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Por que Krishna Aparece como Jagannatha?
Narada Rishi Dasa
Em
uma forma encantadora e sorridente, o Senhor Krishna é adorado por Seus
devotos como Jagannatha, o Senhor do Universo. Conheça a origem dessa
forma e o seu significado esotérico.
Nasci em uma conservadora família
vaishnava
em Puri, na costa leste da Índia. O Supremo Senhor Jagannatha e Seus
devotos estavam no centro de minha vida. Quando criança, eu brincava com
bonecos de Jagannatha, Baladeva (Balarama)
e Subhadra, as deidades do famoso templo de Puri. Eu ainda me lembro de
como minha mãe me dava enormes pratos de
jagannatha-prasada
e dizia para eu sempre me lembrar do Senhor. Eu via como as simples e
devotadas pessoas de Orissa – mesmo doutores, engenheiros ou cientistas –
nunca negligenciavam a adoração
ao Senhor Jagannatha. Eu via como o rei de Puri se tornava um servo
humilde e varria as ruas para o carro do Senhor Jagannatha desfilar no
anual Ratha-yatra, o festival de carruagens.
O
Senhor Jagannatha talvez pareça peculiar ou estranho aos olhos
ocidentais, mas Ele é a vida e alma do povo de Orissa. Embora eu tenha
ido ao festival de Ratha-yatra várias vezes durante minha juventude,
foi quando eu me encontrei com os devotos da ISKCON que minha devoção
pelo Senhor Jagannatha se tornou intensa.
Agora,
o Senhor Jagannatha é adorado em vários templos da ISKCON ao redor do
mundo, e eu, já mais maduro, posso percebê-lO como a pessoa
mais misericordiosa e encantadora, que releva as ofensas de Seus
devotos e os atrai dia após dia ao longo do caminho do serviço
devocional.
Jagannatha
significa
“Senhor do Universo”. Vários livros védicos mencionam que o Senhor
Jagannatha é Krishna. Baladeva é Seu irmão, e Subhadra, Sua irmã.
Embora
Krishna seja absoluto e transcendental à natureza material, Ele, para
aceitar o serviço amoroso de Seus devotos, aparece perante
nós como a Deidade no templo feita de pedra, metal, madeira ou pintura.
Jagannatha é uma forma de Krishna manifestada em madeira.
Porque
o Senhor Jagannatha não se parece com Krishna, as pessoas talvez
especulem: “Como Ele pode ser Krishna?”. As escrituras contam
a história por trás da peculiar forma de Jagannatha.
O Advento Transcendental do Senhor Jagannatha
O
Skanda Purana relata
os esforços do rei Indradyumna para encontrar uma Deidade de Krishna
após sonhar com uma bela deidade azul chamada Nila Madhava. O nome
descreve a cor de safira da deidade:
Nila significa
azul, e Madhavaé um dos nomes de Krishna. O rei Indradyumna enviou
mensageiros em todas as direções para encontrar Nila Madhava, e um
brahmana de nome Vidyapati retornou com sucesso. Ele descobriu que em Vishvavasu, uma fazenda de porcos (savara)
em uma remota vila
tribal, estava-se adorando secretamente Nila Madhava. Quando Vidyapati
retornou ao local com Indradyumna mais tarde, entretanto, Nila Madhava
não estava mais ali.
O
rei Indradyumna cercou toda a vila com seus soldados e prendeu
Vishvavasu, ao que uma voz vinda do céu proclamou: “Deixe os criadores
de porcos e construa um grande templo para Mim no topo da colina Nila.
Lá, você me verá não como Nila Madhava, mas em uma forma feita de
madeira de Nim”.
Nila Madhava prometeu aparecer como madeira
(daru), e por isso Ele é chamado de
daru-brahma (“madeira-espírito”).
Indradyumna esperava à beira mar, quando o Senhor apareceu como uma
gigante tora boiando para dentro da praia.
Disfarçado
como um senhor de idade, Vishvakarma, o arquiteto dos semideuses,
apareceu para esculpir as deidades sob a condição de que
só o faria se pudesse ficar por vinte e um dias sem ser perturbado em
seu serviço. O rei Indradyumna consentiu, e o artista trabalhou a portas
cerradas. Antes do período estipulado se esgotar, todavia, o barulho
havia parado, e a intensa curiosidade do rei
Indradyumna levou-o a abrir a porta. Vishvakarma havia desaparecido. Na
sala, as deidades de Jagannatha, Baladeva e Subhadra pareciam como se
inacabadas – sem mãos ou pés – e Indradyumna ficou extremamente
perturbado pensando que havia ofendido o Senhor.
Naquela
noite, o Senhor Jagannatha falou ao rei durante um sonho e o
tranquilizou explicando que Ele estava se revelando naquela forma
através de Seu próprio desejo inconcebível a fim de mostrar ao mundo
que Ele pode aceitar oferendas sem mãos, e se mover sem pés.
O
Senhor Jagannatha disse ao rei: “Certamente Minhas mãos e pés são o
ornamento de todos os ornamentos, mas, para sua satisfação, você
pode Me dar mãos e pés de ouro e prata de tempos em tempos”.
Os
devotos hoje adoram a mesma forma “inacabada” de Jagannatha, Baladeva e
Subhadra em Puri e em templos ao redor do mundo. Essas formas
são parte de Seus eternos passatempos.
Transformados pelas Narrações de Rohini
O
Utkala-khanda do
Skanda Purana traz
outro relato em relação ao aparecimento de Krishna como Jagannatha.
(Utkala é um nome tradicional para Orissa.) Certa vez, durante um
eclipse solar, Krishna, Balarama, Subhadra e
outros residentes de Dwaraka foram se banhar em um lago sagrado em
Kurukshetra. Sabendo que Krishna estaria presente no local de
peregrinação, Srimati Radharani, os pais de Krishna, Nanda e Yashoda, e
outros residentes de Vrindavana, que estavam queimando
no fogo da saudade do Senhor, foram até lá para se encontrarem com Ele.
Dentro de uma das várias barracas que os peregrinos haviam levantado em
Kurukshetra, Rohini, mãe do Senhor Balarama, narrava os passatempos de
Krishna em Vrindavana para as rainhas de
Dwaraka e outros.
É dito que os moradores de Dwaraka estão no humor de opulência (aishvarya),
e que eles adoram Krishna como o Senhor Supremo. Os residentes de Vrindavana, em contraste, estão no humor de doçura (madhurya)
e têm uma relação confidencial com Krishna que transpassa a ideia
de contemplação e reverência por ser baseada em amizade e amor. As
histórias contadas por Rohini eram extremamente confidencias, então ela
pediu que Subhadra ficasse à porta para que ninguém ouvisse por acaso.
Krishna
e Balarama foram também até a porta e cada um ficou de um lado de
Subhadra. Enquanto ouviam as narrações de Rohini acerca dos
passatempos íntimos de Krishna em Vrindavana, Krishna e Balarama Se
tornaram extáticos, e Seus sentimentos internos se manifestaram
externamente. Seus olhos dilataram, Suas cabeças se comprimiram junto ao
corpo e Seus membros se recolheram. Vendo essas transformações
em Krishna e Balarama, Subhadra também entrou em êxtase e assumiu uma
forma similar. Assim, por ouvirem acerca dos passatempos de Krishna em
Vrindavana, Krishna e Balarama, com Subhadra no meio, exibiram suas
formas extáticas de Jagannatha, Baladeva e Subhadra.
O Êxtase Máximo do Senhor
De acordo com o
Skanda Purana, o
Jyeshtha-purnima, o dia de Lua cheia do mês de maio-junho, é o
aniversário do Senhor Jagannatha. Jagannatha
é Krishna, mas o aniversário de Krishna é o Janmastami, no mês de
Bhadra (agosto-setembro). Esta aparente contradição é solucionada se
entendermos que o Jyeshtha-purnima é o momento quando Krishna aparece na
forma do Senhor Jagannatha, com grandes olhos dilatados
e membros reduzidos. Essa forma é conhecida como mahabhava-prakasha,
a forma extática de Krishna.
Mahabhava significa “o êxtase máximo”, e
prakasha significa “manifestação”, logo o Senhor Jagannatha é literalmente a forma do Senhor em êxtase.
O poema
Mahabhava Prakasha de
um poeta de Orissa chamado Kanai Khuntia descreve o significado
confidencial por trás da forma de Jagannatha: Ele é a corporificação do
sentimento de saudades que Krishna sente
em relação aos residentes de Vrindavana, especialmente de Radha e das gopis.
As escrituras explicam que o intenso êxtase espiritual, particularmente
neste humor de separação da pessoa amada, produz
transformações no corpo. Uma vez que Krishna não é diferente de Seu
corpo, Seus sentimentos mais internos manifestaram-se externamente, e
Ele assumiu a forma de Jagannatha.
O êxtase
mahabhava
é comparado a um oceano. No passatempo com o rei Indradyumna, um
gigantesco tronco boiava no oceano. Similarmente, as formas de
Jagannatha, Balarama e Subhadra boiam no oceano de
mahabhava.
Quando
o sábio Narada viu Krishna transformado em Jagannatha, ele orou para
que o Senhor aparecesse naquela forma novamente. Embora o
Senhor não tenha nenhuma obrigação para com ninguém, Ele reciproca Seus
devotos satisfazendo seus desejos. Na
Garga-samhita (1.27.4),Krishna
afirma: “Eu sou plenamente completo – todas as epopeias estão em Mim.
E, mesmo assim, Eu Me rendo aos desejos de Meu devoto e apareço em
qualquer forma que ele queira”.
Assim, da mesma forma que Krishna aparece como Nila Madhava para
satisfazer Vishvavasu, Ele aparece sob a forma da Deidade de Jagannatha e
reside em Jagannatha Puri para satisfazer o desejo de Narada Muni.
Essa
forma especial de Krishna também é conhecida como Patita Pavana, “o
salvador dos caídos”, e todo aquele que tem Sua audiência com
a devida consciência é presenteado com a libertação espiritual.
Jagannatha como o Krishna de Vrindavana
Embora
Jagannatha seja comumente identificado como o Krishna de Dwaraka, no
humor de opulência, Sua real – e confidencial – identidade
é como o Krishna de Vrindavana, o amante de Radharani. O Jagannatha-chaitanyam
afirma: “Radha permanece no coração do Senhor Jagannatha, e Krishna no coração de Radha”.
Krishna
é famoso por Seus relacionamentos, especialmente com os residentes de
Vrindavana, e os devotos às vezes se referem ao Senhor
Jagannatha nesse humor. Jagannatha é considerado o consorte de
Radharani, que Se associa com Krishna unicamente em Seu humor de
Vrindavana. O êxtase resultante do amor de Krishna por Radharani é a
causa de Sua transformação na forma de Jagannatha.
O poeta de Orissa, Banamali, canta: “Ó Jagannatha, amado filho de criação de Yashodadevi, Sua Radha é como o passarinho
chataka, que bebe apenas as puras gotas de chuva, e Você chove com muita graça”.
Em Vrindavana, Krishna assume a graciosa forma com três curvas corporais
(tribanga-lalita) e usa uma pena de pavão e toca Sua flauta. O
Jagannathashtaka (verso
2) identifica Jagannatha em tal humor: “Em Sua mão esquerda, o Senhor
Jagannatha segura uma flauta. Em
Sua cabeça, Ele usa uma pena de pavão e, em Seus quadris, Ele usa um
fino tecido de seda amarelo. Pelo canto de Seus olhos, Ele olha de
relance Seus amáveis devotos e sempre Se revela através de Seus
passatempos em Sua divina morada de Vrindavana. Que este
Senhor Jagannatha seja o objeto de minha visão”.
A poetiza Madhavi-devi, a irmã de Ramananda Raya, escreve em uma de suas canções: “Os tenros e doces versos do
Sri Gita-govinda, trazendo o nome de Radha, se entrelaçam com as
khanduas [peças de roupas usadas por Jagannatha todas as noites], que o Senhor Jagannatha mantém bem próximo de Seus membros”.
O
Chaitanya-charitamrita
explica que Krishna vem como Chaitanya a fim de entender os sentimentos
de Radharani. Durante o Ratha-yatra, Ele dança em êxtase perante o
Senhor Jagannatha (Krishna) para
chamar Sua atenção. Em resposta, Jagannatha O consola: “Eu nunca
esqueci nenhuma
gopi ou gopa, muito menos Você, Srimati Radhika. Como poderia Eu esquecê-lA?”.
O Senhor Chaitanya dança em êxtase diante do carro de Jagannatha durante o festival de Ratha-yatra.
Narada Muni revelou a Gopa-kumara no
Brihad-bhagavatamrita
(2.5.212-214): “Eternamente querida a Sri Krishnadeva, tanto quanto Sua
bela Mathura-dhama, é aquela Purushottama-kshetra. Lá, o Senhor não só
exibe Sua opulência suprema,
mas também encanta Seus devotos agindo como uma pessoa ordinária deste
mundo. E se você continuar não estando plenamente satisfeito após chegar
lá e vê-lO, então ao menos fique lá por algum tempo para conseguir sua
meta desejada. É claro que sua meta última
é amor puro pelos pés de lótus de Krishna, a vida e alma das divinas gopis – amor que segue o humor da própria Vrajabhumi do Senhor. Você não está procurando por outra coisa”. Amor por Jagannatha
é krishna-prema, amor por Krishna, que é nossa meta última. Krishna Se tornou acessível a todos em Sua forma como Jagannatha.
Uma
vez que o Senhor Jagannatha não é outro senão Krishna, Sua morada é
idêntica a Vrindavana, onde Krishna executa Seus passatempos
infantis. Jagannatha Puri – também chamada Purushottama-kshetra, Sri
Kshetra e Nilachala [o local da montanha azul] – contém todos os
passatempos (lilas)
de Krishna em Vrindavana, embora possam porventura estarem escondidos de olhos materiais. O
Vaishnava-tantra afirma: “Qualquer
lila de Krishna que é manifesta em Gokula, Mathura ou Dwaraka são encontradas em Nilachala, Sri Kshetra”.
Através da apropriada visão espiritual – olhos untados por amor puro por Deus,
krishna-prema – a pessoa pode ver todos os passatempos de Krishna ali presentes.