado morto enterre seus mortos!
Age, - age, no Presente vivo!
Com o coraçäo dentro, e Deus acima!

O Presente está em nossas mäos.  Näo sabemos sobre o futuro.  Temos que tentar usar o tempo disponível da melhor maneira.  E como nosso tempo poderá ser melhor utilizado?  Na associaçäo de santos e escrituras.

A pureza deve ser medida pela unidade do sacrifício.  E näo o sacrifício a qualquer interesse parcial, mas sacrifício ao todo.  O todo absoluto foi nos mostrado como sendo o empório de rasa (akhila rasamrta murtih) - o bem absoluto, o autocrata, o desenhista e destinador de tudo que vemos.  Nosso ideal de sacrifício deve ser täo alto que possamos abandonar até mesmo os resultados correspondentes do sacrifício.  Auto-abnegaçäo, ou auto-rendiçäo, em geral é conhecido como atma-nivedanam.  Contudo, atmaniksepa é uma palavra mais forte para rendiçäo.  Significa:  "jogar-se desesperadaamente ao infinito".  Devemos ser desesperados no auto-sacrifício.  No auto-sacrifício temos que ser muito cuidadosos para näo aspirar por um egoísmo maior ou mais extenso, mas de rendermo-nos apenas ao centro.  Sacrifício destina-se ao centro - Krishna - que atrai todos.

Ao realizarmos essa posiçäo, estamos interessados em duas coisas - conhecimento transcendental (sambandha), e os meios para alcançar a meta (abhideya).  Se realizarmos estes corretamente, entäo a realizaçäo da meta máxima (prayojana) virá automaticamente.  Estaremos muito conscientes do centro ao qual estamos dedicando tudo.  O objeto de nossa realizaçäo (sambandha), e nossa dedicaçäo ou pureza de propósito (abhidheya) - estas duas coisas säo de importância máxima.  Isso pode ser entendido pelas escrituras e os santos.  E se nos interessarmos pela meta mais pura e o sacrifício mais elevado, a meta virá por si mesma.  Näo devemos nos preocupar com qualquer remuneraçäo.  Só temos que fazer nosso dever e a remuneraçäo virá.  A quem nos dedicaremos e o que iremos receber - essas coisas devem ser discutidas, pensadas, meditadas, e colocadas em prática.  Dessa maneira, devemos tentar viver no infinito.  Devemos sempre ficar ocupados no cultivo do amor infinito e da beleza infinita conforme recomendado por Sri Chaitanya Mahaprabhu.

OCEANO DE FÉ

Embora o objeto da fé de nosso coraçäo seja infinito, ainda assim, algumas concepçöes Dele foram dadas pelos homens com experiência no oceano da fé.  No oceano da fé, muitos tiveram sua experiência especial, e isso foi registrado nas escrituras.  Através disso podemos nos aproximar dos santos que se alçam como faróis para nos auxiliar a cruzar o oceano de nesciedade.  Mas tem que ser fidedigna e näo meramente uma criaçäo misturada ou uma imitaçäo.  Pode ser possível também imitar a coisa verdadeira, pegando nossa experiência mundana e introduzindo-a no mundo da fé.  Portanto devemos nos aproximar daquele plano com muito cuidado através da linhagem dos santos confiáveis.

Devemos cuidar bem para sabermos as qualificaçöes de um verdadeiro santo.  Seus sintomas säo dados nas escrituras.  E quem é um discípulo e qual deve ser sua atitude.  Todas essas coisas estäo nas escrituras.

E a fé é requisito para se trabalhar nesse substancial mundo consciente, que é subjetivo.  Isso é a coisa mais importante que temos de lembrar: o infinito é subjetivo.  Pode nos guiar e ser afetuoso para conosco.  Devemos contar com todas essas coisas.  Ele pode nos guiar.  A verdade revelada repousa sobre este fundamento:  näo podemos nos aproximar de Krishna pelo método ascendente, porém Ele pode descer até nosso nível para dar-Se a conhecer.  Devemos entender este ponto muito fundamental e substancial:  Ele pode vir até nós, e só pela fé é que nós podemos chegar a Ele.

Shraddha - fé - é mais importante que a verdade calculista.  O exemplo de grandes almas é mais valioso para nós que nosso cálculo humano.  A verdade externa, material, física näo tem muito valor.  Em vez disso, é uma atitude falsa da mente que é muito forte.  Essa verdade física näo deve receber mais respeito que as práticas intuitivas dos devotos puros; mas sim, a intuiçäo de um devoto puro deve ter preferência aos cálculos da verdade feitos por homens comuns.

Fé näo possui nenhuma conecçäo com a assim chamada realidade desse mundo.  É completamente independente.  Há um mundo que é guiado apenas pela fé (shraddha-mayam-lokan).  Fé é tudo ali, e é infinita e oniabarcante.  No mundo da fé, tudo pode ser verdade pela doce vontade do Senhor.  E aqui, na terra da morte, o cálculo é inconclusivo e destrutivo em sua meta final;  näo tem nenhum valor no final das contas.  Deve ser rejeitado.  O conhecimento no qual os materialistas se encaixam, o cálculo falível das almas exploradoras, näo tem nenhum valor.  Mas no mundo do infinito, a fé é o único padräo de acordo com o qual tudo se movimenta.

               svayam samuttirya sudustaram dyuman
               bhavarnavam bhimam adabhra-sauhrdah
                bhavat padambhoruha-navam atra te
                nidhaya yatah sad-anugraho bhavan
                            Srimad Bhagavatam  10.2.31

Aqui, o Srimad-Bhagavatam diz que assim como no vasto oceano, quando nada mais pode ser visto, o compasso é a única orientaçäo, também no mundo do infinito, nossa única guia säo os passos daquelas grandes almas que viajaram no caminho da fé.  O caminho foi marcado pelos santos passos daqueles que foram para o quadrante mais elevado.  Isso é nossa única esperança.  Yudhishthira Maharaja também diz que o verdadeiro segredo está oculto no coraçäo dos santos, assim como um tesouro se esconde numa misteriosa caverna (dharmasya tattvam nihitam guhayam).  A larga linha que leva à verdade é demarcada por aqueles que estäo indo para o mundo divino.  E isso é nossa guia mais segura.  Todos outros métodos de orientaçäo podem ser eliminados porque o cálculo é falível.

Orientaçäo vem do absoluto infinito.  E a orientaçäo Dele pode vir de qualquer forma, em qualquer lugar, a qualquer hora.  Com esta larga visäo, devemos perceber o significado de Vaikuntha.  Vaikuntha significa "sem limites".  É como se estivessemos num barco flutuando num infinito oceano.  Muitas coisas podem vir nos ajudar ou atrapalhar.  Mas somente nossa boa fé otimista poderá ser nossa guia, nosso gurudeva.  O guia é Sri Guru.

               nr-deham adyam sulabham sudurlabham
                plavam sukalpam guru-karnadharam
                  mayanukulena nabhasvateritam
              puman bhavabdhim na taret sa atma ha
                              Srimad-Bhagavatam 11.20.17

No infinito oceano embarcamos em nosso pequeno barco, a forma humana de vida, e nosso destino é incerto e inconcebível.  Porém é concebível para nosso gurudeva (guru karnadharam)  Nosso guru é nosso guia - o capitäo do barco.  E nós temos que progredir com fé sincera.  Estamos tentando atravessar um oceano horrível com grandes ondas e perigosos tubaröes e baleias que engolem outras baleias.  É cheio de perigo.  A orientaçäo de santos é nossa única esperança.  Temos que depender deles.  Eles se alçam como faróis no infinito oceano para nos guiar à terra da fé.

Fé significa "esperança no infinito".  Vaikuntha significa "infinito".  E shraddha significa "boa fé".  Assim como existe um local chamado Cabo da Boa Esperança, shraddha significa supercarregado de boa esperança no infinito.  Vaikuntha é infinito, e se desejarmos atrair a atençäo do infinito, o único caminho aberto a nós é shraddha.

Somente através de shraddha, podemos atrair o infinito.  E quando shraddha se desenvolve numa forma definitiva, após progredir por bhava, emoçäo extática, shraddha se torna prema - amor divino.  Colombo partiu em viagem, e após longa jornada, finalmente chegou na América; ele chegou na terra da boa esperança.  Da mesma maneira, com esperança, shraddha, fé, podemos, após atravessar Vaikuntha, chegar no local mais elevado do cosmos espiritual.  Shraddha é nossa luz na escuridäo.

Somente shraddha pode nos guiar quando somos viajantes no infinito.  "Escutei que esse é o caminho para aquele lugar" - esse espírito manterá nossos coraçöes vivificados.  A definiçäo de shraddha é dada no Chaitanya-caritamrta:  "Fé é a convicçäo firme de que por servir Krishna, todos outros propósitos automaticamente säo servidos."  Nenhum risco, nenhum ganho. Maior risco, maior ganho.  Krishna nos assegura:  "Eu estou em todo lugar - näo há nenhuma necessidade de ter medo.  Basta realizar que Eu sou teu amigo.  Sou o todo de tudo, e tu és Meu.  Acreditar nisso é teu único bilhete para a jornada até a terra da fé."

A Verdade Absoluta, a substância transcendental que é objeto de nossa indagaçäo através da fé, está dotada de todo poder e toda consciência.  Ele é bondoso, benevolente, e doce.  Seu poder é infinitamente superior ao nosso, e nós somos infinitamente menores que Ele.  Nossa atitude deve ser que comparados a Ele, somos insignificantes.

Qual será entäo, o verdadeiro sintoma de um discípulo?  Quem é um verdadeiro buscador da verdade?  Qual é a qualificaçäo de quem está buscando pela verdade - qual é sua atitude, sua natureza?  E qual será o sintoma do guru, o guia? 

No Bhagavad-gita Sri Krishna diz:

                     tad viddhi pranipatena
                      pariprashnena sevaya
                     upadekshyanti te jnanam
                    jnaninas tattva-darshinah

"Pode-se aprender a verdade somente aproximando-se submissamente e indagando daqueles que viram e experimentaram a verdade.  E por render serviço a eles, nos tornamos iniciados no conhecimento transcendental."

O que é preciso?  Pranipat, submissäo, e seva, serviço.  Entäo a indagaçäo será fidedigna; outrossim será uma transaçäo falsa:  poderá näo ter valor.  Pode ser tudo desperdício de energia.  Fé genuína näo nos permite acharmos que temos liberdade para fazer qualquer coisa e tudo.  Se for uma transaçäo verdadeira, deve haver alguma orientaçäo superior.  Assim shraddha, fé, é a coisa mais importante para um devoto.

Quando se desenvolve fé, fazemos tudo para nos aproximar do reino subjetivo superior.  Quem tem fé quer conectar-se com essa substância superior, composta de eternidade, conhecimento e êxtase. A fé se movimenta considerando a existência, conhecimento e amor.  E quando estes três pontos principais säo realizados, nossa existência se satisfaz plenamente.  A fé nos solicita para nos aproximarmos do mundo superior, näo do inferior.  E pensar:  "De todas maneiras Krishna é superior.  Ele é nosso guardiäo e bem-querente", é a base da fé.

Os racionalistas estäo sempre procurando com seus cérebros científicos por diferentes maneiras de utilizar e comandar as coisas que descobriram em sua pesquisa.  Porém a fé lida com uma substância bem superior em todos respeitos, que o próprio buscador.  Quem é um indagante quanto a uma substância superior deve inquirir com o que em geral conhecemos por fé.

A devida orientaçäo na fé também é necessária, e esta é dada pelo plano superior.  Essa deve ser a atitude de nossa indagaçäo ou busca, se for para termos sucesso.  Portanto o Bhagavad-gita aconselha:  pranipat, pariprashna, sevaya - Rendam-se, indaguem, e sirvam."  Nos Upanishads é dito:

            tad vijnarnartham sa gurum evabhigacchet
             samit panih shrotriyam brahma-nishtham

"Para compreender o Absoluto, devemos nos aproximar de um guru que está fixo no conhecimento espiritual e é bem versado nas escrituras.  E devemos aproximar-nos do guru estando preparados para sacrifícios."  Essa é a instruçäo geral dos Upanishads.

O Srimad-Bhagavatam 11.3.21 também aconselha semelhantemente:

                     tasmad gurum prapadyeta
                    jijnasuh shreyah uttamam
                    shabde pare ca nishnatam
                    brahmany upashamashrayam

"Quem deseja buscar seriamente por sua mais elevada perspectiva deve tomar completo refúgio de um guru que tenha profundas realizaçöes do Senhor Supremo e do sentido interno das escrituras.  Tais mestres espirituais deixaram de lado todas consideraçöes em favor da suprema consideraçäo absoluta."

Devemos ficar muito atentos a estas coisas.  Devemos tentar compreender através de auto-exame se estamos realmente nos aproximando da divindade através da fé.  Também devemos tratar de garantir que nossa fé seja real.  A fé correta e credulidade näo säo o mesmo.  É preciso considerar se somos buscadores fidedignos da verdadeira fé ou alguém cuja fé está adulterada.  E há sintomas de verdadeira fé.  Temos que consultar autoridades superiores para nos guiar, porque fé é uma coisa de muita importância.

Se estamos buscando pela verdade, estamos insatisfeitos com nossa presente aquisiçäo.  Estamos aceitando um risco para lançarmo-nos a uma perspectiva superior.  Portanto temos que aceitar orientaçäo cuidadosamente.  Temos que estar atentos ao máximo possível.  Dizem-nos que nossa atual razäo näo é suficiente para nos ajudar; que mais que a razäo, é preciso shraddha, e esta também possui seus sintomas.  Ainda assim, aplicaremos nossa razäo o máximo possível.

Inicialmente quando vim para a missäo, pensei:  "As verdades transcendentais que ouço desses devotos näo entram dentro do âmbito da inteligência mundana, contudo quando eu quiser me atirar nessa associaçäo, empregarei minha razäo e intelecto ao máximo possível, entendendo que vou atirar-me em algo que está além de meu controle, além de meus cálculos.  Assim devemos cuidadosamente compreender o que é shraddha, com a orientaçäo de santos, escrituras, e gurus.

É claro, mesmo se estivermos indo pelo caminho certo, nunca é certo que o caminho será livre de obstáculos.  Mesmo se estamos fazendo progresso, inesperados obstáculos poderäo perturbar-nos e atrasar nosso avanço.  Embora vejamos muitos ao nosso redor caindo ou batendo em retirada, devemos ir adiante.  Devemos ter a convicçäo de pensar que embora muitos iniciaram na senda conosco e agora estäo retrocedendo, nós vamos ter que continuar.  Vamos ter que fortalecer nossa energia e seguir adiante - sozinhos caso necessário.  Nossa fé deve ser täo forte que tenhamos a convicçäo de seguir adiante sozinhos caso necessário e pela graça do Senhor atravessar quaisquer dificuldades que encontrarmos em nosso caminho.  Dessa maneira devemos tornarmo-nos aptos.  Devemos desenvolver devoçäo exclusiva.  É claro, sempre tentaremos encontrar boa associaçäo.  Contudo às vezes poderá parecer que näo há associaçäo, que estamos sozinhos.  Mesmo assim, devemos seguir adiante e buscar o farol da verdade.

Progresso significa eliminar uma coisa e aceitar outra.  Entretanto devemos ter capacidade de ver que há tantos outros que podem nos ajudar em nosso progresso na linha da dedicaçäo; devemos seguir adiante com nossos olhos abertos.  E as escrituras descrevem muitos níveis que teremos de atravessar em nosso progresso.  Por eliminaçäo, a senda do progresso é mostrada de Brahma a Shiva até Lakshmi.  Afinal se mostra que Uddhava é superior a todos.  Mas a opiniäo dele é que as gopis säo as mais elevadas devotas.  Isso é confirmado por Rupa Goswami:

                karmibhyah parito hareh priyataya
                     vyaktim yayur jnaninas
               tebhyo jnana-vimukta-bhakti-paramah
                     premaika-nishthas tatah
              tebhyas tah pashu-pala-pankaja-drshas
                      tabhyo 'pi sa radhika
               preshtha tadvad iyam tadiya-sarasi
                     tam nashrayet kah krti

                                   - Sri Upadeshamrta (10)

"Existem aqueles no mundo que regulam sua tendência à exploraçäo de acordo com as regras escriturais e assim buscam gradual elevaçäo ao domínio espiritual.  Contudo, säo superiores a estes, os sábios que, abandonando a tendência de dominar os outros, tentam mergulhar fundo no reino da consciência.  Porém bem superior a estes, säo os devotos puros que estäo livres de quaisquer ambiçöes mundanas e estäo liberados do conhecimento, näo pelo conhecimento, tendo alcançado o amor divino.  Eles conseguiram ingressar na terra da dedicaçäo e estäo espontaneamente ocupados ali no serviço amoroso do Senhor.  Entre todos devotos, entretanto, as gopis säo as mais elevadas, pois elas deixaram todos, inclusive suas famílias, e tudo, inclusive as escrituras dos Vedas, e tomaram refúgio completo aos pés de lótus de Krishna, aceitando-O como sua única proteçäo.  Mas entre todas gopis, Srimati Radharani reina suprema.  Pois Krishna deixou a companhia de milhöes de gopis durante a dança da rasa para procurar somente por Ela.  Ela é täo querida por Sri Krishna que a lagoa na qual Ela Se banha é o local favorito Dele.  Quem, além de um louco, näo aspiraria a prestar serviço, sob o refúgio de devotos superiores, nos mais exaltado de todos locais sagrados?"

APROFUNDA-TE, ELEVA-TE

Em Suas conversas com Ramananda Raya, Sri Chaitanya Mahaprabhu disse repetidamente eho bahya, age kaha ara.  Aprofunda-te, eleva-te!  Existem tantos que consideram sua posiçäo como sendo a mais elevada, e que chegando a certo estágio, param por ali.  Mas descobrimos no Brhad-Bhagavatamrtam de Sanatana Goswami, que Gopa-kumara, começando desde o mais baixo estágio de devoçäo, gradualmente progrediu através dos diferentes níveis, e afinal chegou à concepçäo Krishna na doçura da amizade - sakhya rasa.  Ali se descreve como ele gradualmente elimina um estágio e continua a progredir até os estágios mais elevados de devoçäo.

Conforme progride de um nível ao seguinte, todos parecem ajudá-lo bastante, porém gradualmente, a companhia deles parece-lhe tornar-se sem graça, ultrapassada.  Nessa hora, uma chance mais elevada lhe é dada através de um agente da divindade e, deixando aquele plano para trás, ele vai para um plano novo e mais elevado.  Dessa maneira, o progresso da dedicaçäo é mostrado no Brhad-Bhagavatamritam.

LUZ SUPERIOR

Assim como no mundo tangível existe o sol, a lua, e tantos outros planetas, no mundo da fé existe uma gradaçäo de sistemas planetários.  Temos que perscrutar as escrituras, aproveitar a orientaçäo dada pelos santos, e entender como se consegue o progresso da fé até o plano mais elevado, por eliminar os planos inferiores.  E sempre que houver alguma dúvida, devemos consultar algum agente mais elevado a fim de fazermos progresso.


A realidade espiritual é a existência eterna, completa consciência, e êxtase.  A mera existência näo consegue nos realizar.  Mesmo nosso sentimento e anseio interior, consciência, näo é suficiente.  Precisamos de rasa e ananda, êxtase, para nos dar realizaçäo.

A realizaçäo espiritual também é de tipos diferentes.  Temos que distinguir entre diferentes concepçöes espirituais, e nossas escolhas melhoram conforme mergulhamos mais e mais fundo na realidade.  Devemos morrer para viver.  E a consideraçäo de morte também tem o profundo, mais fundo e mais profundo.  A gradaçäo de mais elevado e inferior sempre está ali.  Se for para progredirmos, deve haver eliminaçäo e nova aceitaçäo.  Poderá acontecer de termos de deixar os deveres que estamos executando por outros mais elevados.

Devemos progredir dessa maneira, ao mesmo tempo sempre consultando os santos e escrituras.  Ambos nos guiaräo no oceano da fé.  Senäo o mundo espiritual fica desconhecido e incognoscível.  A Verdade Absoluta é conhecida e cognoscível a determinada seçäo, e eles nos deram direçäo.  Se aproveitarmos isto, entäo pela orientaçäo dos santos e escrituras gradualmente eliminaremos nossas falhas.

Primeiro devemos eliminar esta existência mortal.  Depois, devemos satisfazer nossa razäo, nossa consciência.  E finalmente, devemos satisfazer nosso coraçäo.  Sri Chaitanya Mahaprabhu diz que o coraçäo é a coisa mais importante em nós.  Devemos seguir a direçäo do coraçäo.  A mais alta realizaçäo é realizar o coraçäo, näo realizar a consciência, ou obter existência eterna.  Existência eterna näo tem sentido se näo for consciente, e consciência näo tem sentido se näo produzir alguma realizaçäo.  Portanto sat, existência eterna, cit, consciência, e ananda, realizaçäo, êxtase, säo os três princípios de nosso destino final.  E considerando-as como nossa meta, progrediremos mais e mais em nossa vida espiritual.

No Manu-samhita está escrito que:

                   vidvadbhih sevitah sadbhir
                     nityam advesha-ragibhih
                       hrdayenabhyanujnato
                    yo dharmas tam nibhodhata

Podemos sentir em nosso coraçäo se somos vencedores ou perdedores.  Este aparelho identificador está em nós.  Conforme progredimos em consciência de Krishna, nosso karma, nossa conecçäo com este mundo material, evaporará num átimo, e o conhecimento espacial virá nos satisfazer.  Nessa hora, sentiremos o objeto de nossa vida em todos lugares (mayi drshte 'khilatmani)  Quando pudermos ver que a realizaçäo da vida nos abraçou, veremos que tudo no meio-ambiente está nos auxiliando, tudo nos é simpático por todos os lados.  Nesse domínio espiritual, todos teräo interesse em nos amar.  Poderemos ser negligentes quanto ao nosso próprio interesse, porém o meio-ambiente lá é mais favorável e afetuoso para conosco do que possamos avaliar, assim como uma criança näo consegue avaliar a extensäo da afeiçäo de sua mäe.  Dessa maneira, amigos e confortos do lar nos cercaräo, e com esta realizaçäo iremos voltar para Deus, retornar ao lar.


                           *    *    *


Devemos tentar procurar mais profundamente e entäo encontraremos nosso amigo; se formos liberais em nossa atitude para com o meio-ambiente, näo poderemos deixar de entrar em conecçäo com o plano que é realmente liberal.  Prahlada viu que Krishna está em todo lugar.  E a consciência de Krishna está comandando o todo.  Assim näo devemos nos permitir de ficarmos desencorajados sob qualquer circunstância, por mais aguda que possa nos parecer aparentemente.  Krishna está lá.  Basta conseguirmos desenvolver a visäo correta, e o rosto sorridente do Senhor irá surgir por trás da tela.  Krishna é lindo, e Ele está esperando ansiosamente para aceitar nossos serviços. 




                         O MEIO-AMBIENTE

Devoçäo a Krishna significa sacrifício - "morrer para viver".  Pela devoçäo a Krishna, toda nossa concepçäo de vida mundana, auto-centrada, interessada em nós mesmos, acabará totalmente.

                     sarvopadhi-vinirmuktam
                     tat paratvena nirmalam
                      hrshikena hrshikesha-
                     sevanam bhaktir ucyate
                              - Narada Pancaratra

"Devoçäo pura é serviço ao Senhor Supremo, livre de todas concepçöes relativas de auto-interesse."

Em seu Bhakti-rasamrta-sindhu, Srila Rupa Goswami cita este verso dos antigos Puranas.  Upadhi significa "todas concepçöes relativas de auto-interesse".  Devemos estar livres de todos upadhis.

E Rupa Goswami também nos dá um verso paralelo descrevendo bhakti:

                      anyabhilashita-sunyam
                     jnana-karmady-anavrtam
                       anukulyena-krsnanu
                     shilanam bhaktir uttama

Serviço devocional puro é o cultivo favorável de consciência de Krishna livre de todos traços de motivos ulteriores, tais como karma, atividades auto-promotoras, jnana, realizaçäo mental, e assim por diante."  Bhakti, devoçäo, deve estar livre de quaisquer desejos passageiros (anyabhilasa), tais como karma - a tentativa organizada de se auto-elevar - e jnana, a tentativa de depender de nossa própria habilidade, conhecimento, e consciência para alcançar a méta última.  Tentar colocar nosso próprio eu como o sujeito, tentarmos nos tornar juízes de nosso próprio destino - isto é jnana.  Aqui adi significa yoga e outras coisas externas.  Tudo isso säo coberturas externas (avrtam).  Na alma propriamente dita, contudo, näo se encontram estes elementos.  A alma é uma escrava eterna de Krishna (krsna-nitya-dasa).

Mahaprabhu disse:  "Jivera 'svarupa haya - krsnera 'nitya dasa'.  "Escravatura a Krishna é a natureza inata da alma jiva."

A fim de realizar o absoluto, devemos chegar ao estado de escravatura; nada menos que isso.  Temos que nos submeter como escravos ao jogo de Sua doce vontade.

Uma vez, o governo britânico teve que receber o Shah da Pérsia, rei da Pérsia.  Convidaram-no para a Inglaterra e tentaram agradá-lo de diversas maneiras a fim de ganhar sua simpatia para que näo fosse convertido ao lado do Czar Russo.  Mostraram-lhe muitas coisas, e em dado ponto, levaram-no a um local onde homens condenados à pena de morte eram decapitados.  Ali mostraram ao Shah o local de execuçäo.  Explicaram-lhe como ali era o lugar onde tantos grandes homens, inclusive até um rei, Carlos Primeiro, fôra decapitado.  Quando mostraram esse lugar ao Rei da Pérsia, ele perguntou:  "Oh, tragam alguém e decapitem-no!  Quero desfrutar de ver como era feito!"

Todos ficaram espantados.  "O que ele está dizendo!  Para o prazer dele, vamos ter que assassinar um homem?  Näo," disseram.  "Näo podemos permitir que um homem seja decapitado assim."  O Shah disse:  "Ah, vocês näo entendem a posiçäo de um rei?  Sou o Rei da Pérsia, e para minha satisfaçäo vocês näo sacrificam uma vida humana?  Isso é desonra.  De qualquer forma, se näo lhes é possível a vocês, fornecerei um de meus próprios homens.  Peguem um de meus atendentes e mostrem-me como se executam pessoas aqui em seu país."

Com humildade, submeteram-se a ele.  "Sua Alteza, as leis de nosso país näo podem permitir isso.  Pode ser feito em seu país, mas aqui, seus homens também näo podem ser assassinados simplesmente para o prazer de um homem."  O Shah respondeu:  "Entäo vocês näo sabem o que é um rei!"

Este é o significado de escravatura:  um escravo näo tem posiçäo nenhuma; pela doce vontade de seu dono poderá ser sacrificado.  É claro, no plano material inferior tais coisas podem ser bastante abomináveis e impensáveis, mas devemos compreender que no reino superior da divindade, em princípio, tal grau de sacrifício é demonstrado pelos servos do Senhor.  A profundidade do amor deles é tal que estäo preparados  para se sacrificar integralmente, a morrer para viver, ao menor capricho ou satisfaçäo de Krishna.  Mas devemos lembrar que seja qual for o prazer Dele, Ele é o bem absoluto.  Portanto através de tal sacrifício näo morremos de fato, mas vivemos por obter ingresso num plano superior de dedicaçäo.

No Srimad-Bhagavatam 7.5.23-24 está escrito:

                    shravanam kirtanam visnoh
                      smaranam pada-sevanam
                     arcanam vandanam dasyam
                     sakhyam atma-nivedanam

                     iti pumsarpita vishnau
                    bhaktis cen nava-lakshana
                     kriyeta bhagavaty addha
                    tan manye 'dhitam uttamam

"Ouvir, falar sobre, e lembrar de Krishna, servir Seus pés de lótus, adorar Sua forma da Deidade, orar, tornar-se Seu servo, cultivar Sua amizade, e render-se a Ele totalmente säo os nove processos de devoçäo.  Quem cultiva esses nove processos de devoçäo, oferecendo-se completamente a Krishna, pode facilmente alcançar a méta última da vida."  Quais säo as formas de sadhana?  Quais säo os meios de se obter krsna-bhakti?  Como poderemos reavivar nosso amor inato por Krishna?  Somos orientados para ouvir sobre Ele, falar sobre Ele, meditar Nele, louvá-Lo e assim por diante.

Porém em seu comentário sobre este verso, Sridhara Swami explicou que näo devemos antecipar qual benefício advirá de sravanam-kirtanam, ouvir ou falar ou pensar sobre Krishna.  Em vez disso devemos orar:  "Que qualquer serviço que eu faça possa chegar ao meu Senhor. Näo sou a parte desfrutadora  - Ele é o único proprietário."  Todas essas funçöes (sravanam, kirtanam, etc.) seräo consideradas devoçäo apenas se uma condiçäo for realizada; senäo poderäo ser karma, jnana, yoga ou qualquer outra coisa.  Poderäo até ser vikarma, açöes equivocadas poluídas.  Deve haver uma condiçäo ali para assegurar que todos essas diferentes formas de atividades devocionais sejam de fato bhakti:  nós somos propriedade Dele; näo somos os proprietários de qualquer bem ou propriedade.  Devemos pensar:  "Meu Senhor é o possuidor e sou Sua posse.  Tudo é Sua propriedade." 

Krishna diz aham hi sarva-yajnanam:  "Sou o único desfrutador de toda açäo." A dura realidade é que devoçäo näo é uma coisa barata.  Serviço devocional puro, shuddha-bhakti, está acima de mukti, liberaçäo.  Acima do plano negativo da liberaçäo, do lado positivo, Ele é o único senhor.  Ele é o Senhor de tudo. 

Ele é o Senhor da terra da dedicaçäo.  Devemos tentar obter um visto de entrada para lá.  Ali, a doce vontade Dele é a única lei.  É muito fácil pronunciar a palavra "absoluto".  Mas se for para penetrarmos o significado da palavra, entäo deverá ser reconhecido que a doce vontade Dele é o todo de tudo.  Para conseguir um visto para o mundo da realidade devemos reconhecer isso.

E isto é especialmente verdade em Goloka, onde se exige rendiçäo completa.  Em Vaikuntha há alguma consideraçäo quanto à justiça; para aqueles que estäo ingressando ali, é permitido algum tipo de leniência.  Porém Goloka é muito rígida.  A rendiçäo completa é exigida naquele local.  Outrossim, a atmosfera ali é muito livre.  Depois que a pessoa foi testada e os superiores estiverem satisfeitos de que as almas que ali chegaram estäo totalmente sacrificadas, entäo ganhamos a confiança deles.  E quando se verifica que estamos plenamente rendidos, há total liberdade; pode-se fazer qualquer coisa.

AÇOITANDO KRISHNA

E a liberdade ali é täo grande que a mäe de Krishna, Yasoda, está açoitando-O!  Se indagarmos profundamente aonde Yasoda está se apoiando, chegaremos ao plano do "morrer para viver".  Yasoda pode abraçar a morte milhöes de vezes para remover uma gota de suor da testa de seu filho; ela tem tanta afeiçäo por Krishna que está pronta para morrer um milhäo de vezes em vez de achar o suor do trabalho na testa Dele.  E essa consciência está por trás de tudo que ela faz.  É por isso que ela tem tanta independência ao ponto de poder açoitá-Lo.  Tal é o jogo do absoluto.

Se tivermos uma idéia da infinita amplitude e profundidade do absoluto, como poderemos valorizar qualquer coisa aqui?  Os Himalaias podem ser muito grandes para o nosso padräo, porém para o padräo do infinito, os Himalaias säo täo pequenos que nem sequer podem ser vistos.  Esse mundo é todo relativo.  Näo devemos nos permitir de sermos intimidados por quaisquer eventos aqui.  Devemos seguir adiante em nossa marcha rumo à verdade.  Poderemos falhar a qualquer momento, em qualquer lugar; näo importa.  Poderá ser a vontade de nosso senhor.  Ainda assim, näo temos outra alternativa senäo esforçarmo-nos pela misericórdia Dele, a graça Dele.

Esta é nossa posiçäo natural.  Mesmo constitucionalmente, näo há possibilidade de viver separados Dele.  Se, em ignorância, às vezes pensamos que é possível viver separados Dele, isso é insanidade temporária.  Tentar fazer isto é apenas criar mais perturbaçäo, encobrir-se de ignorância.

Enquanto estivermos ignorantes, poderemos nos interessar por muitas coisas que näo tem valor.  Mas na verdade é como numa peça teatral:  tantos participantes estäo atuando - um tem que ganhar e outro ser derrotado - mas somos informados de que devemos aceitar a vitória ou derrota no humor de um jogador.  E tudo é a peça teatral de Krishna.  Ele está brincando com Sua lila.  Quando pensamos que algo é uma grande perda ou ganho, näo estamos vendo a lila do Senhor.  Entäo estamos fora do fluxo divino, näo estamos em harmonia com o fluir da lila.  Entäo parece que a realidade näo é a lila Dele, e achamos alguma outra razäo de ser, ver alguns outros objetos, concebemos interesses relativos, e encontramos perdas e ganhos, vitória e derrota, e tantos outros conceitos equivocados.  Mas tudo é Sua lila, e isso é nirguna, sem erro.  Nesse plano, tudo está certo.  Tudo é perfeito.  Cada polegada de movimento lá é totalmente perfeita.

"VOU TE AMALDIÇOAR!"

Uma vez, após a guerra de Kurukshetra, o brahmana Utanka veio até Krishna e disse:  "Krishna, eu te amaldiçôo!"  Krishna disse:  "Porque, Meu querido brahmana, desejas amaldiçoar-Me?"  Utanka disse:  "Porque és a causa de todos desastres de Kurukshetra.  Por Tua causa, tantas viúvas e órfäos estäo chorando em sofrimento.  A dor deles näo tem limite, e Tu és a causa."

Krishna respondeu:  "Pode ser que tenhas acumulado algum poder através de tuas penitências em sattva-guna, mas tudo isso acabará quando Me amaldiçoares.  Näo irá produzir qualquer resultado sobre Mim porque estou situado no plano nirguna."  Esta é a natureza do plano nirguna.  É ahaituky apratihata:  é sem causa e näo pode ser impedido - é irresistível.  A onda do plano mais fundamental é bhakti, devoçäo, onde tudo segue a doce vontade do centro - nirguna.  Esse fluxo divino é sem causa e nunca conseguiremos nos opor a ele.  Devemos tentar nos apoiar naquele plano.  Bhakti é nirguna, além da influência da natureza material, e é ahaituki, sem causa - esse fluxo divino está continuando eternamente. E é apratihata:  bhakti nunca poderá ser impedida por ninguém.  É irresistível.

Essa é a natureza do fluxo da devoçäo.  Qualquer um que se colocar em consonância, em harmonia com esse fluxo, descobrirá a mesma coisa:  isso nunca pode ser impedido  e nem conseguiremos nos opor com sucesso.  Essa é a natureza de bhakti segundo o Srimad-Bhagavatam 1.2.6:

                    sa vai pumsam paro dharmo                      yato bhaktir adhoksaje
                       ahaituky apratihata
                       yayatma suprasidati

Bhakti é a funçäo mais elevada da alma (paro dharmo).  Nosso dever aqui tem que ter sua origem no plano de bhakti; temos de ser capazes de ler e pegar e utilizar este fluxo.  Devemos dançar nas ondas desse fluxo.  O dever mais elevado de todos será realizado com submissäo ao poder invisível, indetectável, causal, que näo tem causa, ordem ou motivo.  É automático, eterno, e a ele nenhuma força pode se opor aqui.

E só entäo é que encontraremos a maior satisfaçäo de nossa alma.  Sentiremos verdadeira satisfaçäo apenas quando entrarmos em contato com aquela onda harmoniosa mais fundamental.  Entäo poderemos sentir o mais alto êxtase.  Isso é bhakti.

Portanto, para chegarmos a uma idéia täo grandiosa da vida, quaisquer obstáculos que tivermos de transpor seräo apenas pequenas perdas e ganhos, vitórias e derrotas.  Näo devemos permitir que perturbem nossa marcha rumo à verdade.



BHAGAVAD-GITA

Krishna fala para Arjuna no Bhagavad-gita 2.47:

                     karmany evadhikaras te
                       ma phalesu kadacana
                    ma karma-phala-hetur bhur
                    ma te sango'stv akarmani

"Dê tua plena atençäo ao cumprimento de teu dever e näo ao resultado de teu trabalho.  O resultado está Comigo; toda responsabilidade é Minha."  Cálculo superior é assim.  Os generais dizem:  "Marchem!  Adiante. Sigam adiante!  Vocês säo meus soldados; o que eu pedir, vocês tem que fazer.  Vocês poderäo morrer e a vitória poderá vir depois; isso näo lhes interessa.  Vocês säo soldados; muitos de vocês poderäo acabar-se, porém o país como um todo lucrará."  Dessa maneira, tantas vidas importantes poderäo ser sacrificadas.

E como soldados, näo temos direito de calcular se iremos ganhar ou perder a longo prazo.  Existem duas coisas com as quais devemos ter cuidado.  Näo devemos pensar que se näo podemos desfrutar dos frutos de nosso trabalho, entäo näo há razäo para trabalhar.  Ao mesmo tempo, näo devemos pensar que temos que receber alguma parte dos frutos.  Lembrando disso, devemos continuar nosso dever para com Krishna.  Isso é devoçäo, e isso é o significado do Bhagavad-gita.

O Bhagavad-gita fala: "Näo podes modificar o meio-ambiente.  Se desejas paz, tens que regular-te de acordo com o meio-ambiente."  A essência toda do conselho do Bhagavad-gita encontramos aqui:  Tenta ajustar-te ao meio-ambiente porque näo és senhor do meio-ambiente.  Toda tua energia deve ser devotada a regular-te e näo ao mundo exterior.  Esta é a chave para o sucesso na vida espiritual.

Bhakti näo depende do meio-ambiente ou dos procedimentos dos outros.  É ahaituky apratihata.   Nada pode obscurecer esse fluxo exceto nosso ego.  Eu sou meu próprio maior inimigo.

                      uddhared atmanatmanam
                       natmanam avasadayet
                    atmaiva hy atmano bandhur
                      atmaiva ripur atmanah

"Podemos nos elevar ou degradar.  Somos nosso próprio melhor amigo ou pior inimigo."  Nenhuma força externa pode nos deter se formos sinceros.  É claro que para principiantes existe algum interesse num meio-ambiente apropriado ao cultivo espiritual, mas até isso também depende da natureza de sua sinceridade, ou sukrti:  na hi kalyana-krt kascid durgatim tata gacchati.  A garantia é dada aqui por Krishna.  Ele diz:  "Estarei lá para cuidar de ti em qualquer circunstância desfavorável.  Sou onisciente.  E também sou onipotente.  Portanto se alguém se voltar para Mim, Eu cuidarei dele."  E isso também tem sido verificado na história, nos casos de Dhruva, Prahlada, e tantos outros.  A sinceridade é invencível.  Mesmo obstáculos melhoram nossa posiçäo se os pudermos aceitar da forma correta.  De um ângulo de vista superior pode-se ver que tudo está vindo para nos ajudar.

SRIMAD-BHAGAVATAM

                 tat te'nukampam susamikshamano
                  bhunjana evatma-krtam vipakam
              hrd-vag-vapurbhir vidhadhan namas te
                jiveta yo mukti-pade sa daya bhak

O Srimad-Bhagavatam 10.14.8 nos dá uma sugestäo mui esperançosa para todos estágios de vida:  culpe a si mesmo e mais ninguém.  Mantenha seu apreço pelo Senhor, vendo tudo como graça Dele.  No momento presente achamos nossa circunstâncias indesejáveis porque näo agradam nosso gosto atual.  Porém o remédio nem sempre pode se adequar ao gosto do paciente.  Ainda assim conduz à saúde.  Este verso é o tipo mais elevado de regulaçäo dada no shastra.  Se puderem seguir esta lei, entäo dentro em breve teräo uma boa posiçäo.  Devemos ter muito cuidado de näo culpar as circunstâncias, mas de apreciar Krishna por trás de tudo.  Krishna é meu melhor amigo; Ele está por trás de tudo.  Tudo está passando pelo olhar atento Dele.  Portanto näo pode haver defeito ali.

Mesmo Srimati Radharani diz:  "Ele näo tem culpa.  Esta longa separaçäo de Krishna é o resultado de Meu destino.  Ele näo deve ser culpado por isso."  Embora externamente todos adimitissem que Ele havia deixado as gopis cruelmente, Radharani näo está preparada para culpar Krishna.  "Näo há nenhum mal Nele" pensa Ela.  "Deve haver algo de errado em Mim que ocasionou esta situaçäo desafortunada."  A competiçäo entre os grupos de gopis a serviço de Krishna também é harmonizada deste modo por Radharani.

Krsnadasa Kaviraja Goswami explicou esse ponto de muita importância.  Segundo ele, näo é que Radharani näo goste que outro grupo sirva Krishna em competiçäo com Ela, mas Ela sente que eles näo conseguem satisfazer Krishna tanto como Ela consegue.  E disso deve-se tomar nota cuidadosamente.  Ela sabe que eles näo conseguem proporcionar a devida satisfaçäo a Krishna, portanto Ela näo pode apreciar que tentem tomar o lugar Dela.  É essa Sua contenda.  Ela pensa:  "Se pudessem servir bem a Krishna e satisfazê-Lo plenamente, Eu näo reclamaria.  Mas näo conseguem.  E ainda assim, agressivamente chegam para servir?  Näo posso tolerar isso."

O BRAHMANA LEPROSO

Kaviraja Goswami citou como exemplo desse tipo de devoçäo, uma referência histórica dos Puranas.  Havia uma vez uma esposa casta cujo marido brahmana era leproso.  Ela sempre se esforçava o melhor que podia para satisfazê-lo.  Certo dia, enquanto estava banhando seu marido num rio sagrado, ele ficou apaixonado pela beleza extraordinária de uma prostituta chamada Lakshahira.  Seu nome indicava que possuía o brilho e a beleza de cem mil diamantes.  O brahmana leproso ficou irresistivelmente encantado por ela.

Ao retornar à casa, sua casta esposa detectou alguma insatisfaçäo no seu marido, e indagou:  "Porque estás täo infeliz?"  Seu marido replicou:  "Senti uma atraçäo pela beleza daquela prostituta.  E näo consigo tirá-la da minha mente."

"Oh, desejas tê-la?"

"Sim, desejo."

"Entäo vou tentar fazer um arranjo."

Entäo, porque era pobre, a casta senhora, embora uma brahmana qualificada, começou a ir para a casa da prostituta todo dia e trabalhar como serva.  Embora fosse de nascimento aristocrático, aceitou trabalho de serva sem remuneraçäo.  E cumpria seus deveres com tal diligência que atraiu a atençäo da prostituta, a dona da casa, que começou a indagar:  "Quem limpa tudo täo direitinho e lindamente?"  E ficou sabendo que uma senhora brahmana estava vindo todas manhäs e realizando tarefas domésticas.  As outras atendentes disseram:  "Tentamos pará-la, mas ela nem queria saber.  Ela quer encontrar com a senhora."

A patroa retrucou:  "Tudo bem.  Amanhä, podem trazê-la a mim."  Entäo, na manhä seguinte, quando foi levada diante da prostituta, a senhora brahmana expressou seu motivo íntimo.  "Meu marido está täo atraído por ti que é meu desejo que possas satisfazê-lo.  É meu interesse como sua esposa devotada, que ele fique satisfeito, e esse é o desejo dele.  Portanto quero vê-lo feliz."  Entäo a prostituta entendeu tudo e disse:  "Sim.  Traga-o amanhä.  Convido ambos para jantarem em minha casa."

Isso foi comunicado ao brahmana e no dia seguinte ambos vieram.  Muitos pratos próprios à ocasiäo foram preparados.  Foram servidas duas entradas.  Uma era prasadam em folha de bananeira acompanhada de água do Ganges num pote de barro - tudo alimento vegetariano puro.  Lado a lado, haviam potes de ouro e prata com carnes e ricos pratos.  Foram servidos com um lindo arranjo de mesa e assentos.  Dos dois tipos de alimentos, um era sattvik, puro, e o outro era rajasik, cheio de paixäo.  Entäo, de mäos postas, a prostituta convidou o brahmana e esposa e indicou:  "Esta é bhagavata-prasadam, e aqueles säo pratos ricos preparados com carne.  Pode escolher o que sua doce vontade preferir."

Imediatamente o brahmana leproso escolheu a prasadam, e começou a tomar sua refeiçäo.  Depois que ele terminara de tomar prasadam, a prostituta disse:  "Tua esposa é como essa prasadam- sattvik - e todas estas coisas rajasik - carne, pratos ricos, ouro, prata - säo como eu.  Sou täo baixa e tua esposa é a mais pura das puras.  Teu gosto real é por esta sattvik prasadam.  Externamente, a carne é mui deslumbrante, porém internamente é muito impura, imunda.  E portanto sentiste repulsa por ela.  Entäo porque vieste a mim aqui?"

Entäo o brahmana recobrou os sentidos.  "Sim, estou equivocado.  Deus enviou-me uma mensagem através de ti.  Meu desejo passageiro acabou e agora estou satisfeito.  És minha guru!"

Kaviraja Goswami citou isso no Chaitanya-charitamrta.  A casta senhora foi servir a prostituta.  Porque?  Para a satisfaçäo de seu marido.  Portanto Radharani diz:  "Estou pronta a servir aqueles no acampamento da oposiçäo, se conseguirem realmente satisfazer Meu Senhor.  Estou completamente pronta para serví-los se realmente conseguirem satisfazer Krishna.  Mas näo conseguem.  Contudo mesmo assim fazem exigências.  Mas nesse ponto Eu divirjo.  Näo é que Me preocupo que Minha parte será diminuída.  Näo é essa Minha atitude.  Sempre que ocorrem situaçöes desfavoráveis, fico achando que sempre estäo vindo de dentro de Mim (durdaiva vilasa); näo acho que nada corrupto advenha de fora."

Essa deve ser a atitude de um verdadeiro devoto de Krishna.  Com essa atitude, conseguiremos ver dentro de nós que tudo afinal é parte do bem absoluto.  Embora näo seja muito fácil, ainda assim, nossa energia deve ser devotada somente para coletar boa vontade de todas circunstâncias externas.  Dessa maneira devemos cuidar para ver as coisas de tal modo que purifique nossa própria posiçäo.

A VISÄO PROFUNDA DA REALIDADE

E assim, somos encorajados pelo Srimad-Bhagavatam a buscar mais profundamente.  Temos que tentar enxergar mais profundamente e entäo encontraremos nosso amigo; se formos liberais em nossa atitude para com o meio-ambiente, näo poderemos deixar de entrar em conecçäo com o plano que é realmente liberal.  Isto é consciência de Krishna no seu âmbito máximo.  Se olharmos profundamente para a realidade com este tipo de visäo, encontraremos nosso verdadeiro lar.  Prahlada corajosamente encarou todas circunstâncias e afinal foi vitorioso.  O cálculo do pai demoníaco de Prahlada quanto ao ambiente era falsificado, mas a visäo mais profunda de Prahlada viu a realidade corretamente.

Ele viu que Krishna estava em todo lugar.  E a consciência de Krishna está comandando o todo.  Portanto näo devemos nos permitir de ficarmos desencorajados sob quaisquer circunstâncias, por mais agudas que possam nos parecer.  Krishna está ali.  Por mais que as circunstâncias pareçam se opor a nós, realmente näo é assim.  Basta conseguirmos desenvolver a visäo correta, e o rosto sorridente do Senhor surgirá por detrás  da tela.  Isso é consciência de Krishna.  Krishna é lindo, e Ele está esperando ansiosamente para aceitar nossos serviços. 



DEUS E SEUS HOMENS

Nossa riqueza interna só pode ser descoberta com a ajuda de sadhu, guru, e escrituras.  Nossa visäo deve ser que tudo é nectar, mas que puxamos uma tela entre o néctar e nós mesmos e estamos provando veneno, pensando que é muito útil.  Ao todo, devemos pensar que nenhuma culpa cabe aos outros, e que de fato é a verdade.  Somos responsáveis pela nossa desgraça, nossa condiçäo caída.  E a senda do auto-aprimoramento também é similar:  devemos aprender a criticar a nós próprios e apreciar o meio-ambiente.  Nossa apreciaçäo deve ser especialmente por Krishna e Seus devotos, e depois gradualmente por todos mais.  Ele näo deu autoridade a ninguém para nos prejudicar.  Se parece ser assim, isto é apenas superficial e enganador.  Que alguém possa lesar outro alguém é enganoso.  Só é verdade no plano superficial.  É claro que isso näo é desculpa para prejudicar os outros ou ignorar a opressäo, mas desde o ponto de vista absoluto, näo existe mal.  Quando chegarmos ao estágio mais elevado de devoçäo, veremos que tudo é amistoso e que nossa apreensäo era errada.  Era uma concepçäo equivocada.

Concepçäo equivocada:  maya significa:  "aquilo que näo é" (mriyate anaya).  Quando tudo é medido a partir do ponto de vista do egoísmo e näo do interesse universal - isso é a causa de todos nosso problemas.  Devemos gradualmente perceber:  "Meu ângulo de visäo era guiado por consideraçöes egoístas, näo absolutas.  Portanto estou sofrendo.  Mas agora acabei compreendendo que meu interesse está incluído no interesse absoluto."

Parodiando um velho ditado:  "Um mau trabalhador briga com suas ferramentas."  Conforme nosso karma, produzimos nosso meio-ambiente.  O que estou culpando foi produzido pelo meu próprio karma.   Quando me alimento, o excremento vem como reaçäo natural.  Seria tolo culpar o excremento por aparecer.  Trata-se do efeito de ter comido.  Do mesmo modo, agi de diferentes maneiras, e o resultado karmico é meu atual ambiente.  Portanto brigar com a reaçäo a nossos próprios atos equivocados é um desperdício inútil de energia.

O conselho do Srimad-Bhagavatam deve ser nosso princípio norteador sob todas circunstâncias.  Tudo que vier a nós está sob sançäo Dele, sob o olhar Dele, portanto só pode ser bom.  Tudo é perfeito.  A única imperfeiçäo está dentro de nós, e portanto devemos tentar com toda nossa energia realizar nosso dever.  Dentro em breve, nos acharemos libertos de todos problemas.  Isso é o conselho chave do Srimad-Bhagavatam.

O OLHAR DE NOSSO GUARDIÄO

O meio-aambiente näo está morto - existe ali um supervisor.  Assim como o sol está acima de nossas cabeças, toda açäo está sob o olhar de nosso guardiäo.  Esta comparaçäo é dada no Rg Veda:  Om tad vishno paramam padam sada pashyanti suraya diviva cakshur atatam.  Devemos nos aproximar de qualquer dever pensando:  "O olhar de meu guardiäo está sempre vigilantemente velando por mim, vendo tudo que estou fazendo, e tudo que me acontece.  Näo preciso preocupar-me quanto a esse ambiente ou circunstância."

Portanto, o Bhagavatam diz:  "Näo se preocupem com o meio-ambiente.  Façam seu dever.  Concentrem-se plenamene no que estiverem fazendo, e dentro em breve, seräo aliviados da caixa preta do ego e iräo unir-se ao fluxo universal de dançar e cantar, cântico e júbilo.  Conseguiräo ingressar na lila ou passatempos do Senhor."

Estamos todos sofrendo de interesse separado, conflito e reaçäo, bem e mal, prazer e dor, felicidade e sofrimento, mas ali no domínio espiritual, tudo é consciente e cheio de felicidade.  Portanto näo só o total auto-esquecimento é requisito, mas toda boa vontade do Senhor deve ser convidada.  Iremos nos fundir no fluxo da boa vontade do Senhor.  Isso é Vrndavana.

Nossos guardiöes dizem:  "Façam isso" e conforme nossa capacidade iremos tentar executar a ordem deles.  E aceitando que aquilo que dizem está realmente vindo de Krishna, quanto mais formos capazes de seguir suas instruçöes, maior benefício acumularemos.  Srimad-Bhagavatam, Bhagavad-gita, os Vedas e Upanishad, e tantos agentes que representam a divindade estäo todos nos auxiliando a retornar ao nosso verdadeiro lar.  Atualmente estamos vivendo em diferentes estágios de consciência de interesse separado, porém nossos guardiöes estäo todos tentando levar nos para dentro daquele plano superior de movimento dinâmico, lila, para entrarmos nos passatempos de Krishna.

O EGO INIMIGO/EGO REAL

Aqui, tudo näo passa de um reflexo do mundo perfeito.  Originalmente tudo está ali, inclusive todos tipos de serviço mas aqui só temos um reflexo pervertido.  Deixando para trás este mundo variado, näo devemos tentar fundir-nos em inconsciência de modo que näo sintamos nem prazer nem dor.  Atualmente estamos sob influência de nosso ego inimigo.  O ego real existe no mundo espiritual.  Toda experiência é encontrada ali, porém é cheia de beleza e charme.

A consciência de Krishna significa teísmo plenamente desenvolvido.  Isso significa que temos um relacionamento com o infinito até a posiçäo de amante.  Tudo que precisamos para auxiliar-nos e levar-nos na direçäo certa na realidade se encontra no mundo espiritual em sua posiçäo mais pura e mais desejável.  O que encontramos aqui é apenas uma sombra, uma imitaçäo negra.  Mas realidade significa teísmo plenamente desenvolvido - consciência de Krishna - onde o infinito abraça todo o finito.  O infinito desce para dar as boas-vindas, para abraçar plenamente o finito - isso é Vrndavana.  E isso é teísmo plenamente desenvolvido:  através da consciência de Krishna, uma parte negligente do finito poderá experimentar o abraço bem-aventurado de todo o infinito.  E em Vrndavana, nem um canto é negligenciado.  Cada gräo de areia, cada folha de grama, é bem representada ali com personalidade.  Aqui, sem falarmos numa partícula de areia, tantas coisas säo insignificantes.  Porém em Vrndavana, tudo é cuidado.  Nada é ignorado.  Isso é teísmo plenamente desenvolvido.  Isto é explicado no Srimad-Bhagavatam 10.21.5:

                   varhapidam nata-bara-vapuh
                       karnayoh karnikaram
                  bibrad vasah kanaka-kapisham
                      vaijayantin ca malam
                  randhran venoradhara-sudhaya
                       purayan gopavrndair
                  vrndaranyam sva-pada-ramanam
                      pravishad gita-kirtih

Sukadeva Goswami revela algo espantoso a Pariksit Maharaja.  Quando Krishna entra na floresta de Vrndavana, pelo toque das solas de Seus pés de lótus, a terra sente o prazer de Seu abraço - o abraço pessoal do Doce Absoluto (vrndaranyam sva-pada-ramanam).  Isso é inconcebível!  Pelo toque dos sagrados pés de Krishna, a areia e a terra sentem o prazer da posiçäo de consorte!  Glorificado por Seus amigos vaqueiros, Ele entra na floresta de Vrndavana, e a terra, a floresta, e tudo que entra em conecçäo com Ele sente uma experiência sensorial mais elevada, mais próxima de prazer no grau mais feliz.

A POSIÇÄO DE CONSORTE

Em Vrndavana, a terra sente o humor da posiçäo de consorte.  Assim a vrndavana-lila de Krishna é täo maravilhosa que até mesmo Brahma, o criador do universo, disse:  "Como podemos compreender-Te, meu Senhor?  Sei algo sobre meu Senhor Narayana, que me é próximo.  Ele e eu temos alguma conecçäo direta para que eu possa cumprir meus deveres oficiais.  Mas Tu entraste em meu círculo e näo consigo entender-Te.  Que é isso?"  Ele se esforçou o melhor que pôde para testar Krishna raptando Seus amigos vaqueirinhos e bezerros, porém ficou espantado ao descobrir que "Embora os tenha removido, tudo continua como antes; Krishna ainda está cercado por Seus amigos e seus bezerros, ocupados em seus passatempos prazerosos.  Portanto Ele é infinito.  Mesmo como senhor do universo, minha interferência näo conseguiu desbaratar qualquer coisa sob o controle Dele.  Por Sua própria doce vontade Ele conduz Sua encenaçäo.  Tentei testá-Lo, porém agora estou confuso por Sua potência inconcebível.  Näo consegui compreender que embora seja um menino vaqueirinho aparentemente humano, no entanto Ele é o mais supremo, mais elevado até que o Senhor Narayana."  Ele suplicou a Krishna:  "Agora que recuperei os sentidos, por favor perdoa-me, meu Senhor."

Que utilidade tem uma partícula de nossa inteligência?  O quanto ela consegue medir do infinito?  Sri Chaitanya Mahaprabhu diz:  "Näo tente aplicar o cérebro ao infinito.  O cérebro näo é um aparelho para medir naquele plano.  Teu intelecto é cancelado pelo infinito.  Tente medí-lo somente através do sentimento, do paladar, do coraçäo - o cérebro será teu inimigo.  Sempre irá enganar-te em suas medidas, e isso te perturbará e limitará teu progresso."

Somente a fé pode nos ajudar.  Nada mais consegue alcançar aquele plano.  Podemos alcançar o sol ou a lua somente com ajuda de tecnologia avançada.  Näo podemos esticar a mäo e tocá-los nem com ajuda de uma vara comprida.  Da mesma maneira, para conectar com a realidade superior, só a fé pode auxiliar a pessoa.  A fé é o meio mais espaçoso.  Mas até esta é muito parca quando considerada em vista daquela coisa elevada com a qual gostaríamos de conectar, a causa suprema de todas causas.

Somos almas ínfimas.  Quanto conseguimos acomodar com nossa fé?  Quäo extensa e ampla é nossa fé?  O que conseguimos captar com nossa fé?  O que estamos buscando é infinito, e estamos muito temerosos:  "Oh, se eu confiar na fé, algo poderá dar errado.  Poderei ser iludido."  Mas com nossos ínfimos coraçöes, quanto fé conseguimos conter?  Só por analogia com o céu ou o oceano é que poderemos compreender qualquer coisa sobre o infinito, mas o que é isso em comparaçäo?  Nada.

E o que é o infinito?  Aquilo do qual tudo está provindo, através do que tudo é mantido, e no qual tudo afinal entra; o oni-compreensivo, onipenetrante, onicontrolante, oniatraente, onisentiente Absoluto.

Assim tudo está certo com o infinito e o ambiente.  Temos apenas que nos corrigir, nos ajustar.  Esta é a conclusäo - "Tenta ajustar-te; tudo está certo com o meio-ambiente.  Devemos deixar tudo para o Senhor Supremo e nos conduzir de acordo."  Isso nos trará real paz e realizaçäo progressiva na vida espiritual.

                           *    *    *


Nem a existência nem a consciência säo em si completas.  A consciência por si só anela pelo êxtase.  E existência sem consciência é existir sem nenhum propósito.  Mas quando a existência é dotada de consciência, pode buscar pelo seu próprio bem:  êxtase.


                          VISHNU PADAM

Os pés divinos de nosso sagrado Senhor säo como o olho vigilante de um grandioso guardiäo suspenso sobre nossas cabeças tal como o sol, e estamos vivendo sob o olhar desse olho vigilante.  Vamos sempre tentar viver näo na relatividade objetiva, mas na subjetiva.  Devemos pensar:  "Acima da minha consciência está a Superconsciência; o olho do guardiäo vigilante está sempre tomando conta de mim."


                   SOB O OLHAR AMOROSO DE DEUS

O mantra do Rig Veda diz:  om tad visno paramam padam sada pasyanti suraya diviva caksur atatam - os divinos pés de nosso sagrado Senhor säo como o sol acima de nossas cabeças.  Seus sagrados pés säo como o olho vigilante de um grandioso guardiäo suspenso sobre nossas cabeças tal como o sol, e estamos vivendo sob o olhar desse olho vigilante. 

Estamos interessados é na realidade subjetiva, näo na objetiva. Vamos sempre tentar viver näo na relatividade objetiva, mas na subjetiva.  Nunca devemos pensar:  "Sob meus pés estou pisando chäo firme; sou grande.  Vou ficar de pé ereto."  Em vez disso devemos pensar:  "Acima da minha consciência está a Superconsciência; o olho do guardiäo vigilante está sempre tomando conta de mim.  Estou vivendo sob a mirada desse olho."  Nosso apoio näo vem de baixo, mas de cima.  Ele é nosso refúgio.  Estamos dependurados nesse mundo superior substancial no qual Ele reside; nosso apoio se encontra ali.  Devemos sempre estar conscientes disso.

Este é um mantra principal do Rig Veda.  Antes que qualquer pessoa se aproxime de uma nova tarefa, deve pensar sobre sua própria posiçäo.  Através desse verso dos Vedas fomos instruídos a pensar desta forma: "Estamos sob ao olho vigilante de nosso guardiäo, e esse grande olho é vivo como o sol; sua mirada é tal como a do sol que está acima de nossas cabeças.  Como uma luz que pode atravessar para ver qualquer coisa dentro de nós, Sua mirada penetrante está em nós."  Com essa compreensäo da identidade devemos nos aproximar de nosso dever.  Nunca somos encorajados a pensar que estamos firmemente de pé aqui no chäo sólido, e que com base nessa posiçäo forte, possamos cumprir nosso dharma independente de Sua graça.

Na verdade, em nosso relacionamento subjetivo com a divindade, somos exatamente como os raios do sol.  Aonde os raios do sol se apoiam?  Se apoiam no sol - essa é a fonte deles.  Da mesma forma, devemos pensar que nosso apoio é no reino da divindade; somos tantas partículas de consciência, e nosso apoio, nossa pátria-mäe, é aquela área consciente.  Consciência de Deus significa consciência de Krishna.  Nós somos consciência e estamos destinados a consciência de Krishna - esse é nosso relacionamento.  Devemos sempre estar conscientes desse fato.  Estamos conectados com consciência de Krishna.  Somos membros do mundo consciente de Krishna.  E viemos para vagar na estranha terra da consciência material, conceito equivocado mayika, pensando que somos unidades desse mundo material, mas isso näo é assim.

Somos unidades do mundo consciente - o mundo consciente de Krishna - e de alguma maneira chegamos a esse equivocado conceito de existência, o mundo da matéria.   Matéria é o que podemos explorar, o lado objetivo da realidade, e o lado subjetivo é o elemento que devemos reverenciar. Nosso relacionamento com o subjetivo é o da reverência e devoçäo pela entidade superior, e näo o de exploraçäo ou desfrute.  Verdadeiro prazer, prazer divino, vem do serviço - näo da exploraçäo.


Devemos entender todos esses princípios básicos.  Bhaktivedanta Swami Maharaja certa vez comentou comigo que embora os engenheiros em Nova Iorque construíram tantos arranha-céus que perduraräo por muito tempo, eles nunca lembravam de quanto tempo seus próprios corpos durariam.  Os prédios resistiräo por muito, muito tempo.  Porém aqueles que iräo viver nesses prédios esqueceram de quanto tempo seus corpos aguentaräo.  Dessa forma as pessoas estäo muito ocupadas com o lado objetivo, mas estäo negligenciando os valores subjetivos.  A preocupaçäo delas é com objetos e näo com quem vai usá-los.  Acham que näo é preciso nenhum cultivo subjetivo para o usuário do mundo objetivo.  Dessa maneira elas däo toda importância ao lado objetivo, negligenciando totalmente o subjetivo.

RAIOS DE CONSCIENCIA

Nossa verdadeira posiçäo é como a dos raios do sol.  Um raio de sol toca a terra.  Onde fica seu lar?  Um raio de sol chega até nosso plano e toca as colinas e a água, porém o que devemos considerar como seu lar?  Necessariamente o sol, e näo a terra que ele toca.  Nossa posicäo é similar.  Como raios de consciência, pertencemos näo ao mundo material, mas ao mundo consciente.  Nossa coneçäo com o lar está lá:  no sol - o sol espiritual.

Somos aconselhados pelos Vedas a considerar:  "Embora foste lançado num buraco desta terra, ainda assim tua terra natal é o sol consciente.  Emanaste de lá, és sustentado de lá, e tua perspectiva futura está lá.  Deves conceber a realidade dessa maneira.  Porque és consciente, teu lar é a fonte da consciência.  Sejas ave ou bicho, estejas nas montanhas, terra, ou água - onde quer que estejas, na posiçäo em que estiveres, tua origem está na consciência, existência.  Tua fonte está na consciência assim como os raios da luz tem seu lar no sol."

Os Vedas nos dizem:  "Näo és filho desse solo.  Podes ser um prisioneiro daqui, mas esse näo é teu lar; esta é uma terra estrangeira.  Todas tuas esperanças e perspectivas podem ser supridas por aquele solo superior, porque tua natureza é de tal ordem.  Teu alimento, teu sustento, tudo teu deve ser feito daquela substância superior.  Porém o que se encontra nesse mundo material é tudo veneno para ti."

Novamente, embora o que diga respeito à consciência é a realizaçäo mais próxima, imediata de nossa natureza, se for para nos aprofundarmos mais no mundo consciente, iremos encontrar algo mais substancial.  Se atravessarmos além da visäo de consciência da luz, iremos encontrar a verdadeira necessidade de nossa existência:  felicidade - êxtase - e amor divino.

Após estabelecermo-nos no reino da consciência, devemos estabelecer-nos no reino do divino amor, êxtase e beleza.  Devemos procurar nossa fortuna ali, e nunca nesse mundo material.  Extase está acima da luz; doçura transcendental está acima da consciência.  Beleza e encanto estäo acima da mera consciência e entendimento. O sentimento näo é completo em si.   O sentimento tem que ser por algo.  Portanto o conceito mais pleno de algo perfeito é uma coisa plena de beleza ou êxtase.  Mera existência ou consciência sozinha näo pode ser a mais alta perfeiçäo.  Extase é a coisa mais perfeita.  Extase, amor divino, e beleza presupöe consciência e existência.

A realidade espiritual é composta por três substâncias:  sat, existência, cit, consciência, e ananda, êxtase.  E destes três, ananda ou êxtase é o conceito final da substância espiritual.  O êxtase pode existir por si só.  Nem a existência, nem a consciência säo completas por si mesmas.  A consciência sozinha anseia pelo êxtase.  E a existência sem consciência é existir sem propósito.  Mas quando a existência é dotada de consciência, pode procurar por seu próprio bem:  êxtase.  Extase é uma substância independente e concreta.  Tanto a existência como a consciência säo subservientes ao êxtase.

E quem realiza o êxtase da consciência de Krishna, se torna livre desse mundo material.  Quando se realiza isso, näo há necessidade de ter medo de nada.  Näo precisa ficar apreensivo por nenhum temor que possa surgir aqui nesse mundo material onde existe a constante ameaça da näo-existência.  Aqui no mundo material näo só näo há realizaçäo, mas nossa própria existência está em risco.  A qualquer momento poderemos ser devorados pela näo-existência.

MERGULHE FUNDO NA REALIDADE

Mas para chegar ao plano do êxtase, vamos ter que mergulhar fundo na realidade.  Näo poderemos ficar satisfeitos com o formal, o superficial.  Se concentrarmos nossa atençäo na forma externa de algo, negligenciando sua substância interna, entäo iremos descobrir que estamos procurando no lugar errado.  Quando Mahaprabhu olhava para a Deidade de Jagannathadeva, aparentemente parecia que Seu direcionamento estava fixo na mesma coisa que vemos quando olhamos para a Deidade.  Para nossa visäo, contudo, a Deidade de Jagannatha é somente um boneco feito de madeira.  E no entanto quando Sri Chaitanya Mahaprabhu ali fixava Seu olhar, Ele derramava lágrimas de júbilo, e Suas lágrimas fluíam em incessante corrente.  Onde se conectava Sua visäo da realidade?  Aquilo que vemos como um boneco da madeira, Ele vê de maneira completamente diferente.  E apenas por olhar aquilo, uma incessante corrente de lágrimas jorra de Seus olhos.  Onde se situa Sua conecçäo com a realidade?  Ele está vendo as coisas do lado oposto, a partir do mundo subjetivo.

Entäo como devemos nos aproximar da Deidade?  Quando formos olhar a Deidade, qual deve ser nossa atitude?  A forma da Deidade do Senhor näo é uma coisa mundana, logo devemos aprender a maneira correta de enxergar a Deidade.  E mais que isso, devemos tentar enxergar isso do outro ponto de vista. Assim como estamos tentando ver a Deidade, Ele nos vê.  Ele adveio para auxiliar as almas caídas nesse mundo material, e desceu de tal forma a nos elevar até Seu domínio.


Ramanuja classificou a expressäo da Entidade Suprema de cinco formas:  para, vyuha, vaibhava, antaryami, e arcana.  Para, o conceito central da entidade mais elevada; vyuha, a extensäo de seu próprio ser em diferentes funçöes, em diferentes figuras; vaibhava, Seu aparecimento nesse plano mundano como avataras tais como Matsya, Kurma, e Varaha; antaryami, Sua presença em cada coraçäo e cada alma, cada unidade consciente; e arcana, Seu aparecimento no plano de nossa percepçäo física como a Deidade.  Em sua forma da Deidade, posso tocá-Lo, posso vê-Lo, e posso serví-Lo.  Ele veio numa forma concreta para auxiliar nosso entendimento.

Sri Chaitanya Mahaprabhu olhava para a Deidade e Seus olhos ficavam marejados de lágrimas.  Näo é que Seus olhos estavam fixos nas características superficiais da madeira quando Ele via a forma da Deidade do Senhor Jagannatha, mas Ele estava conectado num nível vastamente mais elevado com a consciência de Krishna. Seus pensamentos eram profundamente cheios de consciência de Krishna. Sri Chaitanya Mahaprabhu pensava:  "O Senhor Jagannatha veio aqui e está fazendo arranjos para salvar milhöes da almas caídas, especialmente ao estender Sua própria prasadam a todo e qualquer um em grande magnitude. Sua presença magnânima manifestou-Se aqui para o alívio desse mundo."

E consciência de Krishna é o mais alto trabalho de alívio.  Nosso guru maharaja costumava dizer que existe uma fome de krishna katha.  Existe uma fome no momento.  Mas o mundo está sofrendo de uma falta de alimento?  Näo.  O mundo está sofrendo da fome de consciência de Krishna, falar sobre Krishna, krishna kirtan.  Portanto devemos tentar abrir locais para distribuir alimento para que possamos distribuir o alimento da consciência de Krishna a todas almas.  Mahaprabhu disse:  "Quem quer que encontres, fale de Krishna (yare dekha, tare kaha 'krishna-upadesha')"  Dêem-lhes o alimento da consciência de Krishna, krishna katha.  O mundo está cheio de pessoas atormentadas pela fome.  Devemos distribuir alimento, dar a vida e alento da consciência de Krishna a quem quer que encontremos, falando sobre Krishna.

Esse era o sentimento de Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati, e Bhaktivedanta Swami Maharaja executou isso no ocidente.  Srila Bhaktisiddhanta costumava dizer: "Näo admito nenhum outro conceito de fome.  A única fome é de krishna katha, krishna smrti, consciência de Krishna."  Com tal seriedade é que concebia nossa necessidade de consciência de Krishna.

Krishna é de importância vital para nossa existência.  Somente Krishna pode nos dar vitalidade.  E como Sri Chaitanya Mahaprabhu, o próprio Krishna distribui consciência de Krishna.  Vasudeva Ghosh portanto diz:  "Sri Gauranga é minha vida e alma, minha única vitalidade.  Se Gauranga näo viesse, como poderia eu viver?  (Yadi gaura na ha'ta tabe ki haita kemane dharitam de.)  Por Sua graça provei alimento täo valioso que sem isso, minha vida seria completamente impossível."

Consciência de Krishna é a vitalidade da vitalidade.  Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Prabhupada esforçou-se ao máximo para dar consciência de Krishna ao povo da India, e Bhaktivedanta Swami Maharaja distribui essa vitalidade pelo mundo inteiro.  É pela graça deles e pela graça do próprio Sri Chaitanya Mahaprabhu que tantos chegaram à consciência de Krishna.  Haridasa Thakura certa vez disse a Chaitanya Mahaprabhu:  "Através do Teu cantar do santo nome de Krishna, tanto o mundo animado quanto o inanimado foram alimentados com o alimento da consciência de Krishna.  Seja qual for a posiçäo que ocupem, a vida deles está realizada.  Ouvi sobre como quando viajavas pela selva e cantavas e dançavas, os elefantes e tigres também dançavam e cantavam o santo nome de Krishna.  Entäo näo admira se eu disser que as pedras e as árvores também atingiram sua meta mais alta - consciência de Krishna - quando estás cantando.  Que intenso grau de consciência de Krishna foi produzido aqui através do Teu cantar!"

Porém a fim de cantar o santo nome de Krishna, também é necessário algo de nossa parte.  Amanina manadena kirtaniyah sada harih.  Devemos sempre recorrer ao kirtana, mas nossa atitude deve ser como recomenda Mahaprabhu:  "Trnad api sunicena taror api sahisnuna amanina manadena."  Nossa atitude deve ser de humildade, e se achamos que estamos sendo lesados, ainda assim devemos ser pacientes, e sob nenhuma circunstância devemos trabalhar por nossa própria posiçäo e prestígio; essa näo deve ser nossa meta.

Quando o inferior se insurge contra o superior, surge a ofensa.  Essa tendência deve ser evitada.  Educaçäo primária também é educaçäo, mas näo deve competir com a educaçäo superior; devemos tomar cuidado com isso.  Ao mesmo tempo, a diferenciaçäo entre educaçäo superior e inferior deve ser genuína.  Ainda assim, näo devemos pensar que educaçäo primária é a educaçäo mais elevada.   Isso será perigoso.  Há um ditado em bengali - alpavidya bhayamkori - "Um pouco de conhecimento é coisa perigosa."  Temos que tomar cuidado com isso, senäo nossa atitude será suicida.   A questäo das ofensas surge sempre que a educaçäo primária se compara à educaçäo superior.  Esse tipo de afirmaçäo é ofensivo.

Lenta e constantemente se ganha a corrida.  Nossa marcha rumo ao infinito é uma longa jornada, näo uma jornada a terminar em poucas horas, poucos dias, ou poucos anos.  E temos que nos ajustar de acordo.  Näo é que vamos correr rapidamente para fazer progresso e entäo parar e dormir.  O caminho a trilhar é longo.  Só teremos sucesso se desenvolvermos humildade - trnad api sunicena.  Näo devemos criar nenhuma circunstância que convide resistência.  Ainda assim, se a resistência inesperadamente se aproximar de nós, devemos tentar ao máximo ser tolerantes.  E devemos estar sempre conscientes de que o olho de nosso guardiäo está sempre sobre nós, pronto para ajudar-nos em nossa campanha.  Näo estamos sozinhos.  Podemos continuar confiantes:  existe uma pessoa acima de nós para reparar o mal que possa se apresentar diante de nós, portanto näo devemos tomar a iniciativa.


Näo devemos permitir que qualquer propósito ou tentaçäo ulterior nos induza a abandonar a busca por Sri Krishna.  Que a satisfaçäo de guru, Gauranga, Krishna e os Vaisnavas sejam nosso único objetivo.  Que nenhum outro elemento entre em nosso caminho.  A pureza de nosso propósito deve sempre ser mantida escrupulosamente.  Devemos pensar:  "Seguirei sozinho com meu dever.  Näo vou ficar sempre procurando por alguém que venha e me ajude.  Que eles façam seu próprio dever.  Esse é meu dever."

Com essa atitude continuaremos.  Com esse tipo de ajuste nossa concentraçäo poderá se tornar mais intensa, nossa confiança em Krishna será aumentada, e nosso dever será puro e claro.  Devemos estar conscientes que empecilhos e obstáculos quase certamente nos atacaräo, mas devemos lidar com eles com humildade e tolerância.  Portanto essa vida näo é uma vida de conforto.

SAGRADOS PÉS DE VISHNU

Mas a fim de desenvolver esse tipo de humildade e tolerância, devemos aprender a ver a mäo do Senhor em tudo.  E portanto os Vedas nos dizem para lembrar que o olhar do Senhor está sempre sobre nós.  Om tad vishno paramam padam sada pashyanti suraya: pedem-nos que vejamos os sagrados pés de Narayana assim como vemos o sol no céu.  Porque o sol?  O sol é descrito como pradarshaka:  o observador, a testemunha.  Aparentemente vemos o sol, porém na realidade o sol nos ajuda a ver.  Os sagrados pés de Vishnu significam a parte mais baixa de Vishnu - yoge vidhayam yasya vidyate kvacit.  A parte mais baixa Dele para nós é o começo da realizaçäo.  O começo da realizaçäo é pensar que Deus está sempre nos vendo.  Assim como o sol nos ajuda a ver, os sagrados pés de Vishnu säo como o sol.  Por isso devemos sempre tentar ver tudo pelos raios dos sagrados pés de Vishnu.

De outro ponto de vista, Seus sagrados pés säo como um grande olho que se estende pelo firmamento.  Ele vê tudo.  Seja o quê fizermos, o olho vigilante de nosso guardiäo está sobre nossa cabeça tal como o sol.  Antes que entremos em qualquer açäo devemos lembrar desse mantra védico.  O Rig Veda é o primeiro Veda e esse é o mais importante mantra do Rig Veda.  Os brahmanas da escola védica aprendem que sempre que fizerem qualquer serviço referente a religiäo ou varnashrama, devem primeiro lembrar desse mantra do Rig Veda:  "Os pés de Vishnu estäo sobre ti e estäo te olhando como o olho de um guardiäo vigilante.  Sempre lembrando disso, faça teu dever."

Se sempre lembrarmos que Ele está vendo tudo que fazemos, näo conseguiremos fazer nada errado.  Näo conseguiremos aventurar-nos a fazer qualquer coisa ofensiva ao Senhor enquanto lembrarmos que através de tudo, o olho investigador, o olho que tudo sabe, o olho oniciente do Senhor está sempre velando por nós.  Essa lembrança só pode purificar nosso coraçäo e entendimento e todo nosso sistema mental, e nos ajudará a nos aproximar da divindade da maneira correta.  Näo é que podemos fazer toda e qualquer coisa sem que Ele saiba; näo é que somos os mestres marioneteiros de nossa própria vida e do mundo; näo é que vamos exercer nossa maestria, nossa influência sobre o meio-ambiente num esforço egoísta.  Sempre lembrem que um grande olho se estende acima de suas cabeças vendo tudo como o farol examinador de um forte raio-X.  Até mesmo o que nós mesmos näo sabemos sobre nós, Ele sabe.  O que está no subterrâneo da regiäo subconsciente mais recôndita de nosso coraçäo, Ele sabe.  Se lembrarmos disso enquanto vivemos e nos movimentamos, só poderemos nos purificar.  Assim como o câncer pode ser removido do corpo por um raio laser, toda moléstia da existência material desaparecerá de nossos coraçöes pela influência purificadora desses divinos raios de luz dos sagrados pés de Vishnu.

                           *    *    *


                          REI DAS VACAS

Possa aquele senhor das vacas ficar satisfeito conosco.  Quem é Indra se comparado a Krishna?  Krishna é o controlador de Indra.  E no entanto Ele apareceu como o controlador das vacas; a Suprema Verdade Absoluta aceitou uma simples posiçäo de guardiäo das vacas.  Superficialmente, Ele é um mero menino vaqueiro.  Mas que esse menino vaqueiro, que em Si encerra o poder de controlar o universo inteiro, fique satisfeito conosco.  Queremos adorar aquele Senhor que tomou a humilde posiçäo de rei das vacas.

                        SENHOR DAS VACAS

                deve varshati yajna-viplavarusha
                     vajrashma-varshanilaih
               sidat-pala-pashu-striyatma-saranam
                     drstvanukampy-utsmayam
                 utpatyaika-karena shailamavalo
                     lilocchilindhram yatha
              bibrad gosthamapan mahendram adabhit
                      priyan na indro gavam
                                       Srimad Bhagavatam 10.26.25

A própria essência da Govardhana lila, a própria substância do passatempo, está representada nesse verso.  Os vaqueiros de Vrindavana costumavam observar um sacrifício para satisfazer o rei do céu, Indra, sob cujo comando  a chuva, nuvens e outros poderes elementais sutis se movimentam.  A principal riqueza dos vaqueiros é a vaca, e o principal alimento da vaca é a grama.  Só a chuva pode produzir grama, e portanto os vaqueiros costumavam realizar sacrifícios para satisfazer o poder sutil que supostamente comanda as substâncias naturais como a chuva.

Por satisfazer Indra, vinham chuvas favoráveis e havia suficiente grama.  Entäo as vacas podiam pastar facilmente na grama e gerar leite profusamente.  Os gopas, os vaqueiros e suas famílias, costumavam fazer diferentes preparaçöes do leite, vendendo-as na praça do mercado, e dessa maneira ganhavam seu sustento.


Conforme o pasto acabava num local, mudavam-se de uma floresta para outra.   Apenas com a finalidade de obter grama para as vacas, o pai de Krishna, Nanda Maharaja, e os vaqueiros costumavam perambular de um local para outro.  Assim, às vezes viviam em Vrindavana, às vezes em Nandagrama, e às vezes em Gokula.

Uma vez, Krishna queria Se afirmar e modificar a adoraçäo a Indra.  Queria estabelecer Seu próprio domínio, Vrindavana, em sua glória original impoluta.

Embora fosse apenas um menino, era um menino de capacidade extraordinária.  Tinha só sete anos de idade.  Porém no Padma Purana é dito que o desenvolvimento ou crescimento de personalidades especiais é uma e meia vezes maior que de pessoas comuns.  Embora Krishna só tivesse sete anos de idade pelos cálculos comuns, tinha onze segundo o cálculo geral.

Krishna disse: "Porque devemos realizar esse sacrifício para Indra?  Temos interesse direto pela Colina de Govardhana e näo por Indra."  Ele anunciou essa idéia aos gopas, e de alguma forma, de bom grado ou reluntando, os gopas se submeteram ao conselho de Krishna.  Nanda Maharaja foi influenciado pela afeiçäo por seu filho e, porque era o rei, disse-lhes:  "Dessa vez vamos adorar a Colina de Govardhana e näo Indra."

INDRA INSULTADO

E assim os gopas, os vaqueiros de Vrindavana, seguiram o conselho de Krishna - alguns relutantemente e alguns de boa vontade - e começaram o sacrifício para a Colina de Govardhana.  Esta notícia chegou a Indra, que pensou consigo mesmo:  "Um menino de capacidade especial vive ali.  Agora Ele tomou a liderança de Vrindavana e parou esse antigo sacrifício a mim.  Durante muito tempo era tradiçäo dos gopas realizar o sacrifício para satisfazer-me, e agora um menino é a causa de pararem meu sacrifício!"  Ficou muito irado.  Indra ordenou que as nuvens e o vento e o relâmpago atacassem os residentes de Vrindavana.

Segundo a compreensäo védica, todos elementos säo personificados.  Na antiguidade, os arianos e rajarishis, seres humanos elevados e grandes sábios, costumavam ver tudo como pessoas.  Viam tudo de maneira pessoal.  Pensavam nas trepadeiras, árvores e tudo o mais no meio-ambiente como pessoas.  Compreendiam que eram todas pessoas que, conforme o karma, estäo vagando através de diferentes espécies de vida.

Uma vez um professor de biologia me perguntou sobre alternativas à evoluçäo Darwiniana.  Aconselhei-o que a evoluçäo da consciência à matéria pode ser compreendida com base na teoria de Berkeley.  Qualquer coisa em que pensemos na verdade é parte de nossa consciência.  E consciência significa pessoa.  Tudo do qual possamos estar conscientes é uma pessoa.  Podemos pensar no vento como um objeto inanimado, mas na linha védica se pensava nele como uma pessoa.  Relâmpago, vento, nuvens, e chuva todos säo pessoas. Aquilo que consideramos matéria elementar, grosseira e sutil, era tudo considerado pelos antigos videntes da verdade como pessoas.

Indra comandou o vento, as nuvens e a chuva para ir devastar toda área de Gokula Vrndavana.  "Os residentes de Vrndavana me insultaram!" disse ele.  "Me rejeitaram, pararam de me adorar, e em vez disso estäo adorando aquela montanha, aquela colina de Govardhana.  Näo posso tolerar esse insulto!  Väo e devastem tudo."

Pela ordem e ira de Indra, o mestre de todos elementos sutis mais elevados, começou a cair pesada chuva.  E assim o troväo, granizo, e chuva simultaneamente atacaram toda Vraja Mandala.

Consequentemente, todos residentes de Vrndavana se viram num grande desastre.  Miséria, dor, e tristeza afligiam os animais e os protetores dos animais, os gopalas.  Assim os indefesos - as mulheres, crianças, e animais de Vrindavana - näo tinham outra alternativa senäo tomar refúgio em Krishna.  Todos vieram a Krishna para obter alívio.  Choravam:  "ó Krishna! Agora que vamos fazer? Tu nos influenciaste a parar com o sacrifício destinado a Indra, e agora Indra, sendo vingativo, começou a nos afligir  dessa maneira muito pesada.  Como poderemos viver?  Por favor salve-nos!"  Todos vieram a Krishna para proteçäo.  Vendo isso, Krishna teve muita pena deles.  Sendo lhes misericordioso, sorriu um pouco, pensando:  "Todos vieram a Mim para o alívio."

Naquele momento, com apenas uma mäo, Krishna levantou a montanha Govardhana.  Para Ele, era algo muito fácil; com apenas uma mäo desalojou a colina e a levantou tal como uma criança levanta uma bola de brinquedo.

E segurando aquela grande montanha Krishna deu proteçäo a todos aqueles que estavam vivendo em Gokula.  Os homens, mulheres, e crianças de Vrindavana trouxeram as vacas e todos seus pertences materiais e tomaram refúgio sob a Colina de Govardhana.

Toda sociedade dos vaqueiros recebeu abrigo sob aquela colina.  Dessa forma, levantando a Colina de Govardhana, Krishna deu proteçäo aos residentes de Vrindavana, e arrasou o orgulho do senhor do firmamento, o próprio Indra.

E portanto Nanda Maharaja ora nesse verso:  "Possa aquele senhor das vacas ficar satisfeito conosco.  Quem é Indra se comparado a Krishna?  Krishna é o controlador de Indra.  E no entanto Ele apareceu como o controlador das vacas; a Suprema Verdade Absoluta aceitou uma simples posiçäo de guardiäo das vacas.  Superficialmente, Ele é um mero menino vaqueiro.  Mas que esse menino vaqueiro, que em Si encerra o poder de controlar o universo inteiro, fique satisfeito conosco.  Queremos adorar aquele Senhor que tomou a humilde posiçäo de rei das vacas."

Desse verso do Srimad-Bhagavatam, podemos compreender a posiçäo do passatempo do Senhor em Govardhana.  Aqui também se descreve que quando os Vrajavasis O adoraram e se ocuparam no sacrifício para a satisfaçäo Dele, viram a Colina de Govardhana como a Pessoa Suprema, estendendo Suas mäos, aceitando as coisas a Ele oferecidas, e Se alimentando.

Naquele momento, Krishna apontou:  "Vejam só!  Vocês pensavam que a Colina de Govardhana era só um monte de pedra.  Näo - está viva, é a Suprema Personalidade de Deus.  Naquela hora Krishna Se revelou como a Colina de Govardhana e mostrou como também se trata da extensäo de Seu próprio ser.  Segundo as autoridades em nossa linha, Radha-kunda é a extensäo do próprio ser de Srimati Radharani e Govardhana é extensäo do próprio ser de Krishna.  E portanto adoramos uma pedra da Colina de Govardhana, uma parte de Giridhari, como o próprio Krishna.  A partir disso podemos compreender que uma parte do infinito é infinita.  E no entanto nossa visäo comum é täo fraca que embora Govardhana-shila seja uma parte do infinito e portanto também infinita, para nossa visäo material é somente um pedaço de pedra.

Esse passatempo mostra que uma coisa pode parecer pedra comum, mas sua possibilidade é infinita.  No sentido geral, a teoria da relatividade de Einstein anunciou que qualquer coisa que vemos é aquela coisa e ainda algo mais.  De sua própria maneira científica, ele explica que a realidade de algo inclui suas possibilidades, sua perspectiva - a realidade näo é parada.

A realidade näo se limita ao que vemos ou concebemos através de nossos sentidos.  Nossa visäo ou estimativa de algo pode ser limitada, porém sem que saibamos, sua perspectiva pode ser ilimitada.  Nem sequer sabemos que infinita possibilidade pode haver num gräo de areia.  Näo sabemos que tipo de possibilidade pode existir numa folha duma planta.  Poderá parecer comum, mas pode conter valiosas propriedades medicinais.

DEUS O BELO

Uma parte do infinito também é infinita. A Govardhana-shila representa Krishna como controlador e guardiäo das vacas.  Dentro de Govardhana está aquele meigo e gentil conceito de Deus o Belo.  Imploramos por Sua misericórdia, Seu afeto, e Seu benevolente olhar.

Isso poderá nos salvar da influência negativa desse meio-ambiente material.  Quando tentarmos colocar um ponto final em nossa forma de vida material e acertar o curso rumo a Deus, consciência de Krishna, negligenciando os deveres imperativos que nos sobrecarregam, poderäo advir tantas dificuldades para nos atormentar, para nos enredar em nossa viagem rumo à verdade máxima.  Mas se nos ativermos à ordem de Krishna, Ele nos protegerá.  Krishna confirma isso no Bhagavad-gita:

                    sarva-dharman parityajya
                     mam ekam saranam vraja
                    aham tvam sarva-papebhyo
                      moksayisyami ma sucah



Ele diz:  "Abandone todos outros conceitos de dever e apenas renda-Se a Mim.  Näo tenha medo.  Eu o protegerei e libertarei de todas reaçöes pecaminosas que possam surgir por negligenciar teus deveres ordinários."

Diferentes tendências e impulsos materiais poderäo nos atacar - até mesmo o próprio Indra, o rei do firmamento e controlador de todas atividades comuns, poderá nos atacar - mas se prestarmos atençäo em nossa meta, se tivermos o cuidado de ler a ordem de Krishna, Ele nos protegerá na sombra de Seus pés de lótus.  Ele nos dará abrigo sob a sombra da Colina de Govardhana, onde nenhum Indra conseguirá tocar em nossas cabeças.  E com plena fé que Krishna nos dará proteçäo, devemos tentar tomar refúgio sob a Colina de Govardhana e orar:  "ó Krishna, dai-me proteçäo de todas dificuldades que podem vir atacar-me por ter deixado de lado minhas obrigaçöes comuns."

Embora muitas anomalias possam tentar nos pegar, Krishna nos protegerá.  E em Sua representaçäo como Colina de Govardhana, aquele maravilhoso controlador das vacas nos salvará de todo tipo de dificuldades.  Como isso é possível?  Deus faz maravilhas.  Seus meios säo desconhecidos e inconcebíveis.

                           *    *    *


Krishna é infinito; Ele é a maravilhosa maravilha das maravilhas; quanto mais O buscarmos, descobriremos que näo terminam Suas maravilhas.  Mesmo o Senhor Brahma, o criador desse universo e guru original de nossa sampradaya, ficou atônito ante as maravilhas de Krishna.



                          SENHOR BRAHMA

Ofereço minhas oraçöes a Ti, ó louvável Senhor que és a criança do vaqueiro Nanda.  Tua compleiçäo é de cor azul-escura como uma nuvem trovejante e estás vestido com vestes de seda que brilham como o relâmpago.  Teu rosto encantador está adornado com ornamentos gunja mala, e Teu cabelo decorado com uma pena de paväo.  Tua aparência é linda portando uma guirlanda de flores silvestres, e tal beleza é realçada pelo bocado de comida em Tua mäo esquerda.  Carregas um berrante de chifre de búfalo e uma vara para apacentar as vacas, debaixo de Teu braço esquerdo.  Seguras uma flauta e outros emblemas, e Teus pés säo suaves como um lótus.

                       A ILUSÄO DE BRAHMA

A Suprema Personalidade de Deus, Sri Krishna, a causa primordial de toda harmonia, é täo maravilhoso que simplesmente por aproximarmo-nos Dele, ficaremos encantados com Seus modos.  Ele é conhecido como Urukrama, pois Seus passos säo maravilhosos, inimagináveis, desconhecidos, e insondáveis.  Näo terminam Suas maravilhas.  Ashcaryavat pashyati kashcid enam ashcaryavad vadati tathaiva canyah: a cada passo na direçäo Dele, sentimos maravilhas.  Näo encontramos o final desse sentimento.  Krishna é infinito; Ele é a maravilhosa maravilha das maravilhas; quanto mais O buscarmos, descobriremos que näo terminam Suas maravilhas. 

Mesmo o Senhor Brahma, o criador desse universo e guru original de nossa sampradaya, ficou atônito ante as maravilhas de Krishna.  Uma vez, quando Krishna estava vivendo em Dwaraka, ouviu que Brahma, o criador do universo, viera para vê-Lo.  Krishna perguntou a Seu mensageiro: "Qual Brahma?"  Quando o mensageiro colocou esta questäo para Brahma, este pensou:  "Existem também outros Brahmas?  Como isso é possível?"  E disse para o mensageiro:  "Basta informar a Krishna que é o pai dos quatro Kumaras:  o Brahma de quatro cabeças."  O mensageiro foi até Krishna com a informaçäo.

"Sim, faça-o entrar" disse Krishna, conhecendo o temperamento de Brahma.  Brahma entrou, mas ficou espantado quando viu que tantos Brahmas haviam se reunido ali de todos universos na criaçäo.  Havia Brahmas com cem, mil, e um milhäo de cabeças - todos ali presentes.  Porque toda criaçäo se baseia no hipnotismo de Krishna, o Brahma de quatro cabeças podia ver Krishna e todos aqueles outros Brahmas, mas os outros Brahmas näo conseguiam se ver.  Cada um deles só via Krishna.  Cada um pensava:  "Krishna veio ao meu universo e me chamou por alguma necessidade."  Mas o Brahma desse universo podia ver tudo por causa daquela pergunta:  "Qual Brahma? Qual é o significado de Qual Brahma?  Existem outros Brahmas?  Estou curioso..."  Dessa maneira, o Senhor Brahma, criador do universo, ficou perplexo pelas maravilhosas possibilidades de Krishna. 

Antes, em Vrndavana, Brahma também teve alguma dúvida sobre a posiçäo do Senhor.  Pensou:  "Quem é esse menino vaqueiro?  Seus modos säo muito questionáveis.  Movimenta-se de tal maneira que parece que näo liga para ninguém.  Ele está dentro de minha brahmanda, meu universo, mas näo se importa em conhecer-me.  Que atitude é essa?  Quem é Ele?  Ele näo é Narayana.  Só Narayana está acima de mim.  E estou um pouco acostumado a Seu jeito e modos.  Mas esse menino näo é Narayana.  Que possa existir algo acima de Narayana é impossível.  Entäo quem é Ele?"

Para testar Krishna, Brahma sequestrou todos meninos vaqueiros e bezerros que O acompanhavam e escondeu-os numa caverna.  Depois de um ano, voltou para ver como estava continuando a vida em Vrndavana, para ver como Krishna estava sem Seus bezerros e meninos vaqueiros.  E descobriu que tudo estava como dantes.  O Senhor, rodeado de Seus amigos vaqueirinhos, estava carregando Sua flauta sob Sua axila e um bocado de comida em Sua outra mäo.  Encontrou tudo continuando conforme era antes.

Entäo Brahma começou a pensar:  "Que é isso?  Será que os bezerros e os meninos vaqueiros voltaram sem que eu reparasse?"  Novamente checou a caverna onde os escondera e encontrou todos lá.  Entäo pensou:  "Como isso é possível?  Roubei os bezerros e meninos vaqueiros e os escondi aqui e agora que voltei, descubro que ainda estäo todos aqui como antes."

Finalmente, perplexo, caiu aos pés de lótus de Krishna, orando:  "Meu Senhor, näo consegui reconhecer-Te.  Vieste para fazer um papel täo simples e comum, de menino vaqueiro.  Como alguém poderia acreditar que detens uma posiçäo maior ainda que a de Narayana?  Por favor perdoe tudo que fiz."

Em muitas partes do Srimad-Bhagavatam encontramos o Senhor Brahma, o criador do universo, sendo testado por Krishna.  E no entanto Brahma é nosso gurudeva.  Ele é o guru original de nossa linha.  Que ele pudesse ficar desconcertado é täo perplexante e difícil de entender que Madhvacharya eliminou essa seçäo do Srimad-Bhagavatam.  Ele näo conseguia aceitar esses dois capítulos do Srimad-Bhagavatam onde Brahma estava em ilusäo, em que tinha alguma compreensäo errônea acerca de Krishna.  Porém Sri Chaitanya Mahaprabhu aceitou tudo in toto.

Isso é algo muito estranho.  Como pode o guru original de nossa sampradaya ficar confuso sobre Krishna?  É acinthya, inconcebível.  Ainda assim, tudo é inteligível através da filosofia de acinthya-bhedabheda-tattva, "inconcebível unidade e diferença".  Como podemos acomodar que nosso guru original fique perplexo, näo só uma, mas duas vezes?  Isso é lila, um passatempo divino.  Encontramos um exemplo de acinthya-bhedabheda-tattva  na forma em que Krishna lida com Seus devotos.  Krishna em Si é independente de tudo.  Mesmo assim, às vezes Ele Se mostra como sendo completamente subordinado a Seus servos e que tem que fazer o que estes desejarem.  E em outras ocasiöes, às vezes os ignora completamente.  Esses säo os passatempos espontâneos do Doce Absoluto.  As vezes Ele mostra absoluta submissäo a Srimati Radharani, e novamente a ignora.  Essa é a própria natureza da lila de Krishna.

PASSATEMPOS TORTUOSOS

Rupa Goswami forneceu um verso de seu Ujjvala-nilamani como base para a devida compreensäo de krishna-lila.  Quando pensamos sobre os passatempos do absoluto, nós, o finito, teremos que usar esta armadura:  aher iva gatih premnah svabhava-kutila bhavet.  Temos que entender que os passatempos de Krishna säo naturalmente tortuosos, assim como o movimento de uma serpente.  Uma serpente näo consegue se movimentar numa linha reta; move-se em zig-zag.  As ondas que fluem do absoluto se movem da mesma maneira.  Essa característica de krishna-lila sempre se mantém acima de tudo o mais.  Krishna nunca poderá ser governado por nenhuma lei.  Com essa consideraçäo inicial devemos nos aproximar de qualquer estudo do absoluto.  Devemos sempre manter em mente que Ele é absoluto, e nós somos infinitesimais.  Ele é adhoksaja, transcendental, além do mundo de nossa experiência.

Certa vez perguntei a Prabhupada:  "Porque existe uma diferença entre Sanatana e Rupa no concepçäo deles da parte final de krishna-lila?  Sanatana fechou seu resumo dos passatempos de Krishna em seu Krishna-lila-stava em Mathura, e Rupa levou um passo mais em direçäo de Dvaraka em seu Lalita-madhava.  Ele escreveu duas peças que lidam com krishna-lila:  uma sobre Dvaraka e uma sobre Vrindavana.  Vidagdha-madhava acontece em Vrndavana; Lalita-madhava acontece em Dvaraka.  Porém Sanatana Goswami gostava de completar os passatempos de Krishna em Mathura.

Segundo Sanatana Goswami, após longo período de separaçäo entre Krishna e Sua família e amigos, como uma roda, o passatempo se movimenta de Mathura novamente para Vrndavana.  Depois que Krishna se fôra para Mathura, os residentes de Vrndavana, vencidos pela separaçäo, começaram a pensar:  "Krishna se foi há tanto tempo.  Nanda e Yasoda perderam seu filho!"  A separaçäo se intensifica e desenvolve ainda mais, até que começam a pensar:  "Oh, Nanda e Yasoda näo tem nenhum filho!"  Entäo pensam:  "Eles tem que ter um filho" e começam a orar para o aparecimento de Krishna.  Entäo Krishna aparece como o filho de Nanda e Yasoda.  O ciclo está completo e todos estäo contentes pensando:  "Oh sim, Yasoda tem um filho!"  Assim os passatempos de Krishna começam a se desenvolver em Vrindavana e movimentam-se para Mathura, onde Ele mata Kamsa.

Em seu Krishna-lila-stava, o seu resumo de krishna-lila, Sanatana Goswami näo levou Krishna para Dvaraka de Mathura Mandala.  Porém Rupa Goswami, em sua peça Lalita-madhava, mostrou os paralelos entre krishna-lila em Vrndavana e krishna-lila em Dvaraka.  E assim, em seu Lalita-madhava, Rupa Goswami traça um paralelo entre Lalita como Jambavati, Radharani como Satyabhama, e Chandravali como Rukmini.  Dessa forma, ele mostra a transformaçäo entre Vrndavana e Dvaraka.

ALÉM DA EXPERIENCIA

Indaguei a Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Prabhupada sobre essa diferença entre Rupa e Sanatana.  Ele simplesmente disse:  adhoksaja, além de nossa compreensäo.  Assim krishna-lila é "incompreensível" (acinthya).  Nem tudo pode caber em nossa mäo.  O Senhor Supremo  possue "Todos Direitos Reservados".  Isso deve ser compreendido se quisermos estar conectados com tal plano de realidade.

Portanto o Srimad-Bhagavatam diz:  jnane prayasam udapasya namanta eva:  é um defeito tentar entender tudo sobre a divindade. O conhecimento pode ser uma qualificaçäo aqui nesse mundo,  mas em relaçäo à verdade transcendental de ordem mais elevada, a tendência a querer saber tudo é uma desqualificaçäo.

Queremos saber o valor de tudo.  Queremos ter em nosso poder a chave de tudo.  Mas isso na realidade é um entrave ao progresso.  Se nos afirmamos dessa maneira, por contrapartida perdemos a pouca confiança que possamos ter na divindade, e haverá algum atraso em nos entregarem a chave.  Se um servo, ao conseguir emprego na casa do paträo, ficar muito ansioso para ser o encarregado das chaves da casa, entäo o paträo irá suspeitar dele.  Portanto querer saber tudo é um tipo de doença, inimiga do progresso. 

Isso é claro que é difícil de aceitar.  Mas ainda assim é verdade.  Rendiçäo é tudo.  Que cultivo de conhecimento encontramos nas gopis - as mais exaltadas devotas de Krishna?  Qual era seu conhecimento das escrituras?  Nenhum.

O que entendemos como "pureza padräo", o que pensamos ser conhecimento - todas essas coisas säo desqualificaçöes no tocante a dar prazer ao absoluto.  Um exemplo de como nossos padröes equivocados de "pureza" e "castidade" säo uma desqualificaçäo, pode ser visto na seguinte história.

UM MÉDICO MISTICO

A fim de provar a posiçäo suprema de Srimati Radharani, certo dia Krishna aparentou repentinamente cair doente.  Enquanto jazia doente, Ele veio numa outra forma, disfarçado de médico, e disse:  "ó Yasoda, ouvi que teu menino pegou alguma doença.  É verdade?"
"Sim, sim, quem és?"
"Sou um médico - um médico místico.  Gostaria de ver teu filho.  Qual é a doença dele?"
"Ele desmaiou; talvez esteja com dor de cabeça."

Entäo Krishna vestido de médico disse a Mäe Yasoda:  "Essa doença é muito séria.  Quero curá-Lo.  Mas só poderei fazê-lo se conseguir um pouco d'água trazido num pote poroso. É preciso pegar alguma água do Yamuna num pote que tenha muitos furos.  Só uma moça casta pode fazer isso.  Uma moça casta deve trazer uma água num pote poroso.  Com o auxílio disso darei um remédio a esse menino, e Ele voltará à consciência imediatamente."

Entäo Yasoda procurou loucamente em Vrndavana por uma moça casta.  Jatila e Kutila eram sogra e cunhada de Radharani.  Porque elas naturalmente pregavam que havia dúvida ou suspeita sobre a castidade das outras moças entre as gopis, elas próprias em geral eram consideradas como sendo castas.  Portanto Yasoda pediu a uma delas, Jatila, primeiro.  "Leva esse pote poroso e pega uma água do Yamuna."
"Como é possível?  Pegar água num pote poroso é impossível."
"Näo.  O médico diz que se a moça for realmente casta, entäo conseguirá pegar água num pote poroso."

Jatila näo pôde se esquivar do pedido louco de Yasoda.  Seu pedido fôra täo intenso que ela tinha que ir.  Mas näo conseguia pegar água do Yamuna porque havia tantos buracos no pote.  Entäo Kutila foi solicitada a pegar água no pote.  Mas ela näo se atrevia a tentar, em vista da tentativa de sua mäe.  Ainda assim, Yasoda fora täo sincera em seu pedido, que Kutila näo conseguiu se esquivar da tarefa.  Yasoda näo podia tolerar por um segundo que seu filho estivesse em tal condiçäo.  E assim seu pedido fora täo intenso  que Kutila teve que ir.  Mas ela também näo conseguiu pegar água, porque havia tantos buracos no pote d'água que a água simplesmente jorrava.

Ficaram atônitas, pensando:  "Que podemos fazer?  Dentre todas moças de Vraja, näo se encontra nem uma única moça casta?  Que coisa horrível!"  Assim, Krishna vestido de médico, escolheu Radharani, dizendo:  "Acho que Ela é uma moça casta.  Peça  que vá pegar a água."

E a pedido de Mäe Yasoda, Radharani näo pode evitar a tarefa.  Ela teve que ir pegar a água, mas estava pensando em Krishna:  "Se vieres em Meu socorro, só entäo será possível; senäo será impossível."  Ela orou.  Radharani mergulhou o pote poroso na água enquanto Krishna tocava o pote de dentro d'água.  E Radharani com grande suspeita  tirou o pote da água e com grande espanto disse:  "A água está lá!"  Ela havia levado algumas de Suas servas, as sakhis, Suas principais amigas, junto, e todas ficaram maravilhadas ao verem que Ela pegou a água do Yamuna.  Os buracos estavam ali porém a água permanecia no pote.  Assim Ela levou a água até Yasoda e todos ficaram pasmados.  E deram aquela água com algum remédio fictício ao menino Krishna, e Krishna Se levantou de Seu estado "inconsciente".

Essa foi uma tática de Krishna para revelar a posiçäo de Radharani, para mostrar o que é castidade.  Que é castidade?  "Castidade" comum näo é castidade real.  Pureza real, castidade verdadeira, está bem acima de todas consideraçöes relativas de castidade.  E isso é inconcebível, além de nosso conhecimento e razäo, assim como um pote poroso pode conter água.  É um milagre.

Porém o Senhor faz maravilhas.  Seus modos säo cheios de milagres.  Devemos estar preparados para isso.  Devemos estar preparados para o fato que todo conhecimento desse mundo, toda nossa experiência, poderá provar-se equivocada.  Portanto diz-se:  "jnane prayasam udapasya namanta eva:  fique livre de tuas experiências passadas, daquilo que deprendeste do mundo dos sentidos, conhecimento empírico (pratyaksa-jnana).  Tua tendência será sempre tentar abrir caminho mundo espiritual adentro por meio da força do conhecimento mundano.  Mas esse verso está dizendo:  "Oh pessoas caídas, seu capital é a experiência desse mundo.  Porém isso näo vai dar, näo terá valor naquele plano superior.  O que ali se encontra é algo novo, portanto aproximem-se daquele mundo com uma mente aberta; compreendam que tudo é possível com o infinito.  Todas suas expectativas, toda sua experiência passada, näo tem valor.  Porque näo param de tentar se esquivar desse ponto?"

O mundo transcendental é algo bem novo para nós.  É bastante difícil tentar sair dessa superstiçäo de assim-chamada "verdade" aqui.  Mas ainda assim é necessário que aceitemos que toda e qualquer coisa é possivel com Deus.  Ele é o mestre das impossibilidades.  Possibilidade e impossibilidade só se encontram em nosso dicionário, no entanto mesmo Napoleäo queria remover a palavra "impossível".  Ele disse:  "Impossível é uma palavra no dicionário de um tolo."


Como deveremos entender que o guru original de nossa sampradaya ficou desconcertado?  É "impossivel".  Temos que suspender nosso "conhecimento" (jnane prayasam udapasya namanta eva).  Poderemos considerar que talvez Krishna está brincando de esconde-esconde com Brahma, nosso gurudeva.  É assim como um jogo de esconde-esconde.  As vezes Krishna está derrotando outros e às vezes Ele é derrotado.

KRISHNA E BALARAM

Quando Krishna e Balarama estäo brincando com Seus amigos na selva, em geral brincam em dois grupos.  Krishna fica num grupo e Balarama noutro.  Krishna é considerado como sendo menos forte que Balarama.  Balarama era a pessoa mais forte dali, e em seguida havia Sridhama, portanto Sridama costumava brincar no lado de Krishna.

Sempre que Balarama era derrotado, ficava irado.  Krishna diplomaticamente ajudava Seu próprio  time, e quando Balarama via que Seu próprio time estava sendo desleal devido aos truques de Krishna, virava-Se para Seu irmäo mais novo e dizia:  "Vou Te castigar!"  Mas Krishna dizia:  "Näo.  Näo consegues Me punir; Mäe Yasoda Me colocou sob Tua guarda.  Näo podes maltratar-Me."

Certo dia, Balarama bateu em Krishna, porém Krishna foi até Mäe Yasoda e denunciou-O.  Balarama ficou muito perturbado e disse:  "Te bato uma vez, e vais reclamar com Tua mäe que näo Te amo?  Krishna, como pudeste fazer isso?"  Afinal Krishna ficou perplexo e aceitou Sua derrota.

Portanto krishna-lila se movimenta de maneira tortuosa (aher iva gatih premna...).  Esse ponto fundamental, o fundamento de nossa compreensäo sobre krishna-lila, foi dado por Rupa Goswami nesse verso.  Ele diz:  "Näo fiquem ansiosos por encontrar razäo em tudo nos passatempos da divindade.  Eles säo naturalmente tortuosos.  Em krishna-lila vamos ver que embora nenhum partido tenha defeito, ainda assim, um irá colocar defeito no outro e começar uma querela.  Ali näo se encontra defeito.  Mas ainda assim, pela necessidade da lila, encontram-se falsos defeitos, e principia alguma briga.  Esse é o sentido de lila, passatempos:  o que aqui encontramos pela necessidade, lá flui automaticamente."

Näo podemos tentar aplicar nossa razäo ou padräo de medida aos movimentos do infinito.  E qualquer avanço que tenhamos feito por conectar com tal fluxo de lila será perdido em nossas tentativas de medir; essa será a única consequência de nossa análise.  Portanto devemos tentar ter um gosto pela lila com uma atitude submissa.  As vezes a razäo, lógica e análise säo necessárias, mas somente para pregar para as pessoas em geral que tem um entendimento inferior.  Apenas para o propósito de pregar para pessoas viciadas na razäo é que temos que aceitar o auxílio da razäo.  Mas quando a devoçäo se torna automática, anuraga, entäo tanto a razäo quanto a escritura säo deixadas na posiçäo subterrânea.  Ali näo há lugar para argumentos escriturais.  Até certo ponto, a razäo é necessária para nosso desenvolvimento até vaidhi-bhakti, os estágios elementares da devoçäo.  Porém acima disso, näo tem utilidade.

Anuraga-bhajana é automática; essa é a natureza de lila:  aher iva gatih premna.  Tudo ali se movimenta por Sua doce vontade.  Doce vontade significa que näo é um programa fixo.  Movimenta-se de tal forma que näo podemos dizer "Irá passar por essa estrada."

Quando o Maharaja de Mysore costumava ir à cidade de carro, näo falava com seu motorista, dando-lhe instruçöes quanto ao caminho a seguir, porque se qualquer programa fixo fosse combinado, entäo sua vida poderia correr perigo.  Entäo sempre que chegavam a algum cruzamento na estrada, encostava sua bengala a determinado ombro do motorista.  Se no cruzamento, o Maharaja quisesse ir para a direita, tocava o motorista em seu ombro direito.  Dessa maneira, nunca revelava por qual caminho seguiria, mas só no último momento é que orientava o motorista para tomar certo rumo.

Assim os divinos movimentos de Krishna säo guardados reservados  por Sua doce vontade:  "Todos Direitos Reservados".  Queremos procurar  por alguma lei acima de Sua doce vontade, mas isso é inconsistente.  Se auto-contradiz.  Por um lado dizemos que Krishna Se move por Sua própria doce vontade, mas por outro lado tentamos achar alguma lei que governe Seu movimento.  Isso é uma contradiçäo.   A Lila se move pela doce vontade.  Quando dizemos que é lila, entäo näo podemos dar nenhum formato a isso.  Podemos dizer que foi mostrada num determinado local de uma maneira particular.  Mas näo podemos ter certeza se hoje será tomado o mesmo rumo.

É por isso que encontramos diferenças nas explicaçöes dadas sobre diferentes lilas em diferentes eras.  Jiva Goswami explicou que a razäo para diferentes descriçöes dos passatempos do Senhor nos Puranas é porque numa ocasiäo tal lila se desenrolou dum modo, e noutra ocasiäo foi de outra maneira.  Assim encontramos diferenças até mesmo nas explicaçöes do mesmo passatempo.

Estudiosos poderäo desafiar:  "Porque é que em algum lugar do Padma Purana a lila é mencionada dessa forma, mas o Bhagavata Purana revela a descriçäo de outra maneira?  Porque o Harivamsa difere do Mahabharata?" Dizemos que em diferentes kalpas ou eras, os passatempos säo encenados de maneiras diferentes.  De infinitas maneiras determinada lila do Senhor poderá ser representada nesse mundo, porque Ele é infinito, independente, e absoluto.  Portanto, deixando de lado todas dúvidas e suspeitas, seremos mais generosos ao nos aproximar do absoluto, livre de todas inibiçöes.  Aproximaremo-nos Dele com tal estado de espírito, e tentaremos mais e mais deixar de lado nossos preconceitos e precedentes anteriores, os registros de nossa experiência passada.

DEUS ESTA MORTO?

Vamos nos aproximar Dele lembrando  que Ele ainda está vivendo.  Näo é uma coisa estereotipada.  Näo devemos esperar apenas o que já foi feito doutra feita.  Se esperarmos a mesma coisa só irá nos reasegurar através da repetiçäo de que Ele näo é uma coisa viva; que a Divindade está sob a lei histórica.  Devemos pensar que no passado Ele Se mostrou de determinada maneira, portanto Ele tem obrigaçäo de mostrar-Se sempre daquela forma?  Ele näo está vivo até hoje?  Será que Ele näo pode mostrar nada de novo?

A cada momento, cada segundo, Ele pode mostrar tudo de uma maneira bem nova.  Portanto nosso coraçäo deve se abrir bem quando nos aproximamos da autoridade superior do plano do jogo absoluto.  Isso significa que a rendiçäo tem que aumentar até näo ter limite.  A rendiçäo é sem limites, e Seu jogo ou lila também é ilimitada.  Com esse tipo de visäo profunda, vamos tentar ler Sua lila.  Assim embora Brahma e os outros deuses e gurus e transmissores de muitos shastras possam ter feito determinada descriçäo de Seus passatempos, vamos ter que entender que os passatempos de Krishna näo estäo presos às descriçöes deles.  Krishna näo está confinado numa gaiola.

Portanto, por essa razäo Sri Chaitanya Mahaprabhu näo hesitou em nos dar uma descriçäo da confusäo de Brahma (brahma-vimohana-lila).  Brahma confundiu-se na krishna-lila em Vrndavana, e novamente quando Brahma foi numa entrevista com Krishna em Dwaraka, encontramos a mesma situaçäo.  A marca da doce vontade do infinito é tal que ali qualquer coisa pode ser acomodada, e mesmo o Senhor Brahma, criador do universo, pode ficar perplexo diante de Krishna.

Todos esses passatempos säo como uns tantos faróis nos mostrando o caminho a seguir.  Brahma é nosso guru, mas ele foi iludido por Krishna.  E Vedavyasa, o guru universal, também foi repreendido por Narada.  Narada foi testado muitas vezes.  Todos esses exemplos estäo nos mostrando o caminho, estäo apontando a direçäo.  É dito que shrutibhir vimrgyam:  os livros autênticos sobre a verdade revelada estäo apenas mostrando o caminho.  Eles dizem:  "Väo por essa direçäo.  Aonde?  Näo sabemos exatamente, mas podem tomar essa direçäo."  Só estäo mostrando a direçäo.  Todos os shrutis, a orientaçäo dada pelos sábios da verdade revelada, däo alguma direçäo:  "Väo por esse caminho, nessa direçäo, e talvez possam encontrar."

Krishna diz:  "vedais ca sarvair aham eva vedyo.  Todos Vedas tem a intençäo de revelar-Me, o infinito."  Destinam-se a mostrar como o infinito está se movimentando.  Se analiso um átomo na minha mäo, posso analisá-lo repetidamente e reanalisá-lo sem chegar a lugar algum.  Já está na minha mäo, e contudo é infinito.  Portanto foi dito que conseguiremos o maior benefício através da rendiçäo.  Krishna diz:  "Abandona todos teus preconceitos e as limitaçöes extraídas do mundo limitado e fica aberto.   Entäo será fácil o infinito lançar diferentes vislumbres de luz em tua alma e tua faculdade cognitiva.  E entäo também será fácil limpar teu plano de entendimento, limpar teu espelho, o espelho de teu coraçäo."


Em conecçäo com o infinito descobrirás que em tudo há centro, e em nenhum lugar circunferência.  Mas para vivenciar isso tem que tentar viver na eternidade, em Vaikuntha.  Kuntha significa "medida".  Vaikuntha significa "sem tortuosidade, sem limite, sem medida."  Isso é Vaikuntha.

Quando Krishna abriu Sua boca, Yasoda ficou estarrecida ao descobrir a criaçäo universal inteira.  Yasoda  näo entendeu nada.  "Que vejo?  O universo todo?  O infinito dentro do finito?"  Naquele momento ela quase desmaiou, mas aí o gato dela miou alto.  E Krishna, como se estivesse com muito medo do som do gato, agarrou Sua mäe por temor.  Entäo de repente a apreensäo de Yasoda desapareceu.  Pensou:  "ó näo... Ele é meu filho!  Näo tem nenhuma representaçäo do infinito dentro Dele; Ele é meu filho!"  E O abraçou. 

Quando Brahma sequestrou os meninos vaqueiros e bezerros, pensou que havia deixado alguma lacuna na lila, mas acabou descobrindo que esta fluía assim como dantes.  Nem mesmo a menor parte fora perturbada.  Krishna tinha Se expandido em bezerros e meninos vaqueiros.  Quando o próprio Krishna tomou a forma de todos bezerros e meninos vaqueiros, entäo as mäes sentiram um tipo de afeiçäo infinita, tanto assim que näo conseguiam entender, mas ficavam encantadas, pensando:  "Como säo lindos esses meninos!"  E as vacas também estavam loucas para mostrar sua afeiçäo para aqueles bezerros.  Entäo Brahma pensou:  "Será que esses meninos vaqueiros e bezerros que roubei vieram aqui sorrateiramente para juntarem-se a Ele?"  Novamente foi verificar o local onde os escondera.  E viu:  "Näo, os meninos e bezerros estäo onde os guardei nas cavernas da montanha.  Estäo lá."  De novo retornou até onde Krishna estava e viu tudo continuando conforme era.  Naquela hora Brahma se rendeu e foi tranquilizado.  Falou a seguinte oraçäo: 

              naumidya te'bhravapuse tadidambaraya
              gunjavatamsa-paripicchala-sanmukhaya
               vanyasraje kavalavetravisana-venu-
               laksmasriye mrdupade pashupangajaya
                                   Srimad-Bhagavatam 10.14.1

"Ofereço minhas oraçöes a Ti, ó louvável Senhor que és o filho do vaqueiro Nanda.  Tua tez é da cor azul escura de uma nuvem trovejante e estás vestido com roupas de seda que brilham como o relâmpago.  Teu rosto encantador está adornado de ornamentos gunja-mala, e Teu cabelo está decorado com uma pena de paväo.  Pareces lindo usando uma guirlanda de flores silvestres, e tal beleza é realçada pelo bocado de alimento em Tua mäo esquerda.  Carregas um berrante de búfalo sob Teu braço esquerdo.  Seguras uma flauta e outros emblemas, e Teus pés säo macios como um lótus."

Esse é o significado geral desse verso.  O sentido interno desse verso, contudo, é este:  "ó venerável Ser, submetemos nossas oraçöes a Ti.  Quem és?  És invisível, intocável, desconhecido, e impossível de conhecer.  Tua tez é da cor de uma nuvem negra, e portanto és muito difícil de ver, porém podes ser visto devido a Tua roupa amarela."  Amarelo é a cor de Radharani.  Portanto só com o auxílio da potência de Krishna é que se pode asseverar quem Ele é.  Tadit significa relâmpago. Com a ajuda do relâmpago conseguimos enxergar uma nuvem negra de noite.  Assim embora Krishna seja desconhecido e incognoscível, Sua potência pode revelá-Lo para nós.  Brahma diz:  "És a entidade venerável que passei a conhecer.  Agora curvo-me diante de Ti.  Teu corpo é como o de uma nuvem negra, e isso é alguma representaçäo mística.  Negro geralmente näo se consegue detectar.  Porém Tuas vestes de cor amarela auxiliam-nos a saber o que és.  Tem alguma semelhança com a veste amarela de Narayana.  Teu corpo negro e vestes amarelas sugerem a personificaçäo de Narayana.  És desconhecido e incognoscível até para Ti mesmo.  Mas Tua veste amarela - Tua potência - Te torna conhecido para nós.

"E desces até nosso nível como se estivesses na nossa posiçäo.  Estás vestido como um vaqueirinho, brincando na selva com um bocado de alimento em Tua mäo.  Isso nos engana ao tentarmos determinar quem és.  E adoras coisas comuns.  Até a guirlanda que usas é feita de flores selvagens comuns.  Teu gosto parece ser pelas coisas inferiores.

"E todos esses sinais säo enganadores para nós.  Tomas um bocado de alimento da Tua mäo e corres atrás das vacas.  Isso é sinal de ser de classe inferior.  As pessoas de casta mais elevada como brahmanas e ksatriyas näo podem se mover assim ou se comportar de tal modo com seu alimento.  O instrumento que carregas - uma flauta de bambu - também näo tem sofisticaçäo.  E Tua passada é curta.  Tudo isso nos desencaminha a termos um conceito inferior de Ti.  Estás Te escondendo, portanto como é que podemos compreender-Te?  Que falha há por parte de nós, entäo, que näo reconhecemos Tua supremacia?  É difícil aceitar que Tu, Krishna, és o mestre de tudo.

"Tens tantos ornamentos simples.  Näo achamos nada que seja deslumbrante ou cheio de esplendor aqui em Vrndavana.  Estamos acostumados a achar tais coisas em Vaikuntha.  Mas isto é novo.  Vieste aqui para mostrar Teus passatempos brincalhöes.  Aqui em Vrndavana descobrimos um novo conceito.  E é maravilhoso, simples, e encantador.  Simples, no entanto altamente atraente.

"Com simples coisas comuns Te decoraste, porém és täo extraordinariamente encantador.  É impossível de entender e descrever.  Em geral neste mundo, a posiçäo de vaqueirinhos näo tem nenhuma significância real.  Eles representam a seçäo inferior da sociedade.  Mas aqui em Vrndavana, tal posiçäo é täo maravilhosa e encantadora que Te achamos todo-atrativo - hipnotizando-nos.

"E Teu movimento é muito lento porém seguro.  Teu movimento é tal que näo Te importas com mais nada neste mundo.  Embora estejas numa posiçäo inferior, Tua postura é tal que aparentemente näo ligas para nada neste mundo.  Em Ti encontramos a mais elevada concepçäo vestida de maneira bem simples - mas uma maneira muito maravilhosa.  Em conecçäo Contigo, coisas de valor comum se tornam encantadoras.  Embora eu seja o Criador e tenha criado tudo, näo consigo entender este tipo de criaçäo.  Estou orgulhoso por ter criado tantas coisas neste mundo, mas estou atarantado ao ver a beleza do meio-ambiente aqui em Vrndavana.  Aqui Teu movimento é lento, mas seguro e belo.  Podes ser o filho de um ser humano que mantém vacas; isso näo é um padräo muito elevado na sociedade ou nas escrituras, mas é a natureza de Tua personalidade que seja o que fizeres, aquilo passa a ter a posiçäo mais elevada.  Que é isso!  Seja quem fores, minha vaidade foi derrotada.  Tomo refúgio a Teus sagrados pés - rendo-me.  Por favor ajuda-me a compreender o que realmente és."

Dessa maneira, Brahma se rendeu.  E assim, Krishna está além da compreensäo até mesmo do criador do universo.  Ele é infinito.  E Ele é infinito näo só na consideraçäo do espaço, mas também na consideraçäo do tempo - Ele é infinito em qualquer tipo de consideraçäo.  Sua potência infinita está representada na consciência, na existência, e também nas relaçöes do amor.

DOÇURA ABSOLUTA

As escrituras nos däo três conceitos do infinito:  Brahman, Paramatma, e Bhagavan.  O conceito Brahman é o infinito que tudo inclui.  O que quer que concebermos está nele.  Paramatma é o menor dos menores:  anor aniyan.  Qualquer coisa que se possa conceber que seja pequena, é ainda menor que isso.  E o Bhagavan, ou conceito pessoal de Deus, é de dois tipos:  um é como o senhor de infinita majestade e poder, e o outro é de absoluta doçura.

Jiva Goswami deu o significado essencial de Bhagavan em seu Bhakti-Sandarbha.  Ele diz:  bhagavan bhajaniya-sarva-sad-guna visistha.  Com Bhagavan, ele descreve este aspecto do infinito:  bhajaniya, adorável.  Quando entramos em contato com Ele, entäo queremos nos render para a satisfaçäo Dele - esse tipo de infinito.  Existem vários tipos de infinito.  O conceito mais alto do infinito é bhajaniya guna visistha:  Ele é täo lindo e atraente que está atraindo todos para se renderem a Ele.  Nenhum outro conceito do infinito, nem do espaço infinito, nem do tempo, nem de coisa alguma, consegue se aproximar deste conceito mais alto do infinito:  o infinito todo-atrativo.  Todos outros aspectos do infinito - tempo infinito, espaço infinito, poder infinito - säo externos.  Porém amor infinito que atrai amor e auto-rendiçäo é o tipo mais elevado de infinito.  E isso é Krishna.

Atraçäo é o elemento mais fundamental em tudo.  Tudo o mais pode ser eliminado e esquecido se entrarmos em contato com a atraçäo e o amor.  Tudo pode ser ignorado se estivermos em contato com o amor.  A realizaçäo de nossa existência, de toda existência, de tudo, está no amor.  O amor é o princípio no centro que é a única realizaçäo de toda existência.  O próprio cerne da existência está ali; näo se pode ignorar ou contestar através de quaisquer outras formas ou aspectos de nossa existência substancial.  É incontestável e absoluto.

Seja o que for que possamos experimentar, a necessidade mais central a ser preenchida permanece:  o amor.  O rei absoluto de tudo é o amor.  Nada consegue persistir quando comparado com ele.  Entrando em conflito com o princípio do amor, todos teräo de aceitar a derrota.  Mahaprabhu evidenciou que esta é a coisa mais substancial neste mundo.

Madhvacarya, em seu conceito sobre como devemos ver o acharya, o mestre espiritual, näo conseguiu harmonizar a confusäo de Brahma.  Afinal, ele é o sampradaya guru, o principal guru da tradiçäo, a Brahma-Madhva-sampradaya.  Portanto Madhvacarya omitiu estes dois capítulos sobre a ilusäo de Brahma do Srimad-Bhagavatam.  Mas Mahaprabhu näo fez isto.  Ele aceitou a ediçäo de Sridhara Swami, que está de acordo com a filosofia suddhadvaita de Vishnuswami.  A Vishnuswami sampradaya säo seguidores de raga-marga, devoçäo espontânea.  Sridhara Swami incluiu estes dois capítulos com seu comentário, e Mahaprabhu aceitou-o, e isso é corroborado no Caitanya-caritamrta.  Madhvacarya näo conseguiu acomodar a idéia que o guru pudesse ser seduzido.  Näo pôde tolerar que o guru pode näo saber de tudo, pode näo ser onisciente, mas Mahaprabhu conseguiu.

                           *    *    *


O poder do amor é inimaginável.  Embora seja impossível, o infinito é derrotado pelo finito.  Qual é essa posiçäo inimaginável?  Ela só pode ser obtida através do amor.  E quäo adorável e precioso e valioso é esse amor!  Para adquirir uma gota desse divino amor, nenhum sacrifício é suficiente. Assim somos encorajados a "morrer para viver".



                           BALAKRISHNA

Somos adoradores näo da paternidade de Deus, mas da qualidade filial de Deus.  Näo O adoramos como o criador ou como o controlador, na parte externa da circunferência, mas no conceito filial, Ele está no centro.  Ele näo está na circunferência mas no centro.  Esse é o conceito do Srimad Bhagavatam:  qualidade de filho, e depois de consorte, uma expressäo mais celestial, se encontra ali.  Ele está no centro e Suas extensöes emanam Dele.  Portanto em nosso conceito do absoluto, Seu pai está controlando-O, Sua mäe está maltratando-O, e O vemos cair aos pés de Sua amada.


                         DEUS COMO FILHO

Isto pode ser compreendido ao considerarmos que somos adoradores näo da paternidade de Deus, mas da qualidade de filho de Deus.  Näo O adoramos como o criador ou como o controlador, na parte externa da circunferência, mas no conceito filial, Ele está no centro.  Ele näo está na circunferência mas no centro.  Näo é que por um lado Ele esteja fornecendo tudo, criando tudo no
segundo plano.  Näo; Ele está no centro.  Esse é o conceito do Srimad-Bhagavatam:  qualidade de filho, e depois de consorte, uma expressäo mais celestial, se encontra ali.  Ele está ali no centro, e Suas extensöes emanam Dele.  Portanto em nosso conceito do absoluto, Seu pai está controlando-O, Sua mäe está maltratando-O e punindo-O, e também O vemos cair aos pés de Sua amada.  Sem falar no guru, até mesmo o próprio Deus pode aparentar ficar confuso quanto à Sua posiçäo absoluta.

E porquê?  Amor divino.  Prema.  Assim que coisa altamente preciosa o amor divino deve ser.  Após a liberaçäo, além da devoçäo calculista, no plano mais elevado de toda criaçäo, o amor eterno reina supremo.  E esse divino amor emana Dele assim como raios de luz emanam do sol.

Portanto Ele está no centro e Sua extensäo está por todos lados.  Baladeva por um lado supre a energia da existência, mantendo tudo no segundo plano (o pano de fundo), e o lado extático é controlado por Sua potência Srimati Radharani, que consegue fazer do Absoluto Independente, uma bolinha na brincadeira de Sua mäo.

É inconcebível, é incalculável, porém essa é a própria natureza da divindade.  O Senhor diz:  aham bhakta-paradhino...  "Sim, aceitei livremente a subjugaçäo por Meus devotos.  Näo tenho independência própria.  O modo como Meus devotos Me tratam é täo maravilhoso que Me torna subserviente a eles."  O amor divino é täo encantador que é considerado como sendo meta última da vida, e Sri Chaitanya Mahaprabhu pessoalmente veio junto com Nityananda Prabhu para divulgar essa notícia para o mundo.

OCEANO DE AMOR

Poderemos provar desta vida divina somente naquele plano do néctar.  Podermos viver nas ondas daquele oceano de amor é o mais elevado objetivo de nossas vidas.

Naquele reino divino nossas personalidades individuais podem ser mantidas.  Näo é necessário ao mergulharmos fundo naquele plano de consciência, que percamos nossa própria personalidade, nossa própria individualidade.  Näo é nem um pouco necessário.  E no entanto a natureza do amor divino, é que ainda estás vivendo, mas estás vivendo por conta Dele, integralmente convertido ao Seu serviço.  É uma coisa maravilhosa:  se pode manter a própria personalidade para o interesse de Krishna.  Mas näo se pode ter nenhum motivo egoísta, nenhum conceito de interesse separado.  Fundir-se lá näo é o fundir-se físico, mortal, näo um fundir-se do tipo perder-se, mas o tipo de fundir-se de que fala o Srimad-Bhagavatam:

                martyo yada tyakta-samasta-karma
                   niveditatma vicikirsito me
                   tadamrtatvam pratipadyamano


                 mayatma-bhuyaya ca kalpate vai

"Quem é submetido a nascimento e morte alcança imortalidade quando abandona todas atividades materiais, dedica sua vida à execuçäo de Minha ordem, e age de acordo com Minhas diretrizes.  Dessa maneira, se torna apto a desfrutar da bem-aventurança espiritual derivada de trocar doçuras amorosas Comigo."

E no Bhagavad-gita 18.55 Krishna diz:

                     bhaktya mam abhijanati
                    yavan yas casmi tattvatah
                    tato mam tattvato jnatva
                      visate tad-anantaram

"Somente através do amor e devoçäo é que posso ser compreendido como sou.  Depois disto, compreendendo-Me plenamente, poderás fundir-te em Meu séquito."

Este "fundir-se" é explicado por Krishna:  "Eles entram em Mim para tornarem-se uma pessoa em Minha família.  No círculo de Minhas amizades, ele entra:  visate tad anantaram.  Ele se torna como se fosse Meu próprio."  Entrar na família do Senhor é um fundir-se vivo, näo um fundir-se físico ou morto no Brahman, espírito.  Isto é o resultado de prema, amor divino.

Esse ideal está acima do conceito geral de fundir-se na unidade do Brahman, onde nos perdemos num oceano de consciência como se fosse de sono profundo.  Näo estamos interessados nisso.  Em vez disso, através da consciência de Krishna, nos perdemos nadando no oceano de doçura.  Isto foi aceito por Sri Chaitanya Mahaprabhu.

VITORIA DA DEVOÇÄO

Uma vez, Radharani deixou a rasa-lila quando Ela viu que todas gopis estavam sendo tratadas quase igualmente por Krishna.  Tratamento igual para com cada uma delas näo A satisfez.  Portanto Ela decidiu demonstrar uma composiçäo de canto e dança para agradar Krishna de um modo muito maravilhoso e transcendental.  Radharani mostrou Sua habilidade de várias maneiras, e entäo, no momento derradeiro, Ela repentinamente desapareceu.  E como Krishna estava ocupado naquele cantar e dançar combinado, Ele de repente descobriu que Radharani estava ausente.  Portanto Ele deixou todos para buscar Radharani.  Achou-A no caminho, e após caminhar por algum tempo, Radharani disse-Lhe:  "Näo consigo mexer.  Näo posso mais caminhar.  Se quiser continuar, terá que Me carregar.  Näo consigo prosseguir adiante."  E de repente, Krishna desapareceu.

Um discípulo de Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakura certa vez perguntou-lhe porque Krishna desaparecera daquela forma.  Mas nosso guru maharaja ficou muito perturbado por ouvir tal pergunta.  Nesta lila, Krishna está aparentemente demonstrando pouco-caso por Radharani.  Assim nosso guru maharaja, por sua própria natureza, näo podia nem mesmo tolerar tal pergunta.  Ele tinha tanta parcialidade para com Radharani que näo estava disposto a ouvir qualquer coisa contra Ela.  E assim, num humor um tanto excitado respondeu:  "Encontra alguma devoçäo aqui?  Que bhakti se encontra aqui, para ter me perguntado esta pergunta?"  A pergunta foi rejeitada.  Ele näo podia tolerar nem mesmo uma indagaçäo referente àquele passatempo.

Quando esta notícia chegou a mim, tentei achar o que Bhaktivinoda Thakura escrevera em suas próprias palavras sobre este verso do Srimad-Bhagavatam na sua própria traduçäo, Bhagavatarka-Marici-Mala.  Bhaktivinoda Thakura harmonizou as dificuldades no verso.  Ele explica que Krishna estava pensando:  "Gostaria de ver qual será a mentalidade de separaçäo Nela. "  Só para apreciar a profundidade da separaçäo que Ela sentia Dele é que Krishna desapareceu.  E entäo, é claro, Krishna retornou após algum tempo. 

Mas nosso guru maharaja näo podia nem mesmo tolerar  a idéia.  "Onde se encontra a devoçäo aqui?"  Mas Bhaktivinoda Thakura interpretou esse passatempo como significando que Krishna fora impelido a ver que tipo de felicidade em separaçäo Srimati Radharani experimentaria.  Ele tomou isso como exemplo de como o absoluto Se torna subserviente a Seu devoto.  E assim descobrimos que o negativo, Srimati Radharani, é täo poderoso que o positivo, Krishna, fica sem poder perto Dela.  É como se o positivo perdesse Sua existência separada.  Essa é a vitória da devoçäo.

A devoçäo é representada como o lado negativo, puxando pelo positivo.  Existe o suco dentro da fruta e aquele que extrai o suco da fruta.  A mais alta devoçäo se encontra onde a extraçäo está em sua condiçäo de intensificaçäo máxima - ali temos a vitória dos devotos:  onde o absoluto aceita derrota diante de Seus servos.  Isto revela a real presença da devoçäo, dedicaçäo, rendiçäo.

SENHOR DO AMOR

A rendiçäo é täo poderosa que pode até capturar o absoluto.  Estamos aspirando por tal tipo de potência.  E quem quer possua isso - estes seräo o todo de tudo; seräo nossos mestres.  Em nosso melhor interesse, devemos olhar na direçäo em que tal poder seja intensificado.  Tentaremos olhar para onde quer que encontremos rendiçäo num estágio intenso, condensado.  Nossa meta deve direcionar-se a isso.  Estamos mendigando por isso.  Näo somos mendigos de algo que possa ser encontrado neste mundo mundano:  na dhanam na janam na sundarim...  näo aos bens, seguidores ou desfrute com mulheres, mas eliminado tudo o mais, nossa meta deve direcionar-se rumo a uma coisa - aquela condiçäo mais intensificada de serviço divino ao Senhor do Amor.

Devemos tentar converter tudo de tal maneira que possa ir para aquele quadrante desconhecido além da jurisdiçäo de nossa experiência sensorial ou aquisiçäo mental, como um foguete enviado ao espaço sideral.  Srimad-Bhagavatam, que destila a essência de todas escrituras reveladas, diz que o amor divino é a coisa mais original e desejável.  Näo devemos nos permitir correr aqui e acolá buscando satisfaçäo grosseira.  Devemos concentrar fortemente nossa atençäo no amor divino.  O amor divino é a coisa mais elevada para nós; é a mais elevada na criaçäo, a mais elevada na eternidade. 

E postarmo-nos na posiçäo negativa é a estratégia de permanecer na relatividade da regiäo mais elevada de serviço a Krishna.  Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakura certa vez compôs um verso expressando a atitude certa.  Pujala ragapatha gaurava bange mattala sadhu-jana visaya range.  "A senda do amor divino é adorável para nós e deve ser mantida nas alturas como nossa mais elevada aspiraçäo."

Ele ordenou que construíssem uma cabana para si em Govardhana e disse:  "Vou morar aqui.  Näo sou qualificado para morar em Radha-kunda.  Portanto vou viver numa posiçäo inferior, porém meus gurus - Gaurakisora dasa Babaji, Bhaktivinoda Thakura, e outros - estäo qualificados para ali servirem.  Portanto irei serví-los lá no Radha-kunda, e depois retornarei a uma posiçäo um pouco mais baixa, em Govardhana.  Vou ficar ali."  Essa é a tática certa para manter uma posiçäo subjetiva no mundo subjetivo.

Senäo, caso pensarmos que estamos na regiäo mais elevada, essa realidade mais elevada desaparecerá diante de nós.  Somente de uma posiçäo mais baixa poderemos mirar esse plano mais elevado com respeito.  Mas sempre que pensamos que alcançamos essa posiçäo mais elevada, que estamos lá - näo estamos em lugar algum.  Essa é a natureza do mundo mais elevado.  Assim devemos manter uma distância respeitosa.  Se tentarmos olhar diretamente, perderemos, mas se tentarmos olhar para tal plano através de uma tela ou de um lugar escondido, entäo poderemos ver.  É muito singular.  Se queremos entrar em contato direto com coisas de uma ordem mais elevada, entäo elas desaparecem de nossa experiência.  Se näo conseguimos entrar em conecçäo direta com algo, poderemos descobrir sobre isso através de espionagem - é algo como espionagem.  Se tentarmos conhecê-lo diretamente, é impossível.  Somente por detrás de um biombo é que se pode ter um vislumbre.

Dessa maneira podemos experimentar a mais alta verdade ontológica.  Como se fosse por acaso a verdade ontológica vem a nós.  Ele nos aceita repentinamente, e conseguimos encontrá-Lo.  Ele é absoluto.  Ele é um autocrata.  Ele é independente; sempre que por Seu próprio capricho Ele nos dá Sua conecçäo, poderemos obtê-la.  Nunca está nas minhas mäos.  Ele näo é um objeto para ficar diretamente sob meu controle.  Ele está sempre acima.

Através deste sistema podemos chegar à mais alta realizaçäo.  Na ordem mais elevada da lila de Radha-Govinda, Krishna pede a Radharani para fazer algo, e Ela Se recusa, dizendo:  "Näo, näo vou fazer isso."  E no entanto isso tem sido aceito como o mais elevado humor do lado negativo.  Negar a Krishna aquilo que Ele quer, se chama bhama-bhava.  E Radharani está cheia dessa natureza.  Mas isso acentua a ânsia, o anseio de Krishna.  O sistema todo é tortuoso.  E no entanto este é o meio recomendado para os mais pobres entrarem em contato com o mais elevado.  É um maravilhoso estratagema.  A transaçäo direta, a transaçäo clara face-a-face, está ausente aqui.  Tudo é como roubar.  Tudo lá é um desempenho furtivo.  Na área mais elevada, na área da autocracia, é tudo chantagem.  E por essa razäo é conhecido como aprakrta - apenas semelhante ao conceito mais baixo das coisas.  Em nossa presente condiçäo de vida, näo conseguimos tolerar autocracia.  É considerada a coisa mais baixa.  Porém a autocracia está lá no mundo mais elevado.  Portanto é conhecida como aprakrta:  a regiäo mais elevada do mundo transcendental que consegue harmonizar tudo.

A beleza daquele plano é que mesmo o que é considerado como sendo do tipo mais baixo aqui, é tudo harmonizado lá.  A força harmoniosa é täo grande lá, que o que é indesejável, desagradável, e mau aqui, é harmonizado de tal modo que obtém a posiçäo mais elevada lá.  A posiçäo singular de Krishna é tal que o mais baixo prova ser o mais elevado por Seu toque mágico.  Porque Ele está lá, nenhuma mácula é uma mácula; é pura.  Consciência de Krishna é o toque de Krishna, a beleza da mais elevada ordem.  Assim como a pedra-de-toque näo só converte prata em ouro, mas também transforma ferro, chumbo ou qualquer coisa inferior em ouro, a pedra-de-toque de Krishna é täo poderosa que o tipo mais baixo de tudo dentro de nossa concepçäo recebe a mais alta posiçäo por Seu toque mágico.

Raghunatha Dasa Goswami diz que se fores incapaz de aceitar isto como verdade, entäo serás lançado para baixo, no Vaikuntha:  "Vai viver ali, onde a lei geral impera, onde há relaçöes justas.  Desça para a terra das relaçöes equitativas, relaçöes simples, onde poderás calcular e continuar a viver mui satisfatoriamente."

UM MENINO VAQUEIRO

Mas o mundo mais elevado de Vrndavana é uma posiçäo por demais diplomática.  Mesmo Mahadeva e Brahma ambos ficam confusos ao tentar compreendê-lo.  Perplexo por Krishna, Brahma se rendeu a Ele e confessou:  "Como eu poderia saber que a verdade mais elevada era um menino vaqueiro com uma vara sob o braço e um bocado de alimento em Sua mäo, procurando por Seus amigos?"  Brahma disse:  "Tenho alguma intimidade com meu pai Narayana; sempre que surge alguma dificuldade, me aproximo Dele para obter alguma instruçäo e depois ajo de acordo.  Mas nunca entrei em conecçäo com qualquer poder supremo como esse.  Um menino vaqueiro tomando Seu alimento numa mäo e com uma vara na outra, saindo em busca de Seus amigos - Ele é o mais elevado?  É inconcebível.  Mas agora vejo que estás bem acima de meu pai Narayana.  Vaikuntha é um campo justo e legítimo que conhecemos.  Porém nunca experimentamos tais passatempos de diplomacia obscura e cheia de tato.  Näo podemos ser censurados por näo termos consciência de que esse tipo de coisa está acontecendo na regiäo mais elevada.  É maravilhoso e oculto, obscuro.  E no entanto existe um plano onde tanta opulência e doçura säo desconhecidas por nós."  Thomas Gray certa vez escreveu:



"As escuras cavernas inexploradas do oceano contém muitas jóias cheias de raios os mais puros e serenos; muita flor nasce para ruborizar-se sem ser vista, e desperdiçar sua doçura no ar do deserto."
          - Elegia num Cemitério Rural

Como é estranho descobrir que o mestre de tudo é um ladräo.  Tudo está na posse Dele, e no entanto Ele Se torna como um ladräo.  Todo mundo pertence a Ele, mas Ele faz papel de um debochado.  Os passatempos de Krishna säo todos maravilhosos.  Tudo pertence a Ele, entretanto Ele se comporta como um ladräo, como um de nós.  Esse é um plano singular e um tipo peculiar de passatempo.

Ali, todos säo iguais, e alguns podem até ser superiores.  O pai e a mäe do absoluto podem estar castigando-O, e o Senhor poderá estar chorando.  Aqui temos bhakti.  Onde está bhakti?  Qual é o sintoma de devoçäo pura?  Onde a autoridade mais elevada se torna submissa ao servo - isso é devoçäo.  Bhakta-paradinah:  o mais elevado forçosamente foi rebaixado para servir o devoto.  A devoçäo possui tal posiçäo singular e poder.  Ksetra-hari prema bhajana:  a última aquisiçäo de devoçäo é aquela que consegue controlar o Senhor Supremo e trazê-Lo forçosamente ao devoto como servo amistoso.  O mestre se rende ao servo.

O infinito está à disposiçäo do finito.  Podemos conceber isto?  Näo só isso, mas é feito furtivamente de várias maneiras diplomáticas.  Assim na consciência de Krishna, o finito alcança a posiçäo mais suprema e impensável, quando o infinito vem para serví-lo.  Tal posiçäo gloriosa e inimaginável parece impossível.  No entanto tal impossibilidade pode se efetuar via devoçäo, raga, amor.  O poder do amor é inimaginável.  Embora seja impossível, o infinito é derrotado pelo finito.  Qual é essa posiçäo inimaginável?  Só pode ser alcançada através do amor.

E quäo adorável e precioso e valioso é o amor!  Para adquirir uma gota desse amor, nenhum sacrifício é suficiente.  Assim somos encorajados a "morrer para viver".  E nesse sentido, a morte irrestrita é adorável.  Para obter tal amor divino é o impossível do impossível, porém Mahaprabhu veio para nos dar isso.  Como Ele é magnânimo!  Ele mesmo tomou a posiçäo de um pesquisador mendigando de porta em porta:  "Alista teu nome.  Vim para recrutar todos para aquela regiäo mais elevada onde o infinito será um escravo do finito.  Tomo uma gota desta coisa valiosa."  É o impossível do impossível, o inconcebível do inconcebível.

Portanto abandona teu hábito de correr como um louco, e reuna e concentre toda tua força para progredir nessa linha, de tentar ir para o templo do amor divino.

No Srimad-Bhagavatam 10.47.61, Udhava diz:

              asam aho carana-renu-jusam aham syam
              vrndavane kim api gulma-latausadhinam
           ya dustyajam svajanam arya-patham ca hitva


                     bhejur mukunda-padavim
                       srutibhir vimrgyam

"As gopis de Vrndavana abandonaram seus maridos, crianças, e famílias que säo muito difíceis de se renunciar, e sacrificaram até mesmo seus princípios religiosos para tomarem refúgio aos pés de lótus de Krishna, os quais säo buscados até mesmo pelos próprios Vedas.  ó, conceda-me a fortuna de tomar nascimento como uma folha de grama em Vrndavana, para que eu possa tomar a poeira dos pés de lótus destas grandes almas sobre minha cabeça."

O risco aumenta o humor do amor.  É uma parte necessária da forma mais elevada do amor:  arriscar assim chamadas realizaçöes mundanas.  A busca do amor divino deve ser empreendida mesmo arriscando tanta assim-chamada pureza deste mundo.  Isso comanda a posiçäo mais elevada.  Ainda assim, deve ser empreendida com muito cuidado.  Deve seguir a linha da humildade mostrada por Newton, que era considerado pelos cientistas contemporâneos de sua época como sabendo tudo.  Ele disse:  "Näo sei nada."  Isso é o caminho da devida realizaçäo.  Quanto mais se estiver em meio à genuína pureza, tanto mais se pensará "Sou impuro."  Essa é a natureza da medida infinita.  Porque o encanto é täo infinito, näo se consegue estimá-lo a näo ser desta maneira.

Quanto mais alcançam, mais anseiam, mais sinceridade se encontra dentro deles.  Essa é a característica da realizaçäo do infinito.  Quanto mais se progride, mais se acredita estar desamparado para ir adiante e medir.  Nenhuma parte do infinito entra no plano da medida.

                      mukam karoti vacalam
                    panghum langhayate girim
                     yat krpa tam aham vande
                     sri gurun dina-taranam

Näo conseguimos compreender o infinito; näo nos achamos qualificados para fornecer nenhuma expressäo sobre isto, portanto ficamos mudos, pensando:  "Que direi?"  Porém Ele nos faz falar, Ele nos faz abrir nossas bocas.  Senäo o leitor, o conhecedor, fica mudo. 

Uma pessoa buscadora fidedigna fica muda diante das maneiras de Krishna.  Näo consegue dar expressäo a isso.  Porém o poder de cima desce e faz com que faça alguma declaraçäo.  Dessa forma, a verdade daquela parte chega até aqui.  Ela começa a falar, dar vazäo a seus sentimentos, pressionada pelo plano mais elevado, aquela entidade mais elevada.  Ela näo possui nenhum poder próprio de caminhar, mas o maravilhoso poder do Senhor pode auxiliá-la a atravessar montanhas.  Essa é a natureza da graça do todo-poderoso, do absoluto:  por Seu poder, tudo pode mover-se e viver.  Yato va imani bhutani jayante, yena jatani jivanti, yat prayanty abhisamvisanti:  "Ele é a causa da produçäo, sustento, e novamente retraçäo.  Evoluçäo, dissoluçäo, e sustentaçäo no meio.  Ele é a causa primordial, universal."


Estamos brigando numa terra estrangeira por ganhos fictícios.  Porém Krishna esta ocupado numa busca amorosa por Seus servos há muito perdidos.  Ele quer salvá-los e levá-los todos para o lar.  Somente pela graça desse absoluto é que é possível.  Uma onda está vindo de lá para nos levar de volta para casa, aonde tudo finalmente entra.  Tudo que é criado desaparece na existência sutil na dissoluçäo total deste mundo.  Mas novamente com uma nova evoluçäo aparece.  E alguns entram na lila permanente e näo retornam a esse mundo de exploraçäo e renúncia.

BUSCA POR KRISHNA

Devemos indagar sobre Krishna.  Mas primeiro devemos indagar:  "Quem sou eu?  Onde estou?  De que maneira devo movimentar-me para me aproximar do domínio mais elevado?"  Estamos sempre perguntando, mas por que tipo de coisa?  Agora devemos abrir nossos coraçöes bem e indagar sobre Ele.  Essa é nossa necessidade espantosa.  Näo podemos evitá-la.  E o que essa indagaçäo contém, näo podemos prever o nível de pensamento.  Brahman, Paramatma, Bhagavan.  Indagar sobre Brahman é o mais elevado:  a busca por Sri Krishna, a Realidade, o Belo.

É uma necessidade natural dentro de nós, em nosso próprio interesse; näo podemos evitar.  Um homem sensato que näo quer se enganar näo pode evitar a busca por Sri Krishna.  A coisa mais geral em nossa natureza é indagar pela felicidade.  Essa é a questäo geral de todos seres animados.  A busca por Sri Krishna significa procurar por rasa, a mais alta forma de êxtase.

Se nos examinarmos, veremos e exclamaremos:  "O quê que eu fiz?  Qual é minha necessidade?  E como estou passando meus dias?  Tenho que me arrepender, chorar.  Passei meus dias inutilmente, sou um traidor de mim mesmo, estou cometendo suicídio.  Minha verdadeira reclamaçäo é contra mim mesmo e contra meus assim chamados amigos.  Näo temos nada a fazer por aqui."  Portanto, veja e chore; faça ou morra!  Progrida no caminho certo, ou estarás convidando tua morte.  O teor geral da vida, de toda existência, da maneira mais científica, será este:  Buscar por Sri Krishna, a Realidade, o Belo.  Essa é a meta mais elevada näo só da humanidade, mas de toda criaçäo.  E todos problemas se harmonizam e resolvem por meio disso.

Nenhuma reclamaçäo contra esta tentativa pode ser normal.  O desvio dessa instruçäo geral, o chamado geral, é todo falso, desnecessário, e injuriante.  Esta é a verdade, a necessidade de todo mundo, onde quer que haja vida.  O mais grandioso, extenso, e amistoso chamado a todos, ao mundo inteiro - o único chamado amigável - é esse:  "Marche rumo a Krishna."  É o único chamado.  Todos outros tópicos devem ser silenciados, devem ser parados, e só este chamado permanece, o verdadeiro bem-estar do mundo permanece.  Assim os Upanishads dizem:  yasmin vijnate sarvam idam vijnatam bhavati yasmin prapte sarvam idam praptam bhavati."  Indaga sobre aquilo que ao ser conhecido, nada mais restará para conhecer.  Tenta alcançar isso que quando obtido, nada mais resta para obter."



Um amplo chamado inclusivo está sendo emitido, e isso é realmente näo-sectarismo.  Aparentemente os pensadores abnormais pensam ser sectário.  Mas para cada pessoa de pensamento normal, é a coisa mais universal e geral que pode ser repartida.

No presente estamos brigando numa terra estrangeira por ganhos fictícios.  Mas uma doce onda está vindo do alto para salvar-nos e levar-nos todos para casa.  Somente pela graça da busca amorosa do Senhor por Seus servos perdidos é que isso é de todo possível.  E tudo que se espera de nós é juntarmo-nos à busca por Sri Krishna e marcharmos rumo ao domínio divino.  Vamos juntar-nos à marcha universal rumo ao domínio divino, salvar-nos, e retornar ao lar, de volta para Deus.

                           *    *    *

                          BELEZA E AMOR

O anseio mais íntimo de toda alma viva é pela beleza, amor, afeiçäo, e harmonia; näo pelo poder, conhecimento, ou qualquer outra coisa.  Este é o diagnóstico de toda criaçäo no tempo e espaço:  a causa em comum é uma só.  Mas é raro que uma alma chegue a um estágio täo claro de anseio pela realidade, a ponto de entender este ponto.  Encontramos poucas almas neste mundo que estäo realmente conscientes de sua necessidade mais íntima, que percebem:  "Queremos Krishna!  Queremos Vrndavana!"



                  DEVOÇÄO LIVRE DO CONHECIMENTO

                    bhidyate hrdaya-granthis
                    chidyante sarva-samsayah
                     ksiyante casya karmani
                      mayi drste'khilatmani

"Nossa aspiraçäo interna por rasa, êxtase, está sepultada em nossos coraçöes que estäo amarrados e selados.  Porém ouvir e cantar as glórias de Krishna arrebenta o selo do coraçäo e permite que este acorde e se abra para receber Krishna, o reservatório do prazer, o próprio êxtase em pessoa."

Aqui, o Srimad-Bhagavatam está dizendo:  "Existe um nó em nossos coraçöes, mas este nó será arrebentado pela consciência de Krishna.  Naquele momento, o fluxo de nossa tendência inata pelo amor divino (svarupa shakti) irá inundar o coraçäo inteiro.  Quando o nó do coraçäo é arrebentado, entäo, enquanto a alma adormecida acorda, o conceito Goloka de dentro irá emergir e inundar todo seu ser."

Mas isto aparentemente é um problema difícil.  Como é possível que todas nossas dúvidas possam se aclarar?  É possível ao finito conhecer tudo?  Esta declaraçäo parece um tanto inconsistente.  Parece absurda.  Os Upanishads no entanto, dizem:  "Quem O conhece, conhece tudo; quem O alcança, obtém tudo."  Como o finito saberá que tem tudo, que chegou a conhecer tudo?  Parece absurdo, porém é confirmado nas escrituras.  E se este problema for resolvido, entäo todos problemas säo resolvidos automaticamente.  O finito perceberá a satisfaçäo integral; todas suas tendências perquiridoras ver-se-äo satisfeitas.  Isso é confirmado näo só nos Upanishads, mas também no Srimad-Bhagavatam.

No início logo que cheguei à Gaudiya Math, me misturava aos devotos com muito cuidado.   Eu pensava:  "Eles dizem que o que ensinam é a única verdade e que tudo o mais é falso - essa é uma pílula amarga de se engolir.  Eles dizem:  "Todo mundo está sofrendo de ignorância.  E o que nós dizemos é a coisa certa."  Pensei:  "O que é isso!  Uma pessoa sensata näo pode engolir facilmente tal pílula."  Eu também näo conseguia digerí-la täo facilmente a princípio.  Mas o que eles estavam dizendo foi confirmado por Sri Chaitanya Mahaprabhu, Srimad-Bhagavatam, Bhagavad-gita, e os Upanishads.  Todas essas autoridades dizem:  "Sim, é assim mesmo.  Se O conhecer, se conhece tudo o mais.  Se O alcançar, se obtém tudo o mais."

Srimad-Bhagavatam 4.31.14, num verso similar ao da linha acima dos Upanishads, também diz que todas dúvidas säo aclaradas por consciência de Krishna, e como resultado, chegamos ao real conhecimento.  Ali está escrito:

                   yatha taror mula nisecanena
               trpyanti tat-skandha-bhujopasakhah
                 pranopaharac ca yathendriyanam
                 tathaiva sarvarhanam acyutejya

"Regando-se a raiz de uma árvore, todas folhas e galhos automaticamente säo nutridos.  Semelhantemente, por suprir alimento ao estômago, todos membros do corpo säo nutridos.  Da mesma maneira, se satisfizermos o conceito central do Supremo Absoluto, todas nossas obrigaçöes säo automaticamente realizadas."

Se colocamos alimento no estômago, o corpo todo é alimentado.  Se derramamos água na raiz da árvore, toda árvore é nutrida.  Da mesma maneira, se fizermos nosso dever para com o centro, entäo tudo está feito.  Essa é a grandeza, a posiçäo misteriosa do centro absoluto:  Ele possui controle sobre o todo completo.  Esta é a peculiar posiçäo do centro no sistema do todo orgânico.

Se determinada posiçäo do cérebro for capturada, entäo todo corpo é controlado:  uma agulha naquela seçäo em particular do cérebro, e todas funçöes do corpo seräo paralizadas.  A posiçäo peculiar do centro absoluto é algo assim como isso.  Assim o impossível se torna possível.

Suponhamos que eu seja uma pobre moça que näo tem nada.  Normalmente näo seria possível adquirir qualquer coisa.  Mas se eu casar com um homem rico que é dono de uma grande propriedade, posso ter o comando sobre muitas coisas através de minha relaçäo com ele.  Embora possamos ser pobres, nosso relacionamento com um paträo poderoso nos torna senhores de muitas coisas.  Da mesma maneira, o Centro Absoluto controla tudo, e nosso relacionamento afetuoso com Ele poderá nos dotar do comando sobre muitas coisas.  É assim que é possível para a alma finita tomar posse de tudo - através do elo sutil da afeiçäo.

Através de Krishna tudo é possível.  E quanto mais nos aproximamos Dele, mais pegaremos.  Sua influência inspira Seus devotos,  e todas Suas qualidades preenchem seus coraçöes (sarva maha-guna-gana vaisnava-sarire, krsna-bhakte krsnera guna sakali sancare - Chaitanya-caritamrta, Madhya-lila 22.75.  Dessa maneira, embora näo seja ele mesmo um senhor, através do elo do amor poderá ser senhor de qualquer coisa.  Essa é a linha de pensamento explicada pelo Srimad-Bhagavatam e os Upanishads.

Sem ter uma verdadeira conecçäo com o centro absoluto, tuas tentativas de conhecer tudo seräo inúteis.  Se tentares conhecer mesmo uma partícula de areia, passaräo vidas e vidas, milhöes de vidas passaräo, e continuarás a analisar a areia, näo encontrando o final de tentar compreender mesmo uma partícula.

O CENTRO ABSOLUTO

Ensinam-nos:  "Se quer indagar - indaga sobre o centro.  Esse é o chamado dos Upanishads:  näo desperdiça teu tempo tentando analisar a menor parte desta criaçäo, buscando ser o senhor da mesma; näo é possível.  Tua indagaçäo deve se orientar devidamente.  Krishna diz:  Eu sou o centro, e digo:  Conheça-Me e através de Mim conseguirás conhecer tudo porque conheço tudo e controlo tudo.  Tua conecçäo Comigo poderá dar-te essa capacidade.  Aproxima-te de tudo através de Mim.  Aí serás capaz de conhecer a devida posiçäo de todas coisas.  Senäo conhecerás somente um aspecto parcial da realidade, e isso será externo e incompleto.  E passarás milhares de vidas tentando conhecer e entender a realidade sem nenhum fim."  O Bhagavatam diz:

                athapi te deva padambhuja-dvaya-
                   prasada-lesanughrita eva hi
                 janati tattvam bhagavan mahimno
                 na canya eko'pi ciram vicinvan

"Somente quem é abençoado com a misericórdia do Senhor pode conhecer Sua verdadeira natureza.  Por outro lado, aqueles que tentam empiricamente entender Suas inconcebíveis glórias podem estudar e especular para sempre sem chegar à conclusäo acertada."

Aqui, através do Bhagavatam, Krishna nos fala:  "Podes devotar-te por uma eternidade numa direçäo errônea, sem nenhuma possibilidade de chegar ao final do entendimento.  Mas se tentares aproximar-te do centro absoluto, entäo instantâneamente poderás conhecer o que é o quê."  Essa é a orientaçäo dada pelos Upanishads e Srimad-Bhagavatam, essa é a direçäo que devemos tomar, e isso é devoçäo.



É täo satisfatório que uma vez que tenha alcançado isso, näo ligarás para conhecer mais coisa alguma.  Precisamos apenas concentrar-nos no serviço a Krishna.  O Srimad-Bhagavatam 10.14.3 declara:

               jnane prayasam udapasya namanta eva
             jivanti san-mukharitam bhavadiya vartam
                   sthane sthitah sruti-gatam
                        tanu-van-manobhir
          ye prayaso 'jita jito 'py asi tais tri-lokyam

"Detestávelmente abandonando todas tentativas de compreender a Suprema Verdade, aqueles que desejam realizar-Te devem render-se completamente a Ti.  Devem ouvir de devotos auto-realizados sobre Teu santo nome e passatempos transcendentais.  Em qualquer que seja a situaçäo em que se vejam, devem progredir dedicando plenamente sua mente, corpo, e palavras a Ti.  Dessa maneira o infinito, que nunca é conquistado por ninguém, passa a ser conquistado por meio do amor."

Só conseguimos aproximar-nos do Senhor Supremo através da submissäo, e quando o alcançarmos, nem ligaremos para conhecer mais nada.  Näo ligaremos para o que está acontecendo ou näo, no mundo exterior.  Nos ocuparemos profundamente no serviço Dele para Sua satisfaçäo.  Ali, no Seu serviço, descobriremos preenchido o objetivo de nossas vidas.  E esse conhecimento externo das "coisas lá fora" parecer-nos-á entulho.  Perceberemos:  "Qual a necessidade de desperdiçar tempo com toda sorte de cálculos - o néctar está aqui!  É muito mais profundo do que o que se encontra no plano externo."  E naquele momento, voltaremos toda nossa atençäo para o Seu serviço.

Frequentemente se pergunta porque varnashrama-dharma, o sistema de estratificaçäo social védico, foi ignorado por Sri Chaitanya Mahaprabhu, e porque é que qualquer pessoa de qualquer posiçäo social é aceita por nossa escola devocional.  Temos que atravessar as restriçöes do sistema de casta (varnashrama-dharma), oferecendo os resultados de nosso trabalho a Krishna (krsna karmarpanam), devoçäo misturada com o desejo de desfrutar dos frutos do trabalho (karma-mishra-bhakti), e devoçäo misturada com desejo de desfrutar da liberaçäo (jnana-mishra-bhakti).  Tudo isso foi rejeitado por Sri Chaitanya Mahaprabhu.  Seu slogan era eho bahya age kaha ara:  "Estas coisas säo externas; vá mais fundo, aprofunda-te."  Quando Sri Chaitanya Mahaprabhu perguntou o que estaria mais além e mais acima de todos esses diferentes conceitos de teísmo, Ramananda Raya sugeriu jnana-sunya-bhakti, devoçäo sem misturas, pura.  Quando isso foi sugerido por Ramananda Raya, Mahaprabhu disse:  "Sim, aqui começa o verdadeiro teísmo."

KARMA E JNANA

Isso significa que karma, trabalho fruitivo, e jnana, o cultivo do conhecimento, säo desnecessários.  Pode-se começar uma vida de bhakti independente de karma e jnana - a partir de qualquer posiçäo.  Bhakti só precisa ser desenvolvida através de sukrti, piedade devocional acumulada, e através de ruci, nossa sinceridade e ânsia por Krishna.  Isso é o que é necessário, e näo nossa aspiraçäo por conhecer qualquer coisa e tudo (jnana) ou de termos tanta energia sob nosso controle (karma).  Essas duas sendas nos levam à exploraçäo e renúncia.  Porém onde quer que se esteja, se quisermos entrar em contato com o Senhor, precisamos ter apenas um pouco de inclinaçäo por ouvir sobre Ele de uma devida fonte, um verdadeiro santo.  E assim, pode-se principiar na escola bhakti independente de qualquer posiçäo no sistema social de varnashrama.

Para se tornar consciente de Krishna, näo é preciso ser um homem sábio, nem um homem muito energético, nem ser senhor da opulência e poder - o único requisito exigido é que se tenha um anseio sincero pelo Senhor.  Deve-se encontrar alguma doçura, algum sabor em Suas palavras e Seus assuntos ao ouví-los de uma fonte certa - um genuíno santo.  Esse sabor gradualmente levará mais e mais além para dentro do domínio mais elevado.

Se querem ser bem sucedidos em sua busca pelo infinito, os buscadores do conhecimento e poder, os jnanis e karmis, afinal teräo de abandonar seus apegos, libertarem-se de seu círculo, e chegar a essa posiçäo.  Teräo de depender do sabor.  Gosto é tudo.  Um gosto por Seus assuntos é a qualificaçäo de importância total para um devoto.  É o todo de tudo.  Onde quer que se esteja näo importa.  Através de seu gosto por Krishna, a pessoa progredirá de ruci até a meta final da vida.

Por isso somos advertidos:  "Abandona tudo, e mesmo rejeitando todos conceitos de sociedade e religiäo como sendo externos, rende-te exclusivamente a Krishna."  Sem hesitar, devemos tomar refúgio exclusivo do Senhor com plena confiança, deixando de lado a má associaçäo, e até mesmo negando os princípios regulativos que governam a sociedade e religiäo.  Isto é, devemos abandonar todo apego material.  Sharanagati:  Tomar refúgio sob Sua proteçäo absolutamente.

A TREPADEIRA DA DEVOÇÄO

Um devoto pensa:  "Krishna é muito, muito doce.  Näo posso evitá-Lo, näo consigo viver sem provar Sua doçura."  Esse sentimento é a verdadeira semente que pode produzir a trepadeira de bhakti, a trepadeira da devoçäo.  E esta gradualmente crescerá até que toque os pés de Krishna.

A trepadeira crescerá e no entanto näo tentará encontrar apoio em qualquer lugar dos planos de consciência dentro desse mundo, porém crescerá mais e mais alta.  Finalmente quando chegar ao conceito pessoal do Absoluto, experimentará algum tipo de satisfaçäo.  Ainda assim, näo parará por aí.  Irá subir para Goloka.  Näo irá parar na devoçäo calculista de Vaikuntha.  Atravessando aquele plano, ascenderá ao estágio da devoçäo espontânea, automática.



DE VOLTA PARA DEUS

Ali encontrará o Senhor do Amor.  Amor é o fator de veneraçäo e adoraçäo em todo aquele plano.  A característica essencial daquele reino é a relaçäo de amor divino com o objeto central.  E nós encontraremos nossa realizaçäo ao conseguirmos serviço em determinada posiçäo em relaçäo a Ele.  É isso que todo mundo precisa:  entrar na terra do amor e obter alguma ocupaçäo no serviço amoroso da representaçäo central de doçura absoluta, beleza e amor.  E esse centro absoluto mais elevado adveio  como Sri Chaitanya Mahaprabhu a fim de convidar Seus servos há muito perdidos a retornarem para a casa Dele, dizendo:  "Vim para convidá-los e levar todos para Meu lar - venham Comigo!"  Que oportunidade afortunada temos!  Ao aceitarmos Sua proposta de conseguirmos ingressar nessa linha, quäo felizmente poderemos retornar ao lar, de volta para Deus.

Essa é a própria essência de todas religiöes.  Consciente ou inconscientemente, cada alma está buscando o amor divino.  Ainda assim, diferentes variedades de obstáculos estäo vindo para nos dissuadir de nossa campanha. Porém o coraçäo näo ficará satisfeito a näo ser que chegue até lá.  Uma vez começada, nossa jornada rumo a Krishna nunca poderá ser detida em lugar algum.  Será meramente uma questäo de atraso; um longo, longo tempo, eras e mais eras poderäo passar, mas nosso sucesso final näo poderá ser obstado.

Somente Krishna consegue nos atrair realmente.  Näo conseguimos apreciar nada mais a partir do fundo de nosso coraçäo e aceitar isso como nosso destino final.  Apenas queremos beleza e amor, näo poder e conhecimento.

MENDIGOS DE AMOR

Poderá parecer que queremos poder.  As vezes pensamos que temos que ter tudo; queremos essa capacidade controladora.  Queremos que tudo passe a ficar sob nosso controle, que qualquer coisa que queiramos se realize.  Mas isso näo é o que realmente queremos.  Poderá parecer que queremos poder, mas afinal o poder näo consegue nos satisfazer.  E às vezes poderemos pensar que queremos saber tudo.  Pode ser que näo queiramos o poder de controle sobre tudo, mas queremos saber tudo; näo gostamos de ser ignorantes.  Porém isso também näo é a meta final que poderá satisfazer nossa necessidade interna.  Isso näo é o que realmente queremos.  Temos que nos tornar inteirados quanto à nossa verdadeira necessidade - a busca interna de nossos coraçöes.  Se o fizermos corretamente, descobriremos que somos todos mendigos de amor e afeiçäo.  Adoraçäo é a necessidade mais íntima em todo lugar.  E isso só pode ser completamente satisfeito nos passatempos de Krishna em Vrndavana.

Esta conclusäo foi divulgada por Vedavyasa, o compilador das escrituras védicas.  Mesmo estudiosos contemporâneos admitem que Vedavyasa tem disseminado todas possíveis linhas de pensamento filosófico nos Vedas, Puranas, Mahabharata e Vedanta-sutra.  E em seus últimos dias, na sua maturidade filosófica, ele deu o Srimad-Bhagavatam, o qual culmina no conceito do amor divino, krishna-prema.

"QUEREMOS KRISHNA"

O anelo mais íntimo de cada alma vivente é pela beleza, amor, afeiçäo, e harmonia, näo pelo poder, conhecimento ou qualquer outra coisa.  Este é o diagnóstico da criaçäo inteira no tempo e no espaço:  a causa em comum a todos é uma só.  Porém é raro uma alma chegar a um estágio täo claro de anseio pela realidade, a ponto de entender este ponto.  Encontramos poucas almas nesse mundo que estäo realmente conscientes de sua necessidade mais íntima, que compreendem:  "Queremos Krishna!  Queremos Vrndavana!".  Tais almas sinceras näo se encontra facilmente.  Isso é mencionado em muitos lugares na escritura (Manusyanam sahasresu...narayana parayana...brahmanam sahasrebyo...).

Só existe uma meta - näo é preciso muitas - sómente uma, aquela meta, aquela que estamos querendo, e que é uma relaçäo de amor divino.

Uma compreensäo intelectual da consciência de Krishna é impossível.  Assim como uma abelha näo consegue provar mel lambendo o exterior de uma jarra de vidro, näo se pode entrar no domínio do espírito mais elevado através do intelecto.  Como súditos somos subordinados ao Senhor Supremo.  Portanto deve haver seva, serviço.  Seva é o fator todo-importante.  No Bhagavad-gita menciona-se que pranipata, aproximar-se respeitosamente, pariprasna, indagar sinceramente, e seva, uma atitude de serviço, säo necessários  para entrar no domínio do amor divino.  Somente através do serviço Krishna ficará satisfeito e descerá, e só entäo conseguiremos entender a natureza do plano superior.  Isso é conhecimento védico.

Somos tatastha-shakti, potência marginal, e se quisermos conhecer qualquer verdade a respeito da realidade superior, devemos compreender que esta é mais sutil que nossa existência, que é supra-subjetiva.  Ela pode nos tocar porém nós näo conseguimos subir até esse domínio por nossa própria doce vontade.  Somente se recebermos a graça que pode nos fazer subir, é que o conseguiremos.

Quem tiver esta compreensäo conseguirá combater todos intelectualistas existentes.  O intelecto näo tem capacidade para entrar na área subjetiva superior.  Esta suprema verdade é atindriya-manasa-gocarah:  além do plano dos sentidos, mente, e intelecto.  Esta expressäo manaso vapuso vaco vaibhavam tava gocarah de Brahma, admitindo para Krishna que Ele estava além do alcance de seu corpo, mente e palavras, näo foi só uma declaraçäo insincera superficial.  Se quisermos conhecer a verdade absoluta, a única condiçäo para realizá-Lo é uma atitude submissa.  Dessa maneira, Ele poderá ficar satisfeito com nossa tentativa e revelar-Se a nós.  Revelaçäo divina näo é uma questäo de pesquisar dentro deste mundo - devemos ter um coraçäo sincero para servir.

Os cientistas estäo descobrindo tantas coisas maravilhosas.  Porém essas coisas já estäo ali?  Ou seriam os cientistas os criadores?  Essas verdades maravilhosas já estäo ali.  Só que algumas estäo sendo descobertas.  Näo é criaçäo dos cientistas, logo eles näo säo superiores a essas verdades.  E em todo caso, só conseguem saber uma parte delas, e mesmo isso com algum esforço.  Porém a natureza consciente da realidade, a razäo superior da divindade, é desconhecida deles, embora possam continuar a pesquisar, e pesquisar.  O que quer que encontrem é apenas cobertura externa, näo o verdadeiro espírito, a substância.  Na te viduh svartha-gatim hi visnum.  No Srimad-Bhagavatam 7.5.30 está escrito:

                 matir na krsne paratah svato va
                 mitho 'bhipadyeta grha-vratanam
                  adanta-gobir visatam tamisram
                 punah punas carvita-carvananam

O Srimad-Bhagavatam nos fala que podemos tentar entender o mundo da realidade superior através do intelectualismo, mas haveremos de voltar perplexos por nossas tentativas.  Se tentarmos pressionar a entrada nesse domínio por meio de nossa inteligência, voltaremos insatisfeitos e desanimados, e vagaremos aqui neste mundo mortal repetidamente.  O mundo da experiência sensorial irá e virá  através de suas diferentes fases, mas näo consegue entrar naquele plano espiritual.  Para entrar naquele mundo, o único requisito é submissäo a um agente real da divindade.  Este poderá revelar o processo, e se pudermos aceitar isso, conseguiremos entrar naquele mundo; senäo teremos que vagar neste mundo de experiência sensorial.

Alguns estudiosos pensam que conhecimento é de importância primordial.  Segundo estes, se quisermos entrar naquele reino, devemos primeiro adquirir conhecimento através da erudiçäo e depois tentar o amor.  Acham que através do conhecimento sozinho, podemos compreender o que é o amor divino, e entäo poderemos conseguir ingressar naquele domínio.  Näo aprovam a idéia de jnana-sunya-bhakti, ou "devoçäo livre-de-conhecimento".

Certa vez, o fundador do Bharat Seva Ashram Sangha queria que eu me juntasse à missäo dele.  Disse-lhe:  "Minha cabeça já foi comprada pelos ensinamentos de Sri Chaitanya-deva."  Ele disse:  "Sim, também O reverencio, mas digo que primeiro deves aprender a indiferença ao prazer mundano, conforme pregava Buda.  Entäo poderá vir a estudar o Vedanta de Shankara, entender o que é conhecimento propriamente dito, e realizar que este mundo todo é nada, e Brahman, espírito, é tudo.  Entäo poderá aproximar-se do prema-dharma, o amor de Sri Chaitanyadeva, que também acho que é o mais elevado objeto de realizaçäo."  Retruquei:  "Você diz isso, mas Sri Chaitanyadeva näo disse que deveríamos ir à escola Budista para aprender abnegaçäo e depois para a escola Shankarista adquirir conhecimento Vedantista antes de conhecê-lo.  Ele disse que onde quer que estejamos, devemos obter a associaçäo de um verdadeiro santo Vaisnava e continuar com sravana-kirtana, ouvir e cantar as glórias do Senhor."  Esse homem quedou-se mudo.  Näo conseguia falar; foi silenciado.

De outra feita, o presidente da Arya Samaj veio ver-me em Karachi e disse-me que:  "Se o finito pode conhecer o Infinito, entäo Ele näo é infinito."  Repliquei:  "Se o Infinito näo puder dar-se a conhecer ao finito, entäo Ele näo é infinito."  Näo conseguiu responder ao meu argumento.

TODOS DIREITOS RESERVADOS

Portanto näo é através de qualquer qualificaçäo por parte do nosso lado que o absoluto pode ser percebido.  A quem quer que Ele decida Se dar a conhecer, este O conhecerá.  Isso é explicado nos Upanishads:  Ele näo pode ser conhecido através de palestras ou discussöes, por meio de memória afiada ou vasta inteligência, ou pela genialidade ou intelecto sobrenatural.  Pode-se ter estudado extensamente todas escrituras reveladas, porém isso näo é qualificaçäo.  Krishna reserva toda independência para o Seu lado.  Só existe um jeito pelo qual Ele pode ser conhecido:  a quem quer que Ele decida Se dar a conhecer, tal pessoa poderá conhecê-Lo.  De outra maneira todos direitos estäo reservados ali por Sua doce vontade.

Como podemos atrair Sua doce vontade?  Eis a questäo.   Como poderemos agarrar Sua doce vontade.  Isso só pode ser feito através de sharanagati, rendiçäo, aumentando nosso lado negativo.  Devemos pensar:  "Sou täo pobre; sem Tua graça, näo posso viver."  Devemos pensar assim para tentar despertar misericórdia dentro do coraçäo Dele.  Devemos apelar para a compreensäo Dele de que estamos com extrema necessidade Dele e que sem Sua graça näo conseguimos viver.  Somente tal tipo de sentimento sincero de necessidade consegue atrair Sua atençäo para nós.  Senäo näo temos nenhuma possibilidade de capturá-Lo.   Portanto a abordagem negativa tem sido recomendada para capturá-Lo.  Nossa oraçäo exclusiva é que somos muito necessitados e sinceros.  Só isso pode atrair Sua atençäo para nós.  E isso näo é uma opiniäo ou especulaçäo, é um fato.  É realidade.

Uma vez conheci um sannyasi erudito em Badarikashrama que posava como um ateísta no decurso de nossa discussäo.  Ele argumentava:  "Qual é a evidência que Deus ou a alma existe?"  Entäo citei um verso do Srimad-Bhagavatam 11.22.34:

                   atma parijnana-mayo vivado
              hy astithi nastiti bhidartha-nisthah
                vyartho 'pi naivoparameta pumsam
                mattah paravrtta-dhiyam sva-lokat

Expliquei-lhe que embora atma, o espírito, seja auto-refulgente, existe uma constante rixa entre dois partidos opostos.  Um partido diz:  "Deus existe!"  O outro diz:  "Deus näo existe!"  O Srimad-Bhagavatam diz que atma é auto-refulgente, mas ainda assim verificamos que uma classe de homens diz:  "Ele existe, podemos vê-Lo, Ele pode ser visto."  Esta rixa näo tem fim porque um dos partidos näo tem olhos para ver o que é auto-evidente.  Esta rixa é uma inútil perda de tempo, mas ainda assim nunca irá terminar;  vai continuar para sempre.  Por quê?  Porque existem aqueles que tem olhos para ver Deus e aqueles que näo tem olhos  para vê-Lo ou a si próprios.  Uma dessas classes de homens desviou-se da consciência de Deus.  Há uma barreira entre eles e a consciência de Deus, entre eles e a auto-consciência.  Logo a desavença só irá continuar devido à ignorância deles.

Aqueles que tem olhos para ver diräo:  "O sol existe; ali está o sol."  E aqueles que näo tem olhos diräo:  "Näo, näo, näo existe sol."  Esse argumento irá continuar para sempre, mas isso näo significa que o sol näo exista.  Ele pode se mostrar.

Com relaçäo a isso foi feita uma analogia.  Um menino nasce numa masmorra, uma prisäo escura.  E cresce sem ter nenhuma experiência de luz solar.  Um de seus amigos de fora da prisäo costumava vir e visitá-lo.  Certo dia, o amigo do menino disse:  "Vamos ver o sol.  Venha comigo, vou te mostrar."  O menino replicou:  "Sim, eu vou."  Porém começou a levar uma lanterna consigo.  Seu amigo comentou:  "Näo é necessário levar a lanterna."  O menino disse:  "O que está dizendo!  Pensa que sou idiota?  Alguém consegue ver alguma coisa sem ajuda de uma lanterna?  Näo sou burro!"  Entäo seu amigo pegou o pela mäo à força e mostrou-lhe o sol.  O menino disse:  "Oh, isso é o sol!  Por sua luz tudo pode ser visto."

A alma é assim.  Deus é assim.  Ele só pode ser visto através de Sua própria luz, e é só através de Sua luz que podemos ver qualquer coisa.  Ele é auto-refulgente.  Por meio de Sua própria luz Ele pode mostrar-Se a outrem.  Ele é a fonte de todo conhecimento.  Este é o conceito apropriado de Deus.  Ele está existindo automaticamente.  Näo pode ser visto pelo nosso conhecimento, assim como o sol näo pode ser visto com auxílio de mais nenhuma outra luz.  Näo é necessário que tentemos adquirir consciência de Deus através do intelecto ou conhecimento.  O conhecimento de Deus é independente.  Pode ir e vir por sua própria vontade.  E se Ele vier a mim, tudo virá a mim.  Porém nada pode forçá-Lo a colocar-Se diante de nossa visäo.  O sol näo pode ser levado para dentro de nossa masmorra, mas é preciso que busquemos o sol e vejamos as coisas pela graça dele; da mesma maneira, o Senhor é auto-refulgente.  Ele só pode ser visto por Sua própria luz.

O intelectualismo é uma desqualificaçäo.  Estamos interessados em jnana-sunya-bhakti, devoçäo livre de conhecimento.  Afeiçäo, atraçäo, simpatia - estas coisas säo todas resultado de ter um coraçäo.  Os cientistas acham que os animais näo tem um cérebro verdadeiro, näo possuem nenhuma inteligência.  Contudo vemos que até mesmo sem ter muito cérebro, um animal consegue viver, porém sem um coraçäo, um animal näo consegue viver, ninguém consegue viver.  Como o cérebro é uma representaçäo de um computador, os animais näo tem um verdadeiro computador para calcular.  Animais podem seguir conhecimento intuitivo, e assim conseguem funcionar inconscientemente.  E podemos ver que a intuiçäo pode ir além do cálculo cerebral.  Tantas aves e bichos conseguem compreender que está para ocorrer um terremoto, porém até agora, nenhum cálculo humano consegue compreender precisamente quando irá acontecer um terremoto.  Há muitas coisas que nosso cérebro näo consegue sentir, näo consegue captar, ao passo que até mesmo os animais conseguem receber algum indício de antemäo.  E após longa e profunda pesquisa, os homens näo conseguem encontrar o que está além de sua razäo.  A posiçäo da razäo e do intelecto é explicada no Srimad-Bhagavatam 10.14.3:

               jnane prayasam udapasya namanta eva
             jivanti san-mukharitam bhavadiya-vartam
                   sthane sthitah shruti-gatam
                        tanu-van-manobhir
          ye prayaso 'jita jito 'py asi tais tri-lokyam

"Com ojeriza rejeitando qualquer tentativa dentro da linha intelectual, devemos nutrir um espírito submisso dentro de nós  e tentar viver nossas vidas em associaçäo com os tópicos sobre o Senhor.  É claro que isso näo significa qualquer tópico sobre o Senhor; eles devem advir de uma fonte genuína.  E näo importa que posiçäo tenhamos no momento.  Quem quer que preste atençäo sinceramente aos ensinamentos de Seus agentes divinos através do pensamento, palavra e atos, pode conquistar a Ele que de outra maneira seria invencível."

Esta é a senda da realizaçäo recomendada pelo Srimad-Bhagavatam, que condena a senda da realizaçäo intelectual:

              sreyah srtim bhaktim udasya te vibho                klishyanti ye kevala-bodha-labdhaye
                tesham asau kleshala eva shisyate
               nanyad yatha sthula-tushavaghatinam

"ó Senhor, aqueles que desejam ter um conceito claro de Ti através do intelecto deles descobrem que suas tentativas säo inúteis.  Seus esforços findam apenas em frustraçäo, tal como quem tenta pilar cascas de arroz vazias." (SB 10.14.4)

Assim jnana, conhecimento, é como uma casca vazia.  Energia e conhecimento säo apenas aspectos externos.  A verdadeira substância, o arroz, é devoçäo - amor.  Isso é a coisa saborosa interna.  Outras coisas säo coberturas (jnana-karmady-anavrtam).  Mas o que está dentro da cobertura tem sabor, é eterno, auspicioso, e lindo:  satyam, shivam, sundaram.  Beleza é a realidade, êxtase é a realidade; tudo o mais é apenas uma cobertura externa.  Se nos ocuparmos da cobertura, näo conseguiremos obter a substância que está dentro.  Entäo nossa vida se torna um desapontamento:

              naiskarmyam apy acyuta-bhava-varjitam
                na shobate jnanam alam niranjanam
              kutah punah shasvad abhadram ishvare


               na carpitam karma yad apy akaranam

"Mera renúncia näo é considerado como sendo realizaçäo na vida de ninguém.  Embora no estágio da liberaçäo näo encontremos nenhuma contaminaçäo de morte, nascimento, doença, e debilidade, ainda assim isso näo pode ser considerado perfeiçäo.  Entäo que dizer de karma, uma vida laboriosa de trabalho que näo é feito para a satisfaçäo de Krishna?"  SB 1.5.12

A única coisa que pode dar realizaçäo tanto no trabalho quanto no descanso, é Krishna:  Ele é o princípio harmonizador de ambos.  Se o trabalho for feito como um serviço para Krishna, entäo nosso trabalho se converte em ouro:  näo é mais ferro.  E só se a renúncia estiver relacionada ao serviço divino é que tem qualquer valor.

ADÄO E EVA

Aqueles que estäo sofrendo devido ao trabalho árduo naturalmente querem descansar.  Dependem do trabalho para viver, no entanto achamo-lo inútil e indesejável:  se queremos viver, devemos trabalhar; ainda assim, é considerada uma vida de desonra.  Em geral nossa aspiraçäo é por uma vida sem trabalho; estamos buscando uma vida tranquila de descanso onde näo sejamos servos de nosso trabalho.  Esta é a tendência geral em nossa vida de luta e trabalho.

Na Bíblia, Adäo e Eva estavam rendidos a Deus no céu, e seu sustento era automático; quando caíram, tiveram que ganhar seu päo pelo suor de suas testas.  Foram forçados a labutar a fim de viver.  E é uma forma de vida baixa e desonrosa.  Porém se queremos viver, temos que trabalhar.  Pensamos:  "Será que existe uma vida que se possa viver sem trabalhar?"  Encontramos tal tendência em nossa vida desde o início da existência.  Portanto aspiramos por ficarmos livres do karma.

BUDA E SHANKAR

Mas a escola budista e shankarita querem descobrir um lugar onde possamos viver sem trabalho.  Buda diz que a própria vida é desnecessária; que na realidade näo existe trabalho, nem vida, nem existência.  Segundo a escola budista, podemos dispensar a existência.  É uma mania manter nossa existência no mundo agitado, portanto devemos dispensar esta nossa existência.  Porque de fato deveríamos viver?  Assim os budistas advogam nirvana, o cessar da existência.

E Shankaracharya diz:  "É claro que há vida, porém esta vida näo é desejável.  Estamos sempre sofrendo prejuízos, e há uma força que está sempre nos diminuindo, e afinal morremos.  A morte lenta nos desafia, veneno lento."  É verdade que a vida no mundo da mortalidade é indesejável.  Entäo qual é a soluçäo?  Shankara diz que a tentativa de manter nosso próprio eu é individual é indesejável.  Näo existe possibilidade de manter a individualidade e ao mesmo tempo desfrutar de verdadeira paz, paz eterna.  Portanto vamos ter que abrir mäo do encanto da vida individual.

Segundo Shankara, existe um só Espírito Universal, e esse é um conceito cheio de bem-aventurança.  Somos meros reflexos dele.  Esse Espírito reflete-se em tudo.  De alguma maneira criou esse misterioso ego ou consciência individual.  Näo devemos ficar muito ansiosos por manter esse ego individual; temos que dissolvê-lo.  E quando isto for feito, descobriremos que só resta Espírito.

Em nossa condiçäo atual näo pode haver cura da doença da mortalidade.  A cada momento estamos nos perdendo de alguma maneira ou outra.  Isso näo se consegue resolver.  Porém Buda e Shankara proporcionaram uma compreensäo apenas parcial.  Entretanto o Srimad-Bhagavatam diz:  "A devida soluçäo é praticar abnegaçäo, desapego do meio-ambiente, vendo-o em relaçäo ao serviço de Krishna. O conhecimento através do qual se obtém perfeiçäo enquanto mantém a própria individualidade, interesse e perspectiva é possível apenas com bhakti, devoçäo, dedicaçäo.  Pela exploraçäo tens que morrer.  E pela abnegaçäo a pessoa se funde numa espécie de zero (Viraja, Brahmaloka) nalgum lugar desconhecido, para nunca mais se levantar dali novamente.  Mas eu recomendo o tipo de renúncia e conhecimento que é abraçado pela devoçäo, dedicaçäo a Krishna.  Se aceitar isto, entäo seu eu interior, seu verdadeiro ser, pode viver para sempre uma vida feliz."

Naiskarmyam significa nenhum sofrimento no trabalho.  Um trabalho de amor é a funçäo inata da alma.  Em nossa concepçäo comum, o trabalho leva a uma reaçäo.  Enquanto trabalhamos as coisas diminuem e desaparecem, atacadas pela morte.   Porém essas dificuldades foram todas eliminadas pelas recomendaçöes no Srimad-Bhagavatam.  Srimad-Bhagavatam advoga vairagya e jnana cingidas por bhakti, uma vida de dedicaçäo.  O Bhagavatam diz:  "Livra-te da exploraçäo e da renúncia.  Näo terás de depender delas.  Elas podem ser absorvidas pela dedicaçäo.  Renúncia e conhecimento säo completos na devoçäo, e ao mesmo tempo se pode manter a individualidade."

O Srimad-Bhagavatam harmonizou conhecimento e renúncia suprindo a própria vida de ambos na devoçäo.  Através da devoçäo, podemos manter nossa individualidade, nossa atividade, nossa perspectiva, e ao mesmo tempo encontrar imensa paz e êxtase na vida. O Srimad-Bhagavatam oferece-nos uma vida feliz, eterna, simplesmente pela adiçäo de dedicaçäo a jnana e karma.

Irás trabalhar, ou energizar; mas näo cairá sob a jurisdiçäo de karma, que tem uma reaçäo.  Sua energia será usada para o centro.  O Bhagavad-gita nos fala:  "Trabalhem apenas para o centro, ou ficaräo atados a uma reaçäo."  Portanto foi esclarecido que uma vida muito saudável é possível para nós, se nos dedicarmos ao centro mais elevado.  Isso näo é nem desonra e nem cansa.  Tampouco é ignorância.  Portanto devemos tomar este caminho que o Srimad-Bhagavatam nos recomenda.



Se estivermos atentos a isso e tentarmos seguir o conselho que vem da fonte real, das pessoas verdadeiramente santas, iremos nos ajustar devidamente; desenvolveremos uma compreensäo correta.  E tudo se harmonizará.  Quem tiver esta realizaçäo será vitorioso diante de todas possíveis sugestöes ou conceitos de conhecimento.  Só pela devoçäo, pela dedicaçäo a Krishna, podemos facilmente nos tornar livres da ignorância no mundo do sofrimento.

Ser um devoto significa servir; serviço é tudo.  Nossa vida correta encontra-se em dedicar-nos em auto-distribuiçäo, näo auto-engrandecimento.  Podemos viver em serviço.  Todas dificuldades seräo removidas se nos ativermos à linha da dedicaçäo.   Ali encontraremos tudo:  nossa individualidade, o meio-ambiente mais favorável, nossa perspectiva mais elevada.  Apenas é preciso modificar nosso ângulo de visäo.  E esse ângulo de visäo deve ser adquirido através do centro.  Seja o que olharmos, devemos tentar estudar sua posiçäo de acordo com o centro.  Devemos localizar ou calcular sua posiçäo em relaçäo ao centro.  E com esse ângulo de visäo, obteremos alívio de tudo que é indesejável.  Esse é o ensinamento do Srimad-Bhagavatam.

É essa a especialidade da filosofia do Bhagavata.  Sempre tenta estabelecer o conceito do amor divino, sentimento divino, e da emoçäo divina acima do intelectualismo e maestria sobre a energia.  Os mestres do poder e os mestres do conhecimento näo possuem valor algum se forem destituídos do mestre do amor.  Por outro lado, se é possível para alguém destituído de conhecimento e poder entrar na área do amor, sua vida tem sucesso.  Seu movimento näo é mais considerado trabalho reativo (karma), e seu conhecimento é conhecimento real sobre Krishna (sambandha-jnana).  Verdadeiro conhecimento sobre Krishna, Sua parafernália, e quem é quem no mundo espiritual, näo está dentro da jurisdiçäo do conhecimento que podemos obter conduzindo pesquisa científica.  Näo é assim; realiza-se em si mesmo.

E Devarishi Narada foi até Vedavyasa para recomendar-lhe:  "Deves introduzir isto mui claramente em teu livro novo.  Nos Vedas e Upanishads e no Mahabharata anteriormente trataste de diferentes aspectos do conhecimento e do trabalho.  Mas näo ficou täo claro.  E agora bem clara e definitivamente deves descrever o sucesso da vida em sua forma mais plena, independente de conhecimento e energia."  É possível reinstalarmo-nos na nossa fortuna perdida, independente da energia e pesquisa intelectual.

O SELO DO EGO

Apenas temos que quebrar o selo do ego, e o fluxo natural de amor divino virá e automaticamente auxiliará sua própria causa.  Existe um arranjo assim para nós, por meio do qual poderemos retornar ao lar.  Näo vamos achar que é uma jornada trabalhosa, entediante.  Seremos levados pela nossa atraçäo natural, independente de orientaçäo externa.  A tendência dentro de nós pelo amor divino consegue compreender seu próprio terreno; ela tem esse dom natural de atraçäo.  Haverá uma atraçäo automática pelo nosso lar; nenhuma pesquisa científica é necessária.

Em vez disso, teremos que parar com nosso intelectualismo, ambiçäo, e aspiraçäo.  Näo é necessário.  É uma corrida infrutífera.  Nunca irá nos ajudar a chegar à meta.  O coraçäo irá rejeitar isso.  Näo haverá lugar para qualquer suspeita.  É uma seleçäo infalível, natural, completa.  Assim, devemos tentar encontrar essa coisa natural que näo pode ser adquirida como resultado de qualquer programa prolongado de pesquisa.  É bastante natural.  É só o artificialismo dentro da gente que deve ser removido e despachado para sempre.

E as reaçöes que adquirimos após tanto tempo em nossa falsa jornada iräo evaporar por si mesmas.  Näo iräo apresentar nenhum problema.  Isso é certo.  Näo haverá nenhuma reaçäo, e nenhuma necessidade de descobrir qualquer nova descoberta ou invençäo.  Uma vez obtida esta realizaçäo, veremos que nossa "civilizaçäo-de-conhecimento-progressivo" é inteiramente redundante.

Näo é necessário nenhum intelectualismo.  Assim como uma criança conhece sua mäe, podemos reconhecer nosso verdadeiro lar.  Em meio a tantas vacas, um bezerro correrá para sua própria mäe.  Tem algum tipo de cheiro instintivo ou uma orientaçäo natural que os dirige.  Da mesma maneira, nenhum esforço, nenhuma investigaçäo, nenhum experimento ou suspeita säo necessários.  Devoçäo a Krishna é automática, natural, feliz, e espontânea.  É uma vida espontânea, um fluxo automático, um movimento natural.

Nosso verdadeiro interesse é amor.  Amor é independente de tudo.  É a substância mais interna de nossa existência.  "Tenta mergulhar profundamente na realidade" nos recomendam.  "Mergulha fundo na realidade, e encontrarás teu lar ali naquele reino divino.  És filho daquele solo."  Esta é a mensagem do Srimad-Bhagavatam e Sri Chaitanya Mahaprabhu.  E isso näo é um conceito muito parco, um sonho abstrato ou nebuloso, mas é a realidade mais intensa e concreta.

Sri Chaitanya Mahaprabhu demonstrou isso por Seu caráter, por Sua busca täo intensa por Sri Krishna, e pelo modo intenso e profundo com que Ele Se ocupou na lila de Krishna, ignorando tantos fatos que parecem concretos no mundo exterior.  Esquecendo de tudo, desprezando tudo que é täo importante para nós, Ele negligenciou todas outras funçöes e consideraçöes do dever.  Ele Se ocupou em krishna-lila täo profunda e intensamente - mergulhando fundo nela - que capturou Seu coraçäo inteiro tanto, que externamente Se achava incapacitado.

                           *    *    *



Rupa Goswami Prabhupada diz que o nome, forma, qualidades e associados eternos de Krishna - tudo em torno Dele - näo é mundano, porém puramente espiritual.  Isso näo pode ser percebido por nossos sentidos grosseiros.  Simplesmente por vibrar o som krishna, nossas línguas näo conseguem produzir Krishna, nossos narizes näo conseguem capturar a fragrância transcendental de Seu corpo, nossos olhos näo conseguem ter uma visäo de Sua bela figura que é supramental.  Isto é verdadeiro näo só para nossos sentidos físicos, mas também para a mente.  Nossas mentes näo conseguem conceber Krishna.  Ele é transcendental e supramental.   Sua existência transcende  todo conhecimento que possuímos.

                          O SANTO NOME

Para ser efetivo, o som do santo nome de Krishna deve ter uma qualidade divina.  O santo nome de Krishna que é infinito, pode acabar com tudo de indesejável dentro de nós; porém o nome deve ser investido de um conceito espiritual real.  Näo deve ser apenas uma mera imitaçäo física produzida apenas com auxílio dos lábios e da língua.  Esse som näo é o santo nome.  Se for para ser genuíno, o santo nome de Krishna, Hari, Vishnu ou Narayana deve ser vaikuntha-nama:  deve ter existência espiritual, fundamento divino.  Esse princípio é tudo ao vibrarem  o santo nome.

Estamos interessados na vibraçäo sonora que tem profundidade espiritual.  A imitaçäo física do santo nome näo é o devido nome; näo é shabda brahma, som divino.  Apenas som de imitaçäo poderá advir do plano do conceito mundano.  O santo nome de Krishna significa som divino; deve ter algum fundamento espiritual.  Algo espiritual deve ser distribuído através do som físico.

No caso de uma cápsula de remédio, a cápsula näo é o medicamento; o remédio está dentro.  Externamente, uma cápsula poderá parecer igual a outra, porém dentro de uma delas poderá ter remédio e dentro de outra pode haver cianureto.  A cápsula em si näo é o remédio.  Portanto näo é o som do nome de Krishna que é Krishna:  Krishna está dentro do som.  O santo nome tem que ser carregado com o devido espírito, näo um sentimento mundano.

Mesmo os seguidores da escola impersonalista de Shankara tem fé que o nome näo está confinado à jurisdiçäo do som físico.  Consideram que está dentro do plano mental, dentro do plano de sattva guna.  Infelizmente pensam que o santo nome é o produto de maya, ou conceito equivocado, e assim concluem que os nomes de Hari, Krishna, Kali, e Shiva säo todos apenas uma e mesma coisa.  A Missäo Ramakrishna e a escola de Shankara ambas pregam desta maneira.  Porém esse conceita também tem sua origem no plano do equívoco.

SOM DIVINO

O som divino do nome puro (suddha-nama) deve ter sua origem além da área do conceito equivocado ou maya.  Maya se estende até ao mais elevado planeta do mundo material, Satyaloka.  Além de Satyaloka está o rio Viraja e o mundo da consciência, Brahmaloka, e depois o céu espiritual, Paravyoma.  O nome puro de Krishna deve ter sua origem em Paravyoma, o céu espiritual.  E se formos examinar mais ainda, o santo nome de Krishna realmente provém do plano mais original de toda existência:  Vraja, Goloka.  Segundo esta compreensäo, o som deve ter sua origem no plano mais elevado do mundo espiritual em Vrndavana se for para ser considerado o genuíno nome de Krishna.

O mero som físico näo é o santo nome de Krishna.   Um verdadeiro conceito do santo nome é necessário, näo só para libertar-nos deste mundo de conceito equivocado, mas também para obter o serviço a Krishna em Vrndavana.  Só esse verdadeiro nome de Krishna que tem sua origem no plano de Vrndavana pode nos elevar e levar até lá.

Senäo, embora o espírito esteja dentro do nome, se o som que vibramos  for baseado em qualquer outro conceito, poderá apenas levar-nos até aquela camada de conceito.  Isto é bastante científico; näo é irrazoável.  A mera palavra krsna näo é o santo nome.  O que é importante é o significado daquele som e a profundidade do sentido, o profundo conceito do significado do nome.  Isso é tudo - é de importância total para nosso propósito.

Há uma boa história que ilustra esse ponto.  Quando nosso mestre espiritual, Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakura, era um jovem menino, o pai e ele foram visitar o sagrado local de Kulinagrama, localizado no distrito de Hooghly perto de Calcutá.  Kulinagrama era o vilarejo onde o grande devoto Haridasa Thakura, bem como outros Vaisnavas famosos, costumavam viver, e foi o lar de quatro geraçöes de devotos.

UM TEMPLO MAL-ASSOMBRADO

Foram visitar aquele antigo local sagrado, e bem nos arrabaldes de Kulinagrama, quando estavam entrando no vilarejo, passaram por um velho templo.  De repente um velho saiu do templo e humildemente perguntou-lhes:  "Por favor fiquem aqui esta noite.  De manhä poderäo entrar no vilarejo e tomar darshana de todos locais ali."  Bhaktivinoda Thakura e nosso guru maharaja, que na época era um jovem menino, passaram a noite na casa do templo.

Logo após o cair da noite, enquanto estavam descansando, Bhaktivinoda Thakura experimentou algo incomum.  Percebeu que tijolos estavam sendo lançados de diferentes direçöes.  Pensou:  "Como isso pode estar acontecendo e porquê?  Quem jogaria tijolos grandes desse jeito?"  Entäo ficou um pouco apreensivo que talvez houvesse fantasmas morando ali, criando perturbaçöes.  Começou a cantar alto o Hare Krishna maha-mantra.  Após algum tempo, a perturbaçäo desapareceu, e Bhaktivinoda Thakura e Srila Bhaktisiddhanta passaram o resto da noite ali tranquilamente.

Pela manhä, entraram no vilarejo e começaram a visitar diferentes locais sagrados.  Após algum tempo, um dos cavalheiros locais notou-os e disse:  "Entraram em nosso vilarejo cedo esta manhä.  De onde estäo vindo?  E onde passaram a noite?"  Bhaktivinoda Thakura explicou:  "Ficamos naquele templo bem do lado de fora do vilarejo."  Um deles disse:  "Oh!  Como puderam ficar ali?  Tantos fantasmas moram ali e jogam pedras e tijolos em qualquer um que passe pelo local de noite.  Como conseguiram ficar ali?"  Entäo Bhaktivinoda Thakura disse:  "Sim, é isso mesmo.  Mas quando percebi tal perturbaçäo ali, comecei a cantar alto o Hare Krishna maha-mantra, e subsequentemente o problema desapareceu."  Os homens do vilarejo entäo perguntaram a Bhaktivinoda:  "Quem és, e de onde estás vindo?"

Entäo ficaram sabendo que era Bhaktivinoda Thakura.  Já tinham ouvido falar dele, e alguns tinham lido seus livros.  Deram as boas vindas a ambos, e mostraram todos locais sagrados que ainda näo haviam visto.

Em dado ponto, disseram a Bhaktivinoda Thakura:  "O cavalheiro que antes era sacerdote daquele templo foi transformado em fantasma após seu desaparecimento.  Desde entäo, verificamos regularmente as perturbaçöes causadas por aquele fantasma.  Porque ele se tornou fantasma?  Como sacerdote daquele templo, costumava cantar regularmente o santo nome de Krishna.  Somos testemunhas de tal fato; todos nós já o ouvimos.  Porque ele foi transformado em fantasma?  Näo conseguimos entender isso.  Por favor explique."

     (Retrato de Bhaktivinoda Thakura e seguintes dizeres:)

Bhaktivinoda Thakura lhes disse que o sacerdote devia estar repetindo apenas as sílabas do nome.  O que produzia era apenas um som mayik, um som físico, de profundidade apenas labial.  Näo tinha essência espiritual; a vida do nome estava ausente quando estava cantando.  O sacerdote estivera cometendo ofensas ao santo nome (nama-aparadha), e como resultado se tornara fantasma.  Eles perguntaram:  "Entäo como poderá ser libertado de tal condiçäo miserável?"  Bhaktivinoda disse:  "Se ele encontrar um sadhu fidedigno que tem uma conecçäo genuína com Krishna, e ele ouvir o verdadeiro nome dos labios dele, entäo poderá ser libertado de sua condiçäo fantasmagórica."

SOM COM PROFUNDIDADE APENAS LABIAL

Bhaktivinoda Thakura lhes disse que o sacerdote devia estar repetindo apenas as sílabas do nome, o nama-akshara.  O que produzia era apenas um som mayik, um som físico, de profundidade apenas labial.  Näo tinha essência espiritual; a vida do nome estava ausente quando estava cantando.  Era nama-aparadha, cantar ofensivo.  Bhaktivinoda perguntou-lhes:  "Como era o caráter dele?"  Disseram:  "Näo era um homem bom.  Cometia muitos atos pecaminosos.  Isso nós sabemos.  Porém näo podemos negar o fato de que costumava cantar o nome do Senhor quase sempre.  Como poderia se tornar um fantasma?"

Bhaktivinoda Thakura explicou que o som físico do nome näo é o nome propriamente dito.  O sacerdote estivera cometendo ofensas ao santo nome (nama-aparadha), e como resultado se tornara fantasma.  Eles perguntaram:  "Entäo como poderá ser libertado de tal condiçäo miserável?"  Bhaktivinoda disse:  "Se ele encontrar um sadhu fidedigno que tem uma conecçäo genuína com Krishna, e ele ouvir o santo nome, ou a devida explicaçäo do Bhagavad-gita ou Srimad-Bhagavatam dos labios dele, entäo poderá ser libertado de sua condiçäo fantasmagórica.  As escrituras mencionam que esta é a única maneira de tornar-se livre do enredamento da natureza material."  Após esta discussäo, Bhaktivinoda Thakura e Bhaktisiddhanta Saraswati deixaram Kulinagrama.

A partir desse dia, todos problemas causados pelo fantasma no templo de Kulinagrama cessaram.  Os habitantes do vilarejo ficaram espantados.  Um deles disse:  "Esse sacerdote que tinha se tornado um fantasma deve ter sido libertado de sua condiçäo fantasmagórica após ouvir o santo nome cantado por Bhaktivinoda Thakura.  Quando a perturbaçäo começou, Bhaktivinoda cantou alto o nome; gradualmente, por ouvir o santo nome de Krishna de seus santos lábios, essa alma oprimida foi liberada de sua condiçäo como fantasma."

Depois disso, muitas pessoas viajavam para ver Bhaktivinoda Thakura.  Diziam-lhe:  "Temos confiança em que és um grande Vaisnava - após ouvir o santo nome de Krishna de seus lábios, um fantasma foi liberado."  Esta história foi publicada nos jornais, e Srila Bhaktisiddhanta Prabhupada costumava recontar a história que experienciara pessoalmente com Bhaktivinoda Thakura.

O ponto é que simplesmente o som externo do nome näo é o nome real.  A coisa mais importante é a realizaçäo espiritual por trás do nome - isso é o verdadeiro nome.  Senäo, um gravador pode pronunciar o santo nome de Krishna.  Até mesmo um papagaio pode pronunciar o nome - porém o som físico näo é a coisa em si.  Como fundamento deve haver  a verdade espiritual, que é consciente.  Esse super-conhecimento está além do conhecimento desse plano mundano.

NAMA SUPRAMENTAL

Esta compreensäo é confirmada por Rupa Goswami Prabhu em seu verso:

                      atah sri-krsna-namadi
                   na bhaved grahyam indriyaih
                     sevonmukhe hi jihvadau
                    svayam eva sphuraty adah

Diz ele que o nome, forma, qualidades, e associados eternos de Krishna - tudo ao redor Dele - näo é mundano, porém puramente espiritual.  Näo conseguimos perceber isso através dos sentidos grosseiros.  Simplesmente por vibrar o som krishna, nossas línguas näo conseguem produzir Krishna, nossos narizes näo conseguem capturar a fragrância transcendental de Seu corpo, nossos olhos näo conseguem ter uma visäo de Sua bela figura que é supramental.  Isto é verdadeiro näo só para nossos sentidos físicos, mas também para a mente.  Nossas mentes näo conseguem conceber Krishna.  Ele é transcendental e supramental.   Sua existência transcende  todo conhecimento que possuímos.


Näo podemos ser o sujeito e fazer de Krishna nosso objeto.  Ele é o sujeito.  Ele existe além de atma e paramatma.  Nunca devemos esquecer disso.  Devemos sempre lembrar do plano no qual Ele existe.  Como almas finitas somos tatastha jivas - a potência marginal do Senhor.  A diminuta alma pode pensar e conhecer apenas aquelas coisas que säo mais grosseiras que ela mesma.  Porém ao tentar conhecer aquilo que é mais sutil que ela própria, vê-se incapaz.  Uma conecçäo com esse reino espiritual mais elevado só é possível quando a área superior deseja trazer o inferior para aquele plano.  Portanto, compreendê-Lo só é possível através de rendiçäo (sevonmukhe hi jihvadau).

ESCRAVATURA DIVINA

Se pudermos aceitar a corrente da rendiçäo - se conseguirmos morrer como somos e entregar nosso eu mais íntimo à disposiçäo Dele - a vontade Dele pode facilmente levar-nos até a plataforma espiritual.  Nossa alma se tornará uma folha de grama naquela corrente, e assim será levada até o centro do infinito.  Näo é que possamos entrar ali e andar orgulhosos como fazemos aqui nesse mundo material grosseiro.  Aqui andamos com nossos pés, porém lá andaremos com nossas cabeças.  Só através da graça do Senhor sobre nossas cabeças conseguiremos atrair aquele plano para que nos eleve.

Tudo lá é qualitativamente superior à nossa existência.  A substância daquele reino divino, a atmosfera, o ar, o éter - tudo ali - é superior a qualquer valor que possamos ter.  Só aqueles com sincero espírito de serviço poderäo obter a entrada ali.  E lá seräo levados à mais elevada posiçäo de amor divino pelos residentes daquele plano, que säo veneráveis, generosos, afetuosos, e cheios de bons desejos.

Temos como nossa perspectiva, a chance de ir até lá, mas sempre como uma questäo de graça - e nunca uma questäo de direito.  Devemos aceitar este credo desde o início.  Ainda assim, a atmosfera lá é täo feliz e amorosa que ninguém dali sente qualquer distinçäo entre escravo e mestre.  Um escravo lá näo tem a sensaçäo de ser escravo.  Todos säo família.  Tendo obtido o estado de escravatura divina, a pessoa considera:  "Sou um escravo - a generosidade de Krishna e Seus associados eternos é minha fortuna."  Porém pelo poder de Yogamaya, aqueles que säo levados a subir até aquele plano esquecem que säo escravos.  Essa é a grandeza e a magnanimidade daquela atmosfera onde o amor está fluindo intensamente.  Na realidade é pelo amor deles e näo por nossa própria fortuna que poderemos de alguma maneira obter entrada naquela terra elevada e nobre.

Mas para realizarmos isso, temos que realizar a posiçäo espiritual do nome, forma, e associados eternos de Krishna.  O nome de Krishna näo é material.  Näo podemos captar o nome de Krishna simplesmente por vibrarmos as sílabas do nome com nossa língua.  Ravana queria capturar Sitadevi e pensou que o conseguira.  Porém o fato é que ele näo conseguia nem mesmo tocar o santo corpo de Sitadevi.



O que Ravana capturara era apenas uma representaçäo mundana de Sitadevi, um doublé material, uma imitaçäo que era como uma estátua de Sitadevi.  A própria Sitadevi é outra coisa; näo é feita de carne e osso.  Para uma pessoa aqui nesse mundo, Sitadevi e Seu plano divino é completamente inaproximável.  Uma pessoa mundana näo consegue ver, sentir, ou entrar naquele plano - sem falar de arrebatar Sitadevi e levá-la embora.  As escrituras explicaram que a captura de Sitadevi foi só "show".  Ravana foi enganado.  É claro, o rapto aparente de Sita por Ravana aconteceu para servir a algum propósito, para ensinar algo para as pessoas deste mundo mundano.  Mas no sentido real, nenhum Ravana pode entrar em conecçäo com qualquer um dos associados eternos do Senhor que estäo vivendo em Vaikuntha.  Da mesma maneira, nenhuma pessoa mundana consegue tocar no nome de Vaikuntha simplesmente por imitar seu som.

Recentemente perguntaram-me sobre um jovem menino que fora morto num acidente.  Contaram-me que ele gritara o nome de Krishna na hora da morte.  Perguntaram:  "Qual foi o destino dele?"  Expliquei que sermos jovens ou velhos no plano de carne e osso näo é nenhuma qualificaçäo para realizaçäo espiritual.  Deve-se examinar a mentalidade da pessoa.  Segundo a hora e local determinado e a concepçäo da pessoa envolvida, aquele som pode ser o nome genuíno, ou pode ser namabhasa, a sombra do nome real.


NAMA NACIONAL

Quando Gandhi foi baleado, gritou:  "Rama!  Rama!"  Ele foi baleado no peito, e seus óculos foram projetados na rua.  Dentro de meia hora ele morreu, porém pronunciou as palavras:  "Rama!  Rama!"  Estava a caminho para fazer uma palestra religiosa, porém sua própria mentalidade estava cheia de pensamentos sobre progresso nacional, portanto no caso dele, a vibraçäo do santo nome pode ter agido no plano da construçäo da naçäo.  Para entender o destino de uma pessoa na hora da morte, devemos perguntar:  "Qual era a mentalidade dela?"

As vezes cantar o nome pode resultar em namabhasa - a sombra do santo nome.  Ser o suddha nama, o nome genuíno, vai depender do sistema mental da pessoa que canta o nome.  Depende da relaçäo dela com Krishna, a intençäo dela.

GOPI, GOPI, GOPI

Alguns dias antes de Sri Chaitanya Mahaprabhu tomar sannyasa, Ele estava cantando gopi, gopi, gopi.  Ouvindo isso, um brahmana tântrico veio dar alguns conselhos ao Senhor.  "Pandit" disse, "És um sábio; conheces as escrituras.  Ainda assim, estás cantando o nome gopi, gopi?  Que benefício obterás com isso?  As escrituras dizem que se cantarmos o nome de Krishna, poderemos obter algum benefício.  Encontrarás isso em muitos lugares nas escrituras, especialmente nos Puranas.  Porque entäo, cantas gopi, gopi?"



Irritado com a ignorância do brahmana, Sri Chaitanya Mahaprabhu, num humor de seguidor das gopis, pegou uma vara e começou a admoestá-lo:  "Vieste do campo inimigo para converter-nos em seguidores de Krishna?"  Correu atrás do brahmana para bater-lhe com a vara.  Nesse exemplo, vemos que Sri Chaitanya Mahaprabhu estava cantando gopi, gopi e negligenciando o nome de Krishna.  Aparentemente Ele foi aconselhado a tomar o nome de Krishna e ficou irado - mas qual é o pensamento subjacente aqui?

Se queremos compreender o efeito de alguém cantar o santo nome, devemos examinar seu propósito subjacente.  As vezes seu cantar poderá ter algum efeito, mas nem sempre.  Todavia, Jiva Goswami menciona o seguinte exemplo como evidência de que o santo nome pode ter algum efeito mesmo se a pessoa näo está ciente de seu pleno significado.

Uma vez um javali selvagem atacou um maometano, e este gritou:  "Harama!  Harama!  Harama significa "esse abominável porco!"  Por outro lado, Ha Rama significa "o Senhor" que permitiu que um javali me atacasse.  De algum modo, o Senhor Rama foi invocado, e o santo nome teve uma influência divina sobre o maometano, que obteve a liberaçäo.

Outro exemplo dado nas escrituras é o de Valmiki.  Antes de se tornar um santo, o sábio Valmiki era um dacoita (seguidor da seita de ladröes).  Porém o grande sábio Narada tinha um plano para beneficiá-lo.  Narada pensou:  "Esta pessoa é o mais notório e hediondo dacoíta que jamais vi.  Deixe-me experimentar com ele para ver a potência do santo nome.  Vou pedir que ele cante o santo nome de Rama."  Ele tentou, porém Valmiki näo conseguia pronunciar o santo nome de Rama.  Entäo Narada disse-lhe para cantar mara - a palavra para "assassinato" - em vez disso.  O dacoíta disse:  "Sim, posso fazer isso.  Isso é justamente o oposto do nome de Rama."  Ele começou a cantar:  "mara-mara-mara-mara-rama-rama-rama-rama"  Desta maneira, após algum tempo, mara se tornou rama.  Valmiki começou a cantar o nome de Rama, e gradualmente sua atitude mental modificou-se.  Portanto é possível o nome ter um efeito em alguém mesmo se a pessoa näo tiver uma concepçäo acertada do significado.  Isto se chama namabhasa:  a sombra do nome.  Pode provocar a liberaçäo.  Porém um verdadeiro devoto näo se interessa por liberaçäo.  Ele quer entrar no domínio do serviço divino.

O som e seu efeito depende da atitude que aceitamos, e da qualidade que conseguimos conceber, porque o verdadeiro vaikuntha nama é infinito.  Nesse plano, o divino nome é igual à substância invocada.  Quando o aspecto sonoro é uma só e mesma coisa com o aspecto original da coisa, isto é vaikuntha nama.  Aqui neste mundo, o nome de um homem cego pode ser Padmalochan - olhos de lótus - mas na realidade ele pode ser cego.  O nome e a figura podem ser inteiramente diferentes.  Porém em Vaikuntha, no mundo infinito, o nome e o nomeado säo uma só unidade.

Entretanto para experimentarmos o vaikuntha nama, devemos evitar tanto nama aparadha, ofensas ao santo nome, e namabhasa, a sombra do santo nome.  Por namabhasa, obtemos algum alívio deste enredamento mundano, e por nama aparadha, ficamos enredados neste mundo mayik.  Mas o som físico comum näo pode representar o nome real, que é sobrenatural.

É dito que um nome de Krishna pode remover mais ignorância e pecado que um homem tem poder de cometer.  Mas qual é a qualidade de tal nome?  Podemos cantar o nome físico de Krishna tantas vezes sem obter o resultado de um só nome verdadeiro.  Há uma grande diferença entre o som comum do nome, o nome mayik superficial e o nome puro.  O nome puro é uma só e mesma coisa que Krishna, porém isso só desce até nosso nível por Sua graça.  Näo conseguimos vibrá-lo simplesmente por meio de mover nossa língua e nossos lábios.  O nome puro de Krishna näo é só da boca para fora, mas do coraçäo.  E ele afinal vai além do coraçäo e alcança a terra de Krishna.  Quando Krishna desce, o nome de Krishna passa pelo coraçäo e movimenta os lábios e a língua.  Essa vibraçäo é o santo nome de Krishna, krsna nama.

PODER NEGATIVO

Quando Krishna na forma de som desce do mundo transcendental para o coraçäo, e do coraçäo, controlando cada aspecto do sistema nervoso, chega aos lábios e ali começa a dançar, isso é krsna nama.  A iniciativa está no mundo transcendental.  Esse som näo é produzido do plano físico.  O som espiritual tem de descer até este plano; Ele pode descer, mas nós näo conseguimos subir até lá täo facilmente.  Ele é o Supersujeito; nós somos um objeto para Ele.  Näo podemos interferir com a independência Dele.  Só pelo poder negativo da rendiçäo poderemos atrair o Supremo Positivo para descer até nosso nível.

E assim o santo nome näo é uma produçäo de nossos sentidos.  Pode ser realizado apenas quando nos aproximamos Dele com uma intensa atitude servidora.  Nessa ocasiäo, o próprio Krishna poderá descer por Sua graça, sendo atraído por nossa natureza servidora.  Entäo Ele pode influenciar este elemento e produzir som e dança transcendental dentro do plano mundano.  Isso é o santo nome, o vaikuntha nama, o verdadeiro nome de Krishna.  Näo conseguimos produzí-lo com nossos lábios.  O som que criamos com nossa produçäo física ou mental näo é Krishna.  Ele é independente de qualquer som que possamos produzir e no entanto, porque controla tudo, Ele pode aparecer em qualquer lugar, em qualquer forma, em qualquer plano, em qualquer som. 

E isso é confirmado pelo Bhagavad-gita 4.6.  Krishna diz:  "Quando venho até aqui através do poder de Minha potência interna, removo a influência da potência externa e apareço em qualquer lugar e em todos cantos."  A onda mundana é forçada a retroceder, assim como um aeroplano voa pelo céu e empurra a influência do ar e do vento enquanto passa à força.  Removendo a influência das ondas materiais, Ele aparece dentro deste mundo pela força de Sua própria força.


O Senhor diz:  "Tenho Minha própria potência, e pelo poder dessa potência, Eu removo esta energia material grosseira.  E assim vivo e me movimento neste mundo."  As leis da natureza material näo se aplicam a Ele.  Ele tem poder especial.  E com ajuda desse poder especial, Ele subjuga as leis da natureza material e chega até aqui.  Ele faz o que quer com Sua própria potência.  Onde quer que Ele vá, as leis da natureza material se retiram daquele lugar e fazem a vontade Dele.  Deste modo, Ele pode aparecer dentro do reino do som como o santo nome.

A importância real do nome näo se acha meramente no arranjo das sílabas, mas no profundo significado dentro desse som divino.  Alguns eruditos argumentam que no Kali-santarana Upanishad, o Senhor Brahma diz que o Hare Krishna maha-mantra só é devidamente pronunciado quando o nome Rama precede o nome de Krishna.  "Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare / Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare."

KRISHNA NAMA

No Kali-santarana Upanishad, o Hare Krishna maha-mantra é dado desta maneira.  Mas falar que o nome de Rama tem que preceder o nome de Krishna no mantra é um entendimento superficial.  Dizem que por vir dos Upanishads, o Hare Krishna mantra é um mantra védico, e portanto, porque as pessoas comuns näo podem ter acesso aos mantras védicos, Sri Chaitanya Mahaprabhu reajustou esse mantra revertendo a ordem das palavras.  Desse modo, dizem, a preocupaçäo de que é um mantra védico dessa maneira é cancelada, e assim Sri Chaitanya Mahaprabhu concedeu-o para todos sem quebrar as injunçöes dos Vedas.  Alguns devotos em Uttar Pradesh que tem grande afeiçäo por Sri Chaitanyadeva gostam de dar essa opiniäo.

Porém nós acreditamos que mencionar "Hare Rama" primeiro é apenas superficial.  Refere-se à idéia de que como o Rama avatara apareceu primeiro e o Krishna avatara depois, o nome de Rama, "Hare Rama", deve vir primeiro no maha-mantra.  Uma leitura mais profunda considerará que quando duas coisas similares estäo conectadas, a prioridade será ordenada näo com base no precedente histórico, mas considerando a concepçäo mais elevada.  O santo nome de Krishna é mais elevado que o santo nome de Rama.  Isso é mencionado nos Puranas:  três nomes de Rama equivalem a um nome de Krishna.  O nome de Krishna é superior ao nome de Rama.  Onde ambos se conectam, a primeira posiçäo deve ser dada para aquele que é superior.  Portanto, o nome de Krishna deve vir primeiro no maha-mantra.

Isso é um ponto.  Outro ponto é que dentro do plano eterno, tudo está se movendo numa ordem cíclica.  Num ciclo eterno, näo se consegue determinar o que vem primeiro e o que vem depois, e assim, no plano da lila eterna, näo se consegue determinar se Krishna é antes de Rama ou Rama antes de Krishna.  Assim considerando isso também, como os nomes Krishna e Rama säo eternos e näo relacionados com qualquer evento histórico, poderemos começar o mantra de qualquer lugar.




RAMA SIGNIFICA KRISHNA

Porém acima destas consideraçöes, nossa sampradaya deu outra consideraçäo, mais elevada.  Uma compreensäo mais profunda irá revelar que o Hare Krishna mantra näo se refere a rama lila.  Dentro do nome Rama no Hare Krishna mantra, os Gaudiya Vaisnavas encontraräo Radha-ramana Rama.  Isso quer dizer:  "Krishna, que dá prazer (raman) a Srimati Radharani."  Na nossa concepçäo, o Hare Krishna mantra é indiscriminada consciência de Krishna, näo consciência de Rama.  A mais elevada concepçäo das coisas por Sri Chaitanya  é sempre svayam bhagavan, krishna lila, radha-govinda lila.  Esse é o propósito real do advento e ensinamentos de Sri Chaitanya Mahaprabhu.  Considerando isso, o Hare Krishna mantra näo menciona a rama lila de Ayodhya de jeito nenhum.  Näo há nenhuma conecçäo com isso na concepçäo do Hare Krishna mantra.

E a concepçäo interna do mantra é responsável por nossa realizaçäo espiritual.  Quando se pronuncia o nome de Rama, se a pessoa quer dizer Dasarathi Rama, sua atraçäo a levará até lá, para Ayodhya; se quer dizer Parasurama, será atraída para outro plano.  E se Rama significa Radha-ramana Rama, irá para Goloka.  A concepçäo interna do devoto o guiará para seu destino.

Meu nome original era Ramendra Chandra.  Quando recebi iniciaçäo, Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakura me deu o nome de Ramendra Sundara.  Perguntei-lhe:  "Qual o significado de Ramendra?"  Ele me disse:  "Nós consideramos que Rama näo significa Dasarathi Rama ou o Senhor Ramachandra, o filho do rei Dasaratha.  Significa Radha-ramana Rama - Krishna, o amante de Radharani."

O nome "Hare" também pode significar coisas diferentes conforme nossa concepçäo.  Que o significado da palavra Hare no mantra seja tomado como sendo Radharani também é determinado conforme o desenvolvimento espiritual ou qualificaçäo (adhikara) do cantor.  Quando se está firmemente estabelecido em conceber Radha-Krishna no fundo de tudo - quando se encontra svayam-rupa, a forma original de Deus, subjacente em todo tipo de concepçöes de todas coisas boas - só entäo é que se encontrará esse tipo de significado e nada mais.

Para principiantes, a palavra "Hare" no Hare Krishna Mantra pode ser concebida como significando Hari.  Isso é um significado.  Também poderá significar Nrsimhadeva.  E assim como "Rama" pode significar Dasarathi Rama, "Krishna" pode referir-se a diferentes tipos de Krishna.  Também há um Krishna em Vaikuntha, onde os vaibhavas ou expansöes do Senhor, totalizam vinte e quatro.  Em Vaikuntha, primeiro temos Narayana, e depois quatro expansöes:  Vasudeva, Shankarshana, Pradyumna e Aniruddha.  Cada um desses quatro tem cinco agentes, totalizando ao todo vinte e quatro.  Um desses é o Krishna de Vaikuntha.  E depois tem o Krishna de Dwaraka e o Krishna de Mathura.

Dessa maneira há várias concepçöes de Krishna.  Porém a concepçäo mais elevada de Krishna é Krishna em Vrndavana:  Radha-Govinda.  Quando näo se consegue sair desse plano, a pessoa conceberá a divindade apenas como Hari-Hara.  Näo verá nada mais a näo ser Radha-Krishna.  Aqueles que estäo completa e perfeitamente instalados em mathura-rasa - que possuem o tipo mais elevado de visäo - näo podem descer desse plano.  Se o fizerem, é somente no interesse de Radha-Govinda.  Nesse caso, o devoto pode ir a qualquer lugar, mas seu verdadeiro interesse está bem guardado a chave em Vrndavana.  Apenas pelo serviço de Radha-Govinda é que um devoto deixa Vrndavana.

Para aqueles que säo seguidores da linha de Vrndavana, "Hare" no
Hare Krishna mantra só pode significar Hara:  Srimati Radharani.  Hara significa "Radha, que até consegue capturar a atençäo de Krishna, Hari."  A palavra harana significa "roubar".  Quem consegue roubar a mente Daquele que é muito perito em roubar - que consegue roubar até a mente de Krishna - Ela é Hara.  Roubar em sua mais alta capacidade é demonstrado por Radharani.  E "Krishna" significa "Aquele que é muito atraente no sentido absoluto."  Ambos säo representados no mantra.

RUPANUGA MANTRA

Os seguidores da rupanuga sampradaya nunca podem ser desviar dessa consciência no seu cantar do maha-mantra.  E com essa concepçäo, eles continuam com o serviço de Hari-Hara, Radha-Krishna.  Eles se absorvem em radha dasyam.  Eles näo conseguem pensar em mais nada além disso.  E uma vez tendo alcançado plenamente esse plano, eles nunca podem descer desse nível, do interesse de Radha-Krishna.  Eles näo podem se permitir ficar fora desse círculo.

Essa é a posiçäo de nossa mais alta aspiraçäo, e conforme o adhikara ou qualificaçäo espiritual de um devoto, esse tipo de significado despertará na mente dele.  Será despertado, descoberto pelo sadhana.  Nessa ocasiäo a cobertura do coraçäo será removida e o amor divino brotará espontaneamente da fonte do coraçäo como a funçäo interna da alma.

                           *    *    *

Os Gaudiya Vaisnavas só conhecem Radharani.  Eles só se interessam por Ela, e Seus deveres, Suas necessidades.  Estäo prontos a serví-La em todas circunstâncias, e näo conseguem contemplar qualquer serviço sem Ela.  Essa é a mais alta realizaçäo dos Gaudiya Vaisnavas, esse é o caráter especial do partido de Mahaprabhu, e isso foi anunciado por Raghunatha Dasa Goswami.

                           *    *    *

Existe uma esperança que me sustenta e nutre minha existência.  E com essa esperança de algum modo estou passando meus dias.  Porém minha paciência chegou ao final.  Näo consigo aguentar mais.  Nesse momento se näo mostrares Tua graça para comigo, Sri Radha, vou perder minha perspectiva para sempre.  Näo terei nenhum desejo de continuar minha vida.

E Vrndavana, que me é mais querida até que minha própria vida - estou desgostoso com ela.  Sem falar de qualquer outra coisa, estou desgostoso até com Krishna.  É vergonhoso pronunciar palavras assim, mas näo consigo ter nenhum amor por Krishna a näo ser que, e até que Tu me leves para dentro de Teu acampamento confidencial de serviço.

                                   RAGHUNATH DAS

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                     O SERVIÇO DE SRI RADHA

Certa vez o Diwam de Bharatpur tinha vindo em peregrinaçäo com sua família ao mais sagrado dos locais, Sri Radha-kunda, o lago sagrado de Srimati Radharani.  Ele e sua família estavam circumambulando o Radha-kunda. Eles se jogavam de cara no chäo, prestando reverências deitados com os braços esticados.  A cada vez que prestavam reverências assim, marcavam o lugar com as pontas dos dedos que tocavam a terra.  Depois lentamente se levantavam, davam um passo à frente onde aquele lugar fora marcado, e novamente caíam duros, prestando reverências com grande respeito e adoraçäo.  Dessa maneira estavam circumambulando o Radha-kunda inteiro.  Ao ver tal adoraçäo intensa, Paramananda Prabhu, discípulo íntimo de nosso guru maharaja Srila Bhaktisiddhanta Saraswati Thakura, sugeriu a Prabhudapa que o Diwan e sua família deviam ter grande respeito por Radharani para circumambularem o Radha-kunda de tal modo.

Na ocasiäo, Prabhupada disse:  "O ângulo de visäo deles para com o Radha-kunda e Radharani é diferente do nosso.  Eles reconhecem e reverenciam Krishna.  E porque Radharani é a favorita de Krishna, eles também possuem alguma reverência pelo Radha-kunda.  Porém nossa visäo é justamente o oposto.  Nosso interesse é por Radharani.  E só porque Ela quer Krishna é que temos alguma conecçäo com Ele."

E assim, os Gaudiya Vaisnavas só conhecem Radharani.  O interesse deles é só por Ela, e Seus deveres, Suas necessidades.  Estäo prontos a serví-La em todas circunstâncias, e näo conseguem contemplar qualquer serviço sem Ela.  Essa é a mais alta realizaçäo dos Gaudiya Vaisnavas, esse é o caráter especial da partido de Mahaprabhu, e isso foi anunciado por Raghunatha Dasa Goswami em seu Vilapa-kushumanjali (102):
  
            ashabharair-amrta-sindhu-mayaih kathancit
              kalo mayatigamitah kila sampratam hi
           tvam cet krpam mayi vidhasyasi maiva kim me
              pranair vraje na ca varoru bakarinapi



Este verso é uma oraçäo direta a Radharani.  Expressa um determinado tipo de esperança que é täo doce e reconfortante que é comparada com um oceano ilimitado de néctar.  Ele diz:  "Existe uma esperança que me sustenta e nutre minha existência.  E com essa esperança de algum modo estou passando meus dias, arrastando minha vida por esses tempos entediantes.  Esse nectáreo oceano de esperança está me atraindo e mantendo vivo.  Porém minha paciência chegou ao final.  Näo consigo aguentar mais.  Näo consigo mais esperar.

Nesse momento se näo mostrares Tua graça para comigo, Sri Radha, vou perder minha perspectiva para sempre.  Näo terei nenhum desejo de continuar minha vida.  Será tudo inútil.  Sem Tua graça, näo suporto viver mais um momento.  E Vrndavana, que me é mais querida até que minha própria vida - estou desgostoso com ela.  É dolorosa; está sempre me apertando.  Sem falar de qualquer outra coisa, estou desgostoso até com Krishna.  É vergonhoso pronunciar palavras assim, mas näo consigo ter nenhum amor por Krishna a näo ser que, e até que Tu me leves para dentro de Teu campo confidencial de serviço."  Esta é a oraçäo de Raghunatha Dasa.

Quando Srila Bhaktisiddhanta Saraswati começava a explicar este verso, sua figura se transformava.  Ele ficava cheio de emoçäo; sua face se tornava como a de um fantasma.

Neste verso, Raghunatha Dasa Goswami, correndo risco extremo, diz:  "ó Radha, se eu näo receber Teu favor, näo quero nada.  Quero a Ti e somente a Ti.  Ter uma relaçäo independente com qualquer outra pessoa, eliminando-Te, é impossível em minha vida.  Tu deves ser a primeira, e depois os outros.  Sem Ti, nunca poderemos nem mesmo pensar numa relaçäo separada com Krishna."

Bhaktivedanta Swami Maharaja escreveu que sem a companhia de Radharani, Krishna näo é belo.  Tudo é relativo - dependente.  Um professor depende do estudante, e o estudante depende de seu professor.  Embora Krishna seja o desfrutador, Ele é completamente dependente da desfrutada, Srimati Radharani.  Ambos säo correlacionados; um näo pode ser separado do outro.  Como a desfrutada, Radharani também é absolutamente dependente de Krishna, o desfrutador.

Radharani diz:  "Meu destino está perdido para sempre porque Me dei, Me vendi a muitos lugares.  Quando ouvi a flauta, Me dediquei à cançäo da flauta.  Quando ouvi o nome de Krishna, Me dediquei para aquele som.  E quando vi uma linda pintura de Krishna, Me dediquei inteiramente àquele retrato.  Portanto Me vendi completamente em três lugares, sem nenhuma possibilidade de qualquer felicidade ou paz na Minha vida.  Se eu tivesse Me dedicado apenas a uma só coisa, poderia haver uma possibilidade de paz, porém porque Me dediquei em três diferentes lugares, näo tenho esperança.

Ao ver o retrato de Krishna, näo pude conter-Me.  Näo houve outro jeito senäo entregar-Me àquela bela figura, e assim dediquei-Me completamente.  O nome de Krishna também Me comprou totalmente.  E o doce som da flauta - isso também Me atraiu para o extremo da dedicaçäo.  Portanto, como posso esperar tranquilidade na Minha vida?  É impossível, Minhas amigas."  Radharani näo o sabia na época, mas a fonte da flauta de Krishna, Seu nome, e Sua beleza säo um só ser.  Se Ela pudesse ter percebido como todos três se encontram juntos, entäo teria sido possível para Ela ter a mente tranquila.  Mas é difícil entender esse princípio.

Como é que esse som da flauta de Krishna o som de Seu nome, e um retrato de Sua forma näo säo diferentes Dele?  Idealismo.  Nas palavras de Hegel, realismo ideal.  A idéia absoluta näo é para ser rejeitada como uma coisa abstrata; em vez disso, é a base de toda existência.  A realidade está ali, porém é realismo ideal.  E o fundamento da realidade de Vrndavana é dado por Nityananda, Baladeva:  "nitaiyer koruna habe, braje radha-krishna pabe, dharo nitai-carana du'khani.

Depois que Bhaktivinoda Thakura descreve a posiçäo de Radharani em seu Sharanagati, diz:  "Quero servir aqueles que possuem o serviço de Radharani em seu coraçäo.  Quero servir a poeira dos pés daqueles cuja única fortuna é o serviço de Sri Radha.  Quero cair diante deles e tomar a poeira de seus santos pés.  Se näo puderes fixar tua mente no serviço de Radharani, entäo todas tuas tentativas de servir Krishna säo inúteis.  Se näo conseguires ter sinceridade no serviço de Srimati Radharani, entäo todo teu trabalho para Krishna foi para o inferno."  Näo conseguimos conceber um sol sem calor, nem conseguimos conceber Deus sem Sua potência.  Assim também, nenhuma concepçäo de Krishna é possível sem Srimati Radharani.  Näo podemos conhecer qualquer Madhava sem Radha.

Ela é a outra metade de Krishna - na linguagem de Srila Bhaktisiddhanta, a metade predominada.  O serviço devocional como um todo é representado por Ela, porque tanto a intensidade e a amplitude de Seu serviço a Krishna säo sem paralelo.  Existem tantos exemplos de donzelas castas e piedosas na antiga história dos Puranas:  Saci, a fiel esposa de Indra; Sati, a esposa do Senhor Shiva; Laksmidevi, deusa da fortuna; Satyabhama, esposa de Krishna em Dwaraka; Rukmini, principal rainha de Krishna em Dwaraka; e mesmo as antagonistas de Radharani, lideradas por Chandravali.  Todas elas representam diferentes aspectos de Radharani.  Todas surgem da potência principal conhecida como Radha.

O nome Radha vem da palavra aradhana:  pessoa que pode servir, que pode adorar, que pode oferecer respeito, que realmente ama Krishna, que pode prestar-Lhe serviço amoroso.  Todas essas outras donzelas que säo famosas por sua castidade e piedade näo passam de representaçöes parciais de Radharani.  Se notarmos as escrituras e examinarmos atentamente a posiçäo dessas damas virtuosas, descobriremos que a fonte de toda sua castidade e devoçäo é Srimati Radharani.  Ela é a origem da devoçäo.  E assim Bhaktivinoda diz:  "Curvo-me e tomo a poeira dos santos pés daqueles cuja única fortuna é o serviço de Radharani. Näo anseio por nada mais."  Quem quer que saiba disso e sempre viajar por esse caminho com um coraçäo sincero é muito afortunado.

É o ideal que nos torna grandes, näo alguma posse material.  Quem tem o mais elevado ideal é realmente afortunado.  O mais elevado ideal é a coisa mais valiosa que podemos possuir.  E coisas menos valiosas devem ser eliminadas se for para concentrarmos nossos esforços e salvar-nos de empenho inútil.  Chaitanya Mahaprabhu veio para nos mostrar o ideal mais elevado - a senda do amor divino.  E encontramos amor divino por Deus na sua intensidade mais alta na vida Dele e ensinamentos do Srimad-Bhagavatam.  Todo o Srimad-Bhagavatam destina-se a ilustrar o ideal do amor divino que alcança sua mais elevada expressäo em Srimati Radharani.

O Srimad-Bhagavatam canta mui gloriosamente sobre o relacionamento de amantes de Radha e Krishna.  Os Vedas e outros Puranas näo säo täo expressivos sobre tais passatempos confidenciais, contudo encontramos uma sugestäo das glórias de Radha e Krishna no Srimad-Bhagavatam.  E os Goswamis expressaram mais plenamente a devoçäo de Radharani em seus escritos.  No Padyavali de Rupa Goswami, encontramo-La dizendo:  "Meu Senhor, as pessoas dizem que tenho má reputaçäo por causa da Minha conecçäo Contigo.  Näo sinto nenhum problema em Meu coraçäo por causa disso.  Minha preocupaçäo é porque näo pude entregar-Me a Ti completamente.  As pessoas em geral dizem que estou ilicitamente conectada Contigo, mas o que Me perturba é que näo pude realmente Me entregar a Ti.  Sinto que näo sou digna de Teu serviço. Só isso é que é problema em Meu coraçäo."

E o êxtase do amor divino aumenta na separaçäo. Um dia, quando Krishna estava brincando com Seus amigos vaqueirinhos nas terras pastoris de Vrndavana, Krishna repentinamente sentiu extrema separaçäo de Radharani. Enviou seu melhor amigo Subala a Radharani, dizendo:  "Vá até Minha Radha e traga-A.  Sem Ela, näo posso viver.  De repente estou com tanto desejo pela companhia Dela, que näo consigo mais aguentar.  De alguma maneira consiga trazê-La."  Subala disse:  "Como é possível trazê-la aqui para  a selva em plena luz do dia?"  Krishna falou para ele:  "De alguma maneira consiga-o."

Subala pensou:  "Que devo fazer?"  Subala era mui intimamente conectado com a família do marido de Radharani.  Foi até a casa de Radharani e disse para as amigas dela:  "Krishna näo consegue mais tolerar a separaçäo de Radharanai.  Ele está täo ansioso por encontrar-Se com Ela que está ficando louco.  De algum jeito façam um arranjo para que Se encontrem."

"Como seria possível?" as gopis perguntaram.  Subala explicou-lhes que Krishna estava ali perto na selva.  Discutiram entre si o que fazer.  Subala era um belo jovem que parecia com Radharani.  Assim Subala botou as vestes de Radharani e Ela vestiu-se com a roupa de vaqueirinho de Subala.

Quando Radharani foi descoberta usando a roupa de Subala, Ela foi intimada pelos membros de Sua família:  "Subala!  Que estás fazendo aqui?"  Nas roupas de Subala, Radharani disse:  "Está faltando um bezerro e a mäe dele está mugindo.  Assim vim até aqui para procurar o bezerro."  Portanto deram um bezerro para Radharani, e Ela carregou esse pequeno bezerro sobre Seu peito para dentro da floresta.  Dessa maneira, Radharani foi disfarçada de Subala, enquanto Subala, que vestira a roupa de Radharani, permanecia no quarto Dela.

Radharani havia recebido uma idéia de onde Krishna estava Se escondendo próximo à beira da floresta.  Ela foi procurá-Lo.  Afinal, quando Radharani viu Krishna, aproximou-Se Dele na roupa de Subala.  Krishna estava louco.  Näo podia detectar que Radharani tinha vindo, e sim confundiu-A com Subala.  Disse:  "Oh, Subala, voltaste sem Radharani!  Näo conseguiste trazê-La?"

Radharani começou a gracejar:  "Näo" disse Ela, "Foi impossível para mim trazê-La durante o dia."  Krishna disse:  "Entäo o que devo fazer? Näo posso mais tolerar Minha vida."  Radharani disse:  "Se me mandares, posso ir até Chandravali e trazê-la."  "Näo, näo" disse Krishna, "Coalho näo pode satisfazer uma sede por leite.  Näo é possível!"  Krishna estava abatido pelo desapontamento.  Entäo Radharani abraçou-O, dizendo:  "Meu Senhor, näo consegues reconher Tua serva?  Falhaste em Me reconhecer!"  Entäo Krishna novamente ficou cheio de júbilo.

Embora os passatempos de Radha e Govinda sejam mencionados nas escrituras, tudo isso säo coisas muito elevadas.  Näo säo para se expressar comumente em palavras, mas ainda assim às vezes somos forçados a falar sobre isso porque o elevado ideal de amor divino dado pelo Srimad-Bhagavatam é a meta suprema da vida.  É claro, a erudiçäo de Sukadeva Goswami e Sri Gauranga Mahaprabhu ajudaram, até certo ponto, a estabelecer a dignidade da proposta de que o amor está acima do conhecimento.  Foi admitido por todos que Sukadeva obteve a mais alta realizaçäo dos eruditos no conhecimento; ele foi admitido por unanimidade dos sábios para ficar na posiçäo mais alta.  Por causa disso, quando Sukadeva Goswami veio inaugurar o princípio de que o amor divino está acima de tudo o mais, os sábios tiveram que prestar atençäo.  Chaitanya Mahaprabhu demonstrou para os sábios que Sua inteligência e erudiçäo excediam a de todo mundo.  Assim quando Ele chegou com as novas sobre o amor divino, foi mais fácil para homens comuns aceitar isso como o ideal mais elevado e tentar alcançá-lo.

Assim Vasudeva Ghosh diz:  yadi gaura na ha'te tabe ki haita kemane dharitam de.  Se Mahaprabhu näo tivesse aparecido nesta Kali-yuga, entäo como poderíamos tolerar viver?  Como poderíamos manter nossas vidas?  O que Ele deu - a própria essência da vida, o próprio sabor, o encanto da vida - sem isso, achamos ser impossível para qualquer pessoa viver neste mundo.  Isso foi inventado, descoberto por Gauranga.  Se Ele näo tivesse vindo, entäo como poderíamos viver?  É impossível viver destituído de algo täo sagrado e agradável como o amor divino.  Sem Chaitanya Mahaprabhu, como poderíamos saber que Radharani permanece suprema no mundo do amor divino?  Recebemos todas estas coisas Dele, e agora pensamos que a vida vale a pena viver.  Senäo viver seria suicida.

E servir aqueles que conseguem servir Radharani é o meio de aproximar-se das vizinhanças Dela.  Por servir os servos dos servos, nos é assegurado o sucesso em conseguir a graça de Krishna.  Se de alguma maneira pudermos ser incluídos no grupo dos servos de Srimati Radharani, nosso futuro está assegurado.

Dentro do grupo dos servidores de Radharani, aspiramos a ser rupanugas, seguidores de Sri Rupa.  E os seguidores de Sri Rupa teräo grande sinceridade ao aterem-se às ordens de Sri Rupa, assim como ele faz com Lalita.  Desse modo, através de Rupa Goswami, nosso serviço devocional está indo até o plano mais elevado.  E nosso mais elevado benefício só está lá.  Nem mesmo nossa conecçäo com Radharani ou Lalitadevi é a mais elevada meta da vida, mas nossa aspiraçäo mais alta é servir na Rupanuga-sampradaya; isso quer dizer que nossa mais elevada realizaçäo é na conecçäo de Sri Rupa.

Radha-dasyam tem sido mencionado como a mais alta realizaçäo.  Por quê?  A qualidade e a quantidade de rasa que Radharani pode extrair de Krishna nunca pode ser encontrada em nada mais.  Portanto se nos situamos logo atrás de Radharani, teremos permissäo de provar näo só da quantidade, mas também da qualidade mais elevada de rasa.

Nenhuma outra pessoa consegue extrair tanta rasa de Krishna.  O tipo mais pleno, mais elevado de qualidade é extraído de Krishna:  Ele Se dá total e inteira e profundamente.  Portanto se estivermos no grupo de Sri Rupa, entäo poderemos receber um gostinho desse tipo de rasa.

No acampamento de Radharani, quando Krishna e Radha estäo desfrutando de passatempos mui solitários num local ermo, as sakhis crescidinhas näo podem se aventurar a entrar no aposento e assistí-Los.  As jovens meninas, as manjaris, säo enviadas.  A líder desse jovem grupo pode entrar onde ambos, Radha e Govinda, estäo mui intimamente conectados, quando até mesmo as sakhis näo se aventuram a ir, por temor de causar alguma interrupçäo.  Porém Rupa e as manjaris podem entrar ali naquela hora devido à sua tenra idade.  Esse tipo de rasa que näo pode ser obtida nem mesmo através das sakhis só pode ser obtido através das manjaris.

Bhaktivinoda Thakura ora para obter admissäo lá.  Ele tem uma qualidade de aspiraçäo täo elevada.  Ele diz:  rupanuga hoite sei doy.  Ele corre para se alistar no grupo de Rupa, que pode nos conceder esse tipo de perspectiva futura.  E Prabhodananda Saraswati descreveu o pré-requisito para se entender todas essas coisas:

                  yatha yatha gaura padaravinde
                vindeta bhaktim krta punya-rashih
                tatha tathotsarpati hrdy akasmat
                radha padambhoja sudhambhurashih

"Quanto mais te renderes ao pés de lótus de Sri Gauranga, achar-te-ás seguramente situado no serviço de Radha-Govinda.  Näo tentem se aproximar de Radha-Govinda diretamente; se o fizerem, poderá haver alguma dificuldade.  Porém os pés de lótus de Sri Gauranga os levaräo até lá seguramente."

Em meu poema sânscrito dedicado a Bhaktivinoda Thakura, expliquei todos esses pontos:

                sri-gauranumatam svarupa-viditam
                        rupagrajenadrtam
              rupadyaih pariveshitam raghu-ganair-
                        asvaditam sevitam
              jivadyair abhirakshitam shuka-shiva-
                       brahmadi sammanitam
                 sri-radha-pada-sevanamrtam aho
                      tad datum isho bhavan

"O que foi sancionado por Sri Chaitanya Mahaprabhu através de Seu advento era conhecido intimamente apenas por Sri Svarupa Damodara Goswami.  Foi adorado por Sanatana Goswami e servido por Rupa Goswami e seus seguidores.

Raghunatha Dasa Goswami provou plenamente dessa coisa maravilhosa e realçou-a com sua própria realizaçäo.  E Jiva Goswami apoiou e protegeu-a com sua própria realizaçäo.  O sabor dessa verdade divina é a aspiraçäo de Brahma, Shiva e Uddhava, que a respeitam como a meta suprema da vida.  Qual é essa maravilhosa verdade?  Sri-radha-pada-sevana:  que o mais alto néctar de nossa vida é o serviço de Srimati Radharani.  Isso é muito maravilhoso.  ó Bhaktivinoda Thakura, és nosso mestre.  Está em teu poder permitir que concedam sua graça a nós.  Estás numa posiçäo para conceder a mais elevada dádiva jamais conhecida pelo mundo a todos nós.  Está à tua disposiçäo.  ó Bhaktivinoda Thakura, por favor seja bondoso para conosco e conceda-nos tua misericórdia."

Assim Sri Chaitanya Mahaprabhu, nosso mais benevolente Senhor, veio para procurar por Seus servos há muito perdidos e para dar-lhes esse mais elevado ideal do amor divino.


                         GAURA HARI BOL!

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