BENÇÃOS E TRANSIÇÕES
Por Gurudeva Atulananda Acharya
Bençãos e transições são um tema muito
importante. Na verdade, para nós o fundamental são as bençãos ao devoto, ao bakhta. Vejam que tudo são
bençãos; este próprio corpo humano que temos é a nossa maior benção. Com ele
podemos dar início à nossa viagem à trascendência, em direção ao realmente
necessário. O que é fundamental para nós é que somente através do corpo humano
podemos obter a verdadeira satisfação de nossas necessidades: necessidades de
paz, de conhecimento, de felicidade, de amor. Este corpo humano vem plenamente
equipado para que nós possamos alcançar essas metas, que são as verdadeiras
metas. Portanto, já contamos com a maior das bençãos, este corpo.
Nós mesmos não poderíamos fabricar este corpo;
ele nos foi dado por uma enorme graça. Mas para alcançar o estado de perfeição,
vamos passar por muitas etapas, muitas transições. Quando digo receber uma
benção, quero dizer este corpo. Porém, para que possamos receber este corpo, a
suprema benção, isso é prema, o amor divino, o amor puro por Deus. Para chegar
a essa suprema benção, passamos por diversas transições. Antes de mais nada, o
ser humano se dá conta de que este não é seu verdadeiro lugar, que este não é
seu verdadeiro lar; se dá conta de que você não pode ter verdadeira felicidade,
ter paz; e não só vai se dar conta disso mas também não vai se contentar com
isso, com ter uma felicidade transitória e toda uma situação continuamente
instável.
Muitas pessoas sabem isso mas não fazem nada
para consertar esa situação; simplesmente se conforman; mas quando você tem uma
consciência mais desenvolvida já não pode se conformar com as condições deste
mundo. Como dizem os Vedas, elas são “padam padam jaktibada”: neste
mundo a cada passo há perigo; é como estar vivendo em um terreno minado. Quem
quer viver num terreno minado? E é assim realmente: quanta gente que já perdeu partes do próprio
corpo, ou que tem uma doença muito grave, ou que perde todo seu dinheiro?
Vivemos em terrenos minados; então o primeiro passo, a primeira transição vai ser “quero deixar este mundo! tem
que haver algo superior, tem que haver algo melhor!”. É aí que nasce em nós uma
fé superior, e neste caso a fé se podería definir como esperança, esperança de
algo superior: “tem que haver algo melhor!” É assim, com esse tipo de
esperança, que nos aproximamos das pessoas santas, como descreveu o santo e
sábio Rupaswami. Ele disse que a princípio haverá uma intuição, um
pressentimento de que tem que haver algo superior, uma fé em algo superior, “e
portanto vou procurar as personas santas, os sadhus”; porque os sadhus sempre estão falando desse tema, eles
insistem: sim, existe algo superior! É como o geólogo; o geólogo pode dizer
“aqui embaixo tem ouro”; a pessoa que não tem esse conhecimento não sabe,
somente vê terra; mas quem tem conhecimento vai afirmar “aqui tem ouro, e se
alguém fizer o esforço, se cavar, vai extrair o ouro”.
Da mesma maneira, as pessoas santas estão
dizendo “em seu interior há felicidade, há sabedoria, há eternidade, há paz, há
tudo”. Eu então encontro riquezas no que essas pessoas santas creem e se
interiorizam para encontrar. Quem despertou a fé superior vai buscar essas
pessoas santas que vão levá-lo a essa riqueza. Isso se chama sadhusanga,
associação com o sadhu. Os sadhus são as pessoas santas que vão a kriya; ir a
kriya significa ir ocupar-se em serviço, na prática do serviço ao Supremo: na
oração, na meditação, na dedicação. Isso nos vai conectar à consciêndia de
Krishna, porque até agora não éramos conscientes de Krishna; somente éramos
conscientes do nosso corpo, dos nossos desejos, nossos prazeres. Mas agora os
santos nos comunicam, nos relacionam com a alma, com o espírito, com a
consciência e já deixamos de lado a matéria, o átomo, o inconsciente, e nos
analisamos nós mesmos: o que queremos, quais são as nossas aspirações, nossas
necessidades mais profundas; é aí que começamos: vamos à adoração. Minha
necessidade primordial é o amor e o êxtase, a relação com o Supremo.
Quando começamos essa prática espiritual, então
aparece a imperfeição, o que eu tenho que corrigir, o que eu tenho que
eliminar. Da mesma forma o médico vai buscar a doença, a imperfeição que existe
dentro de mim, e quando essa imperfeição é curada, é eliminada, aí aparece a
saúde. É isto o que acontece quando começo meu processo espiritual, minha
prática espiritual: minhas imperfeições vão aparecer. Esse é um longo caminho,
um caminho duro, exigente, às vezes azedo, às vezes tedioso. Mas é então que
minha paciência vai ser testada; que minha determinação, minha seriedade, minha
fidelidade serão medidas; minha vontade, minha lealdade, minha compreensão,
minha perseverança serão testados.
Muitas qualidades, muitos atributos serão
necessários para poder enfrentar essa etapa que é fundamental, porque é a
partir da eliminação das nossas imperfeições que começa tudo o que é positivo.
Aí você compreende que é sozinho que se vai para cima. Por isso se diz que
depois de cada etapa de limpeza do coração, de eliminação de nossas impurezas,
vem um estado de firmeza, nista; são as nossas imperfeições que nos
fazem tropeçar, que nos fazem duvidar, que nos desanimam, nos tiram energia,
nos dão medo, nos deixam impacientes, sem vontade, sem esperança, nos fazem
adoecer. Essas nossas imperfeições são as anartas, as coisas
indesejáveis que temos dentro de nós.
Se em nosso coração só existisse o positivo, o
que é desejável, então em nosso coração só encontraríamos uma profunda vontade
de servir a Krishna, um profundo e intenso desejo de servir: lopa,
avidez de servir a Krishna, de nos entregarmos a Krishna. Tão firme como o
monte Himalaia, a pessoa que alcança nista não pode sair dessa posição,
não será removida daí; ela se manterá firme, como a ave chacora. Essa
ave só bebe a água que cai do céu, ela nunca desce à terra para beber água de
algum charco, e, como explica Srila Maharaj, a ave chacora, quando se
volta para cima para beber água, sabe que da nuvem também às vezes caem raios;
mas ela não se importa se cair água ou cair um raio; contanto que venha de
cima, tudo está bem; isso é nista! Só viver do que vem de cima, ou seja,
da vontade do Senhor; esse é um tipo de pureza muito grande.
Por exemplo, o senhor Jesus Cristo: ele sabia
que ia morrer, este ia ser o resultado do seu sacrifício, de sua pregação; o
resultado final era a sua própria morte, e mesmo assim ele continuou pregando;
mesmo assim ele não se separou de sua vontade de servir ao seu Senhor; isto se
chama nista! Ele sabia que um raio ia cair da nuvem, mas seguiu olhando
somente para cima, esperando somente o que viesse de cima. Esse tipo de pureza,
esse tipo de determinação se alcança quando se tem o coração puríssimo.
“Faça-se a Tua vontade”, assim se pode resumir nista; essa expressão tão
simples diz praticamente tudo, a essência, o fundamental do processo de bhakti.
Rendo-me completamente a Ti, me ponho completamente à Tua disposição, porque
tudo o que fazes é bom, tudo o que fazes é correto.
Quando alguém chega a essa posição de nista
começa a receber uma graça
especial que vem de cima: ruci, o prazer. É aí que o devoto começa a
sentir verdadeira felicidade espiritual. Óbvio que desde o princípio você
começa a sentir felicidade, desde que começa a se associar com pessoas santas,
desde que começa suas práticas, desde que começa a por freio em suas
imperfeições. Todo esse tipo de disciplina, de conduta de luta, é continuamente
premiado, dá uma contínua satisfação. Mas essa satisfação vai aumentando.
Depois de nista vem ruci, e depois de ruci vem ashakti.
Ruci significa uma alegria espiritual, um agrado, um encanto espiritual,
e ashakti significa um grande apego ao Senhor, um grande apego a tudo
que lhe agrada. Minha vontade e meu interesse vão cada vez mais em direção do
Senhor. E depois vem baba, emoções extáticas. Os sintomas de amor
extáticos são arrepio da pele, tremores, lágrimas, calafrios, empalidecimento,
e alguns outros sintomas até chegar ao desmaio. Isso se chama baba,
sintomas de amor extático. Finalmente vem prema, o amor divino, que é a
meta do amor divino, o amor por Deus.
Tudo isso vamos recebendo por graça, por
benção. Mas isso é um caminho longo. Desde que você desperta da realidade deste
mundo e se dá conta de que aqui não existe felicidade, daí até chegar a prema
é uma viagem longa. Por isso damos uma pequena fuga em nista. Nosso
primeiro objetivo como devotos é chegar a um estado de firmeza, desenvolver um
apego ou gosto pelo processo, pela prática de bhakti, e depois vamos nos
apegar à finalidade de bhakti. Primeiro a prática, isso se chama sadhana,
e depois vamos nos apegar ao fim do bhakti, que se chama sadhi.
Primeiro o devoto quer sentir um apego, um gosto pelo canto do Santo Nome, pelo
serviço, pela leitura, por escutar, recordar e falar de Krishna. Então depois
que o gosto por todas essas coisas está bem assentado, bem profundo,
naturalmente o devoto vai despertar seu gosto pela meta do processo, por prema.
Todas essas bençãos nós vamos ganhando através
do esforço. E como vamos passar todas essas etapas e como vamos receber mais e
mais bençãos? Vamos receber essas bençãos praticamente de forma automática: se
obedecemos ao guru, seguimos a disciplina do sadhana, se respeitamos os
devotos, os vaisnavas, se nunca os ofendemos, se na verdade nunca ofendemos
ninguém ou nenhuna entidade viva, se cultivamos ao máximo a humildade; dessa
maneira vamos receber as bençãos.
Na verdade, aquele que recebe bençãos é aquele
que pede as bençãos. As bençãos estão sempre aí, à nossa disposição. Mas por
causa do nosso orgulho nós não as pedimos, pensamos que nós sózinhos vamos dar
conta de consertar o mundo, de consertar nossas vidas. Mas quando percebemos
que não é assim, então nos tornamos humildes e pedimos ajuda. Através da
oração, através do serviço, através da humildade você pede ajuda. Você pede
ajuda também na forma de agradecimento. Sempre que vemos que nossas orações
foram atendidas, que fomos abençoados, temos que agradecer profundamente. As
bençãos chovem sobre a alma agradecida, sobre a pessoa agradecida. Diz-se que
aquele que está sempre insatisfeito perde as bençãos; então é muito importante
estar sempre em um estado de contínuo agradecimento e de contínua satisfação.
Dessa maneira vamos ser mais abençoados.
Mas não conseguiríamos passar por todas aquelas
etapas sozinhos. Não conseguiríamos cruzar a nado o oceano, necessitamos alguma
embarcação. Mas quando estamos nessa embarcação temos que ir manejando o barco,
navegando; não podemos ficar sentados sem fazer nada, temos de fazer algo de
nossa parte para que a embarcação consiga cruzar o oceano. Assim como diz o
ditado popular em espanhol “a Deus rogando mas com o martelo dando”, rogamos ao
Senhor Supremo todas as manhãs e durante o dia tratamos de fazer muito serviço,
para dessa maneira estarmos sempre abençoados e poder chegar a essa grande meta
do prema, o amor divino, o amor por Deus, no qual vamos estar eternamente e
alegremente ocupados em seu serviço amoroso. Hare Krishna.